A pele que habito

A pele que habito

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

A morte do peixinho cor-de-rosa...

Chegou mais cedo do que de costume, meio rindo e meio chorando, bochechas rosadas pelo vento frio da rua daquela noite. Ao abrir a porta me abraçou meio desajeitada, um pouco constrangida, meio menininha que passou o dedo no bolo. Gosto dela!

- Dra. tenho uma coisa para contar, mas é muito idiota!

Sorri sem emitir nenhum comentário, essa coisa de me chamarem de doutora sendo que mal comecei o mestrado, me faz sentir um tanto culpada, deixo para lá, sento na cadeira, de frente para ela, espero.

- Chorei dois dias seguidos, liguei para minha irmã e para meu amigo, eles me acham ridícula, eu me acho ridícula, mas o que posso fazer, eu fiquei muito triste!

Comecei a ficar curiosa, sabia que ela era muito emotiva, uma mocinha típica de cabelo longo e roupas claras, sempre sensível, feminina, com a casa cheia de enfeitinhos. Balancei a cabeça em compreensão e aguardei. Enxugou os olhos, depositou a bolsa ao lado do corpo para ficar mais à vontade, inspirou profundamente e lançou a grande revelação:

- Meu peixe morreu! Fui viajar, deixei com os vizinhos, eles acabaram repassando o cuidado do peixe para as crianças deles, quando o peguei estava magro, cinza e quase não se mexia mais...Eu sei que é ridículo, mas fiquei triste!

- Ridículo como?

Surpreendeu-se com a pergunta, esperava outra reação com certeza, aguardei novamente, ao invés de responder continuou contando a história.

- Sabia que não estava morto porque não estava boiando na superfície, entende? Ele ficou ali imóvel no aquário o dia todo, foi nessa hora que liguei para todo mundo chorando, aquilo foi forte demais...Ele era lindo, de um cor-de-rosa que nunca vi em outro peixe, ele era único, você entende?

Sempre evitamos essa coisa de dizer "entendo", não estamos lá para "entender", quem "entende" é amigo, estamos lá para dar continência, porém naquele momento não dizer "entendo" seria uma falta de continência, de modo que arrisquei:

- Entendo!

Voltou a chorar, disse que todos diziam a ela que comprasse outro peixe e acabou, que peixes morrem, tudo morre. De início não queria outro peixe, queria aquele peixe, aquele peixe único e cor-de-rosa especial.

- Peguei a peneirinha e ia retirá-lo do aquário para enterrar, jogar no lixo, sei lá....Mas ele deu um salto, como fazia quando ia alimentá-lo, eu o soltei no aquário outra vez esperançosa, ele nadou como um louco de um lado para o outro em desespero, depois por fim morreu...Ficou boiando na superfície! O que mais me tocou foi esse último momento, como se ele estivesse lutando pela vida, sabe? Tudo morre e é uma droga isso!

- É, é mesmo uma droga isso!

- Bom, chorei muito, fiz o maior papel de boba do mundo, enterrei ele no quintal da minha mãe, depois fui lá e comprei dois peixes só de raiva, um azul e um amarelo, comprei também um aquário maior.

Sorri para ela, começamos a rir. Há quase um ano ela vem chorando a perda de um amor específico, ele era único, como o peixe cor-de-rosa especial, ela não queria outro, ficava se segurando a esse sentimento já sombrio como o peixe nos últimos momentos de vida. Comentei que cada pessoa que amamos é unica e amamos de um jeito único, específico daquela relação, mas que por mais intenso e bonito que houvesse sido, havia sempre a oportunidade de amar de novo, de forma diferente, uma pessoa diferente, de forma tão ou mais bonita, talvez um aquário maior, onde houvessem dois e não só um peixe...rs...

Pensei também em meu luto pelo trabalho deixado, pelos amigos que verei menos e em outras circunstâncias, peixes morrem, tudo morre, tudo nasce, tudo renasce!

- É, no fim, não era tão ridículo assim...

- Não, não era!

- Eu devo ser sua paciente mais engraçada, não?

Apenas sorri, um sorriso dos meus maiores, daqueles em que abraço sem usar braços, ela era sim uma das mais engraçadas e também uma das mais queridas.