A pele que habito

A pele que habito

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Como Jane Austen pode mudar sua vida e Austen por ela mesma...

Alain de Botton escreveu um livro sobre Proust para mudar todas as vidas. Bom negócio. Nos últimos tempos, tenho pensado em Jane Austen para mudar a minha. Corrijo. Tenho pensado em mim, no meu bolso e nas histórias de Miss Jane para mudar as vossas. Assim é que é.

Acontece quando um amigo (melhor: uma amiga) entra aqui em casa com lágrimas nos olhos. Problemas sentimentais, por favor, não façam caso. Fatalmente, tenho sempre dois objetos sobre a mesa: uma caixa de lenços de papel e, claro, uma cópia de "Orgulho e Preconceito", o livro que Jane Austen publicou em 1813. Entrego o livro e, com palavras paternais, aconselho: Lê "Orgulho e Preconceito" e encontrarás a luz, meu amor.

Eles lêem e depois regressam, com a alma levantada, mais felizes que Mr. Scrooge ao descobrir que está vivo e é Natal. Inevitável. Jane Austen entendia mais sobre a natureza humana do que quilos e quilos de tratados filosóficos sobre a matéria.

Mas, primeiro, as apresentações: leitores, essa é Jane Austen, donzela inocente que nasceu virgem e morreu virgem. Jane, esses são os leitores (ligeira vênia). A biografia não oferece aventuras. Poderíamos acrescentar que morou com a família até ao fim. Que publicou os seus romances anonimamente, porque não era de bom tom uma mulher se entregar aos prazeres da literatura. E que suas obras, apesar de sucesso moderado, têm conhecido nos últimos anos um sucesso estrondoso e as mais díspares interpretações políticas, literárias, filosóficas, até econômicas. Já li textos sobre a importância das finanças na obra de Jane Austen. Sobre o vestuário. Sobre a decoração de interiores. Sobre os usos da ironia no discurso direto. Para não falar de filmes - mais de vinte - que os seus livros --apenas seis-- suscitaram nos últimos tempos. O último "Orgulho e Preconceito" foi recentemente filmado no Reino Unido, com Keira Knightley (suspiros, suspiros) no papel principal. Vai aos Globos de Ouro. Provavelmente, aos Oscars também.

A loucura é total. Jane Austen mal sabia que, depois da morte, em 1817, o mundo acabaria por descobri-la e, sem maldade, usá-la e abusá-la tão completamente. Justo. Considero Jane Austen uma das maiores escritoras de sempre. Incluo os machos na corrida. Sem Austen, seria impensável encontrar Saki, Beerbohm ou Wodehouse. Miss Jane é mãe de todos.

E "Orgulho e Preconceito"? "Orgulho e Preconceito" tem eficácia garantida para males de amor. Vocês conhecem a história: Elizabeth, filha dos Bennet, classe média com riqueza nos negócios (quel horreur!), conhece Darcy, aristocrata pedante. Ela não gosta da soberba dele. Ele começa por desprezar a condição dela --social, física-- no primeiro baile onde se encontram. Com o tempo, tudo se altera. Darcy apaixona-se por Elizabeth. Elizabeth resiste, alimentada ainda pelas primeiras impressões sobre Darcy. Darcy declara-se a Elizabeth, sem baixar a guarda do preconceito social. Elizabeth não perdoa o preconceito de Darcy e, ferida no orgulho, recusa os avanços. Darcy lambe as feridas e afasta-se. Mas tudo está bem quando termina bem: Darcy e Elizabeth, depois das primeiras tempestades, estão condenados ao amor conjugal. Aplausos. The end.

As consciências feministas, ou progressistas, sempre amaram a atitude de Elizabeth: nariz alto, opiniões fortes, capaz de vergar Darcy e o seu preconceito aristocrático. "Orgulho e Preconceito" seria, neste sentido, um livro anticonservador por excelência, ao contrário de "Razão e Sensibilidade", onde a hierarquia social tem a palavra decisiva. Elizabeth não é boneca de luxo, disposta a suportar os mandos e desmandos do macho. Ela exige respeito. Pior: numa família com dificuldades financeiras, Elizabeth comete o supremo ultraje --impensável no seu tempo-- de recusar propostas de casamento que salvariam a sua condição e a conta bancária de toda a família. A mãe de Elizabeth, deliciosamente histérica, atravessa o romance com achaques nervosos, prostrada no sofá. Se "Orgulho e Preconceito" fosse um romance pós-moderno, a pobre mãezinha passaria metade do tempo suspirando: Esta filha vai levar a família toda para a sarjeta!

