Eliot - Quatro Quartetos - trad: Ivan
Junqueira
O tempo presente e o
tempo passado
Estão ambos talvez
presentes no tempo futuro
E o tempo futuro
contido no tempo passado.
Se todo tempo é
eternamente presente
Todo tempo é
eternamente passado
Todo tempo é
irredimível.
O que poderia ter
sido é uma distração
Que permanece,
perpétua possibilidade,
Num mundo apenas de
especulação.
Johann Wolfgang Goethe dizia que aquele que
sabe guardar, proteger e conservar terá sempre, no fim, e que bom é adquirir,
mas melhor é conservar.
De tudo de belo e interessante que vi e conheci em minha
visita à Alemanha em 2003, algo que sempre me volta com certa doçura é aquela
máquina antiga de Coca-Cola que seguia funcionando perfeitamente no hall de
entrada do prédio onde me hospedei – tinha cara de anos 40/50, era imensa,
branca e fazia barulhos engraçados quando de lá saltavam maravilhosas
garrafinhas de vidro retornáveis cujo líquido escuro descia por minha garganta
com um toque a mais de sabor e originalidade. Por toda parte na Europa se viam
coisas assim, velhas (ou antigas) funcionando e harmonicamente integradas com a
rotina dos dias mais modernos.
De acordo com nosso “bom e velho” dicionário Aurélio, conservador
é aquele que conserva, que se opõem a reformas radicais, que defende
princípios, o também chamado tradicionalista, conservar se relaciona a
idéia de continuar a ter, resguardar do dano, amparar, defender, preservar,
proteger.
Antes de continuar faço questão de salientar que em termos
de humanidade (com isso quero dizer aspectos sociais, psicológicos e políticos
do convívio entre pessoas), ser conservador não é sinônimo de pertencer a
classes dominantes em oposição aos oprimidos, ou ser homofóbico, racista,
sexista ou qualquer gênero de câncer social existente, mas sim uma postura
pautada em princípios e valores construídos no tempo e espaço – historicamente-
conceitos estes que sobreviveram ao teste das gerações e devem ser conservados
e mantidos como base para outros.
Sendo práticos, se observarmos e analisarmos da forma mais
imparcial possível todas as grandes revoluções e instituições humanas geradas
com base na racionalidade pura e em interesses imediatos, concluiremos que
nenhuma delas sobreviveu à pressão do tempo ou conquistou resultados
satisfatórios duradouros. Sendo assim, a idéia de que supostas transformações eficazes
e longevas seriam CONSTRUÍDAS em longos processos de desenvolvimento e
evolução, pautadas em princípios de base, parece ser comprovadamente mais
plausível.
Falando apenas de nossa geração, podemos afirmar com
notoriedade que somos avessos à aceitação de nossas limitações temporais e um
tanto surdos ao que nos foi legado por nossos ancestrais, negamos a realidade
de nossos propostos 80/90 anos (com sorte) e ignorando nosso alcance de pouca
monta insistimos em investir no macro o que só poderia alcançar algum êxito no
micro.
O imediatismo e a ansiedade prementes que definem nossas
atitudes, planos e perspectivas – facilmente ilustrados em nossa determinação
de bunda-moles e na infância eterna que cultivamos com ardor – desfocalizam
nosso entendimento, nos condenando à uma pseudo-inocência constrangedora que
nos torna abertos a tudo e conservadores de nada, nem de nós mesmos.
A começar de nossas escolhas profissionais, tão frouxas
quanto nosso comprometimento, que pautadas pelo desejo por prêmios imediatos e
vida plena instantânea (louros que nossos pais e avós levavam décadas de suor
para ostentar) matam nosso potencial criativo no momento em que o direcionamos
para profissões áridas (do ponto de vista do significado pessoal), mas que
garantam retorno financeiro imediato. Tanto pior os casos em que acovardados,
nos conformamos a sugar os frutos do esforço alheio, permanecendo dependentes
dos pais até a fase pré-aposentadoria (nossa, não deles...rs..) em total falta
de brios ou mesmo de vergonha na cara.
