A pele que habito

A pele que habito

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Conservar, Proteger, Preservar



Eliot - Quatro Quartetos - trad: Ivan Junqueira


O tempo presente e o tempo passado
Estão ambos talvez presentes no tempo futuro
E o tempo futuro contido no tempo passado.
Se todo tempo é eternamente presente
Todo tempo é eternamente passado
Todo tempo é irredimível.
O que poderia ter sido é uma distração
Que permanece, perpétua possibilidade,
Num mundo apenas de especulação.

                Johann Wolfgang Goethe dizia que aquele que sabe guardar, proteger e conservar terá sempre, no fim, e que bom é adquirir, mas melhor é conservar.


De tudo de belo e interessante que vi e conheci em minha visita à Alemanha em 2003, algo que sempre me volta com certa doçura é aquela máquina antiga de Coca-Cola que seguia funcionando perfeitamente no hall de entrada do prédio onde me hospedei – tinha cara de anos 40/50, era imensa, branca e fazia barulhos engraçados quando de lá saltavam maravilhosas garrafinhas de vidro retornáveis cujo líquido escuro descia por minha garganta com um toque a mais de sabor e originalidade. Por toda parte na Europa se viam coisas assim, velhas (ou antigas) funcionando e harmonicamente integradas com a rotina dos dias mais modernos.

De acordo com nosso “bom e velho” dicionário Aurélio, conservador é aquele que conserva, que se opõem a reformas radicais, que defende princípios, o também chamado tradicionalista, conservar se relaciona a idéia de continuar a ter, resguardar do dano, amparar, defender, preservar, proteger.

Antes de continuar faço questão de salientar que em termos de humanidade (com isso quero dizer aspectos sociais, psicológicos e políticos do convívio entre pessoas), ser conservador não é sinônimo de pertencer a classes dominantes em oposição aos oprimidos, ou ser homofóbico, racista, sexista ou qualquer gênero de câncer social existente, mas sim uma postura pautada em princípios e valores construídos no tempo e espaço – historicamente- conceitos estes que sobreviveram ao teste das gerações e devem ser conservados e mantidos como base para outros.

Sendo práticos, se observarmos e analisarmos da forma mais imparcial possível todas as grandes revoluções e instituições humanas geradas com base na racionalidade pura e em interesses imediatos, concluiremos que nenhuma delas sobreviveu à pressão do tempo ou conquistou resultados satisfatórios duradouros. Sendo assim, a idéia de que supostas transformações eficazes e longevas seriam CONSTRUÍDAS em longos processos de desenvolvimento e evolução, pautadas em princípios de base, parece ser comprovadamente mais plausível.

Falando apenas de nossa geração, podemos afirmar com notoriedade que somos avessos à aceitação de nossas limitações temporais e um tanto surdos ao que nos foi legado por nossos ancestrais, negamos a realidade de nossos propostos 80/90 anos (com sorte) e ignorando nosso alcance de pouca monta insistimos em investir no macro o que só poderia alcançar algum êxito no micro.

O imediatismo e a ansiedade prementes que definem nossas atitudes, planos e perspectivas – facilmente ilustrados em nossa determinação de bunda-moles e na infância eterna que cultivamos com ardor – desfocalizam nosso entendimento, nos condenando à uma pseudo-inocência constrangedora que nos torna abertos a tudo e conservadores de nada, nem de nós mesmos.

A começar de nossas escolhas profissionais, tão frouxas quanto nosso comprometimento, que pautadas pelo desejo por prêmios imediatos e vida plena instantânea (louros que nossos pais e avós levavam décadas de suor para ostentar) matam nosso potencial criativo no momento em que o direcionamos para profissões áridas (do ponto de vista do significado pessoal), mas que garantam retorno financeiro imediato. Tanto pior os casos em que acovardados, nos conformamos a sugar os frutos do esforço alheio, permanecendo dependentes dos pais até a fase pré-aposentadoria (nossa, não deles...rs..) em total falta de brios ou mesmo de vergonha na cara.