Elizabeth não cede e triunfa. A família também. E os leitores progressistas?

Esses, não. Os leitores progressistas tendem a ler "Orgulho e Preconceito" como se existissem na trama duas personagens distintas, vindas de mundos distintos, com vícios e virtudes também distintos. Darcy contra Elizabeth, até ao dia em que o amor é mais forte. Erro. Jane Austen não era roteirista em Hollywood. E os leitores progressistas saberiam desse erro se soubessem também que o título original de "Orgulho e Preconceito" não era "Orgulho e Preconceito". Era, tão simplesmente, "Primeiras Impressões".

Nem mais. Se existe um tema central no romance, não é Elizabeth, não é Darcy. E não é, escuso de dizer, o dinheiro, a ironia dos diálogos ou a decoração de interiores. "Orgulho e Preconceito" é uma meditação brilhante sobre a forma como as primeiras impressões, as idéias apressadas que construímos sobre os outros, acabam, muitas vezes, por destruir as relações humanas.

De igual forma, "Orgulho e Preconceito" não é, como centenas e centenas de histórias analfabetas, uma história de amor à primeira vista. É, como escreveu Marilyn Butler, professora em Cambridge e a mais importante crítica de Austen, uma história de ódio à primeira vista. E a lição, a lição final, é que amor à primeira vista ou ódio à primeira vista são uma e a mesma coisa: formas preguiçosas de classificar os outros e de nos enganarmos a nós. Elizabeth despreza a arrogância de Darcy sem perceber que essa arrogância, às vezes, é uma forma de defesa: o amor assusta mais do que todos os fantasmas que habitam o coração humano. Darcy despreza Elizabeth porque Elizabeth é uma ameaça ao seu conforto social e até sentimental. Elizabeth e Darcy não são personagens distintos. Eles são, no seu orgulho e preconceito, personagens rigorosamente iguais.

Jane Austen acertou. Duplamente. Como literatura e como aviso. O amor não sobrevive aos ritmos da nossa modernidade. O amor exige tempo e conhecimento. Exige, no fundo, o tempo e o conhecimento que a vida moderna de hoje não permite e, mais, não tolera: se podemos satisfazer todas as nossas necessidades materiais com uma ida ao shopping do bairro, exigimos dos outros igual eficácia. Os seres humanos são apenas produtos que usamos (ou recusamos) de acordo com as mais básicas conveniências. Procuramos continuamente e desesperamos continuamente porque confundimos o efêmero com o permanente, o material com o espiritual. A nossa frustração em encontrar o "amor verdadeiro" é apenas um clichê que esconde o essencial: o amor não é um produto que se compra para combinar com os móveis da sala. É uma arte que se cultiva. Profundamente. Demoradamente.

Por isso, leitores desesperados e sonhadores arrependidos, leiam Jane Austen e limpem as vossas lágrimas! Primeiras impressões todos temos e perdemos. Mas o amor só é verdadeiro quando acontece à segunda vista.

João Pereira Coutinho, 31, é colunista da Folha. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro "Avenida Paulista" (Ed. Quasi), publicado em Portugal, onde vive. Escreve quinzenalmente, às segundas-feiras, para a Folha Online.

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de Orgulho e Preconceito:

“Jane: [...] Grande parte das vezes é a nossa própria vaidade que nos ilude. Para as mulheres, a admiração que elas crêem no objeto significa mais do que aquilo de fato se trata.

Elizabeth: E são os homens que se encarregam de as convencer.

Jane: Se é propositalmente que o fazem, não têm desculpa; mas não creio que no mundo haja tanta duplicidade, como a maioria das pessoas pretende fazer acreditar.

Elizabeth: Estou longe de atribuir à duplicidade alguma faceta do comportamento de Mr. Bingley; mas o que certo é que, mesmo sem se planejar fazer o mal ou tornar os outros infelizes, podem-se criar situação de equívoco e sofrimento. Refiro-me à inconsistência, à falta de atenção para com os sentimentos dos outros e à falta de poder de resolução.”