Em nossos “ensaios” de busca cultural vivemos no “a
priori”, superficializando nosso contato
com o conhecimento, transformando nossa tela mental no bolo indiferenciado da
mediocridade útil, incapazes de interpretar nem as mensagens subliminares do
mundo, nem os sinais da vida, cativos do pão-e-circo, da des-cidadania e da
des-individuação. Somos pobres, cegos e nus...mas somos legais!
Na espiritualidade somos tudo e somos nada, desesperados em
pedidos ao cosmos, vazios de envolvimento genuíno, maus crentes e péssimos
ateus. O NADA nos norteia, exceto o estômago e todas as demais demandas
primitivas, incluindo o sexo, cada vez mais indefinido, mais imagético, menos
vivencial. Abrimos mão de todas as receitas, credos e mitos e não sobrou nada
que nos fundasse enquanto homens e então viramos poeira cósmica e rimos de
tudo, palhaços pirados!
As relações seguem o trem do vampirismo pós-moderno,
buscamos satisfação imediata e entretenimento, grande quimera das múltiplas
relações sucessivas ou concomitantes – ninguém penetra ninguém, não se deixa
marcas no outro, não há reconhecimentos profundos, NADA SE CONSTRÓI COM O
OUTRO, nada dura, nada amadurece, nada respeita o processo de existência e
troca entre os seres, nada cria raízes e NADA FICA.
Nossa produção artística é descartável, não existe originalidade
ou gatilhos de reflexão – feitas para consumo fácil e higiene, não emociona,
não instiga, não ilumina – Pura paralisia, emburrecimento e confusão. O artista
só existe como conservador do líquen que o inspira, se não há líquen não há
obra, sem preservação não há líquen. Só se acessa o líquen na integridade do si
mesmo e, a existência do si mesmo pressupõem valores e princípios sólidos.
- O homem não é igual! Nem mesmo igual a si próprio. Hoje é
bom, amanhã nem tanto, suas intenções são tão voláteis quanto o ar que respira.
De modo geral, as motivações humanas são muito rasas e nosso
efeito sobre o mundo é fogo-fátuo, somos hoje mais fluidos do que nunca, se
vivemos sem bússolas ou raízes, voamos em bolhas de sabão virtuais e passamos a
ser mais reais nas telas dos computadores alheios que em nossos próprios
espelhos.
Como bons “idealistas” que nos pretendemos ser, custa-nos
admitir o óbvio – O homem não é bom! De modo geral não assume suas
responsabilidades sempre voluntariamente, não age sempre com justiça por
instinto, não se considera igual aos seus pares (ou ímpares...rs..), não se
move desinteressadamente e ao contrário – Até nossos discursos de tolerância só
nascem em proveito próprio e com segundas intenções. A partir daí não há
projeto utópico que se mantenha, o que não nos exime do dever de lutar para
criar em nosso campo de ação (que chamo de “o micro”) condições de vida o mais
dignas e salutares possível.
Nossa real condição é a de egoísmo e imaturidade, somos
cegos por nossos desejos e demandas emocionais primitivas, inexperientes em
tudo e inconseqüentes no mínimo, mas ainda assim resistimos ao aprendizado do
passado. A violência nascida da cuia vazia só não é maior que a cultivada na
mente vazia.
Não há esperança para o homem que não significa sua existência. O
quanto de aprendizagem cabe dentro de uma vida humana? Seria o homem, ao fim,
avesso à aprendizagem?
Se após milênios de condição humana ainda não conseguimos
descobrir como e o quê precisa e merece ser protegido e preservado, o que de confiável
e eficiente poderíamos esperar da raça humana? A ambivalência procrastinadora
do homem habita na desvalorização do conhecimento transgeracional (acumulado
pela experiência do homem) e na supervalorização do tempo presente (ainda assim
experiência do homem).
Oras, se o presente foi construído em um passado,
recente ou remoto, não há futuro possível sem que a linha se fixe em pontos de
solidez – Princípios, conceitos, valores.
Sim, eu sou uma mulher conservadora!