Em nossos “ensaios” de busca cultural vivemos no “a priori”,  superficializando nosso contato com o conhecimento, transformando nossa tela mental no bolo indiferenciado da mediocridade útil, incapazes de interpretar nem as mensagens subliminares do mundo, nem os sinais da vida, cativos do pão-e-circo, da des-cidadania e da des-individuação. Somos pobres, cegos e nus...mas somos legais!

Na espiritualidade somos tudo e somos nada, desesperados em pedidos ao cosmos, vazios de envolvimento genuíno, maus crentes e péssimos ateus. O NADA nos norteia, exceto o estômago e todas as demais demandas primitivas, incluindo o sexo, cada vez mais indefinido, mais imagético, menos vivencial. Abrimos mão de todas as receitas, credos e mitos e não sobrou nada que nos fundasse enquanto homens e então viramos poeira cósmica e rimos de tudo, palhaços pirados!

As relações seguem o trem do vampirismo pós-moderno, buscamos satisfação imediata e entretenimento, grande quimera das múltiplas relações sucessivas ou concomitantes – ninguém penetra ninguém, não se deixa marcas no outro, não há reconhecimentos profundos, NADA SE CONSTRÓI COM O OUTRO, nada dura, nada amadurece, nada respeita o processo de existência e troca entre os seres, nada cria raízes e NADA FICA.

Nossa produção artística é descartável, não existe originalidade ou gatilhos de reflexão – feitas para consumo fácil e higiene, não emociona, não instiga, não ilumina – Pura paralisia, emburrecimento e confusão. O artista só existe como conservador do líquen que o inspira, se não há líquen não há obra, sem preservação não há líquen. Só se acessa o líquen na integridade do si mesmo e, a existência do si mesmo pressupõem valores e princípios sólidos.

- O homem não é igual! Nem mesmo igual a si próprio. Hoje é bom, amanhã nem tanto, suas intenções são tão voláteis quanto o ar que respira.

De modo geral, as motivações humanas são muito rasas e nosso efeito sobre o mundo é fogo-fátuo, somos hoje mais fluidos do que nunca, se vivemos sem bússolas ou raízes, voamos em bolhas de sabão virtuais e passamos a ser mais reais nas telas dos computadores alheios que em nossos próprios espelhos.

Como bons “idealistas” que nos pretendemos ser, custa-nos admitir o óbvio – O homem não é bom! De modo geral não assume suas responsabilidades sempre voluntariamente, não age sempre com justiça por instinto, não se considera igual aos seus pares (ou ímpares...rs..), não se move desinteressadamente e ao contrário – Até nossos discursos de tolerância só nascem em proveito próprio e com segundas intenções. A partir daí não há projeto utópico que se mantenha, o que não nos exime do dever de lutar para criar em nosso campo de ação (que chamo de “o micro”) condições de vida o mais dignas e salutares possível.

Nossa real condição é a de egoísmo e imaturidade, somos cegos por nossos desejos e demandas emocionais primitivas, inexperientes em tudo e inconseqüentes no mínimo, mas ainda assim resistimos ao aprendizado do passado. A violência nascida da cuia vazia só não é maior que a cultivada na mente vazia. 

Não há esperança para o homem que não significa sua existência. O quanto de aprendizagem cabe dentro de uma vida humana? Seria o homem, ao fim, avesso à aprendizagem?

Se após milênios de condição humana ainda não conseguimos descobrir como e o quê precisa e merece ser protegido e preservado, o que de confiável e eficiente poderíamos esperar da raça humana? A ambivalência procrastinadora do homem habita na desvalorização do conhecimento transgeracional (acumulado pela experiência do homem) e na supervalorização do tempo presente (ainda assim experiência do homem). 

Oras, se o presente foi construído em um passado, recente ou remoto, não há futuro possível sem que a linha se fixe em pontos de solidez – Princípios, conceitos, valores.

Sim, eu sou uma mulher conservadora!