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“I must keep to my own style and go on in my own way. And though I may never succeed again in that, I am convinced that I should totally fail in any other.”


“Muitas vezes perdemos a possibilidade de felicidade de tanto nos prepararmos para recebê-la. Por que então não agarra-la toda de uma vez?”


“ A vaidade e o orgulho são coisas diferentes, embora as palavras sejam freqüentemente usadas como sinônimos. Uma pessoa pode ser orgulhosa sem ser vaidosa. O orgulho relaciona-se mais com a opinião que temos de nós mesmos, e a vaidade, como o que desejaríamos que os outros pensassem de nós.”


“A imaginação de uma senhora é muito rápida, pula da admiração para o amor, e do amor para o matrimônio em um segundo.”

“Nunca houve dois corações mais abertos, nem gostos mais semelhantes, ou sentimentos mais em sintonia!”

“Metade do mundo não consegue compreender os prazeres da outra metade.”

“Às vezes a última pessoa na face da terra com quem você deseja estar junto, é a única pessoa que você não pode viver sem.”

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Gotas...

“...todas as coisas primitivas e até mesmo o homem antes de se tornar canalha são de uma beleza tocante, pois nos statis nascendi (na fase do nascimento) qualquer coisa em seu gênero representa o que há de mais precioso, de intimamente desejado e de profundamente terno, na visão do amor e da bondade infinitos do Criador.”
Karl Gustav Jung


“De que são feitos os dias? – De pequenos desejos, vagarosas saudades e silenciosas lembranças.”
Cecília Meireles


“Ante a fraqueza da palavra humana – o que há de mais divino o olhar traduz.”
Machado de Assis


“Porque enfim, tudo passa; não sabe o tempo ter firmeza em nada.”
Luís de Camões


“A fé cresce num subsolo de anseios, e alguma coisa primeva nos seres humanos clama contra o reino da morte.”
Philip Yancey


“Matar Jesus foi como tentar destruir um dente-de-leão assoprando nele.”
Walter Wink


“Tu te elevaste diante de nossos olhos, e nós voltamos entristecidos, apenas para encontrar-te em nossos corações.”
Santo Agostinho


“Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica só. Mas se morrer, produz muito fruto.”
Jesus


“É muito sério viver numa sociedade constituída por possíveis deuses e deusas, lembrar que a mais desinteressante e estúpida das pessoas com quem você fala pode, um dia, vir a ser alguém que, se a víssemos agora, nos sentiríamos fortemente impelidos a adorar; ou (quem sabe?) a personificação do horror e da corrupção só vistos em pesadelos. Passamos o dia inteiro ajudando-nos uns aos outros a, de certo modo, encontrar um destes destinos.”
C. S. Lewis


“Se Deus não existe, então tudo é permissível.”
Dostoievski


“Somos uma obra contemplativa, primeiro meditamos sobre Jesus, depois saímos e o procuramos disfarçado.”
Madre Teresa de Calcutá


“Através de toda minha busca por Jesus tem havido um tema de confronto: minha necessidade de limpar camadas de sujeira e de poeira aplicadas pela PRÓPRIA IGREJA. Em meu caso, a imagem de Jesus foi obscurecida pelo racismo, pela intolerância e pelo legalismo tacanho das igrejas fundamentalistas do Sul. O católico russo ou europeu enfrenta um processo de restauração muito diferente. ‘Pois não apenas poeira, mas também ouro em demasia pode cobrir a verdadeira figura’, escreveu o alemão Hans Küng acerca de sua própria busca. Muitos, muitos mesmo, abandonam a busca totalmente ; repelidos pela igreja, nunca chegam a Jesus.”
Philip Yancey

“O sentido e o espírito de Cristo estão presentes em nós e os podemos perceber mesmo sem os milagres. Estes últimos apelam para a inteligência daqueles que são incapazes de captar o sentido em si mesmo. Constituem meros sucedâneos de uma realidade do espírito que não foi compreendida. Mas com isso não pretendemos negar que a presença vital deste espírito seja, às vezes, acompanhada de fenômenos físicos extraordinários; apenas queremos acentuar que estes últimos não podem substituir, e muito menos produzir, o único e essencial conhecimento do espírito.”
Carl Gustav Jung