Mens sana in corpore sano[1]
“O desespero é uma evolução tão grande do orgulho que escolhe a certeza,
em vez de admitir que Deus é mais criativo do que nós.”
Thomas Merton[2]
A cena de
abertura do filme First Reformed
(2017) mostra uma igreja muito branca e antiga, construída em algum estilo
reformado holandês, feita de madeira. O templo em si, para quem gosta de
igrejas, desperta uma certa nostalgia, gera encanto, uma ideia de pureza, de
transcendência que se perpetuaria, não fosse pelo impacto das portas fechadas,
sempre um sinal de inacessibilidade, e de seu entorno, rodeado por um dia
escuro de inverno e árvores ressequidas, pesado, angustiante e desolador. Tudo
o que precisamos saber sobre a temática principal da narrativa se faz presente
nessa cena: vazio, obsolescência, inacessibilidade, abandono, tristeza e
desesperança, tudo isso em contraposição pela alvura das paredes do templo,
cuja energia salta aos olhos, quase a explodir as paredes e as portas fechadas,
desafiando a escuridão que a cerca.
Essa
coexistência de contrastes, os jogos de luzes e sombras, a ideia da
transcendência e da imanência convivendo e combatendo, sob o pano de fundo de
um mundo tenebroso, está presente em todos os aspectos da obra de Paul Schrader.
Desde sua fotografia, com seu tom barroco, digno de um Velásquez, até ao
conteúdo das reflexões do protagonista, Rev.Toller, que carrega em si a
transposição da forte crítica feita pelo diretor à essa igreja. Nas palavras do
próprio pastor: “A sabedoria segura duas verdades contraditórias em nossa
mente, simultaneamente: Esperança e desespero. Uma vida sem desespero, não tem
esperança. A nossa própria vida mantém essas duas ideias em nossa cabeça.”
O filme de
2017, muito equivocadamente intitulado pelo Netflix
como ‘Fé Corrompida’ (quem escolheu esse título ou não assistiu ou não entendeu
o conteúdo do mesmo), escrito e dirigido por Paul Schrader (responsável pelo
roteiro de obras-primas como Táxi-Driver, Touro Indomável e A Última Tentação
de Cristo, entre outros), consegue fazer o que poucas obras artísticas foram
capazes até hoje: Explicar o conceito de Graça, conforme prega a doutrina
cristã reformada, e revelar aspectos da crise na qual essa mesma fé se vê
inserida na atualidade. Isso, naturalmente, só poderia ser feito por alguém que
viveu essa fé e a compreendeu, mantendo um dos maiores princípios da Reforma
Protestante, que é manter um olhar crítico e honesto que não permita que a
igreja se perca em seu caminho, “Igreja reformada, sempre se reformando”. Schrader cresceu numa comunidade
ultracalvinista de tradição holandesa em Michigan (Calvinist Christian Reformed
Church) e, independentemente de sua possível experiência religiosa posterior
(eu não pesquisei), soube utilizar aqui pontos seminais da crença reformada
para demonstrar as incoerências e debilidades da Igreja Cristã (aqui
generalizo), na atualidade, com maestria. Acho a questão mais grave para nós,
reformados, porque temos nos cegado para algo que já criticamos em outros.
Talvez
seja difícil para pessoas de outras crenças se apropriarem de tudo aquilo que
Schrader consegue dizer nesse filme, para tanto é necessário, de início, compreender
alguns conceitos básicos daquilo que a doutrina protestante chama de ‘Graça’. De forma
muito básica, o que se entende por Doutrina da Graça, na perspectiva calvinista, também conhecida
como "graça eficaz"
e "vocação eficaz", é que
a influência salvífica do Espírito Santo de Deus é irresistível, superando toda
e qualquer tentativa de resistência humana. Quando então, Deus soberanamente
visa salvar alguém, o indivíduo não tem como resistir à ação do próprio Deus na
intenção de redimi-lo. A prerrogativa é sempre divina.
Partindo
dessa compreensão, o filme nos apresenta um homem, um pastor, filho e neto de
pastores, mergulhado numa crise aguda que envolve todos os aspectos de sua
vida: Físico, Emocional, Relacional, Existencial e Espiritual. A dimensão dessa
crise é cuidadosamente demonstrada pelos detalhes de um aspecto físico pálido,
emagrecido e rígido; de sua casa escura, vazia, quase sem mobília e iluminada
quase sempre pela luz bruxuleante de velas; também pela busca por uma disciplina
monástica severa que, paradoxalmente, coexiste com o alcoolismo, a angústia e o
questionamento constante. Aos poucos a narrativa vai revelando ao espectador
seus lutos insuperáveis, a culpa não redimida, os descaminhos que o levam
àquela realidade de solidão, aos percalços de um ministério irrelevante numa
igreja-museu quase sem ovelhas, onde seu maior desafio é desentupir o banheiro
masculino. Dorme mal, come mal, bebe muito. É resistente a qualquer tentativa
de afeto, cuidado ou tratamento. Não ouve conselhos, não se abre com ninguém,
se irrita com a preocupação das pessoas, se isola, não tem misericórdia de si
mesmo, não consegue sequer orar. Decide escrever um diário, em busca de algum
alívio existencial, mas não o obtém.
A despeito disso tudo, segue pastoreando. Tem o conhecimento bíblico e filosófico
adequado, consegue compartilhar isso com destreza (haja visto sua conversa com
Michael e com os jovens da igreja ‘Vida Abundante’), cumpre suas obrigações com a First Reformed e, não fosse o diácono descobrir a quantidade de
bebida que estava ingerindo, ou a derrocada mental precipitada pelo encontro
com Mary e seu marido, talvez permanecesse por anos atuando ali e sem qualquer
possibilidade real de redenção.
Aqui abro
um parêntese: (Quantos líderes religiosos conhecemos ou sobre quem ouvimos
falar vivem em situação semelhante? Que tipo de cuidado recebem - ou aceitam
receber - os cuidadores? Quantos se escondem atrás de suas batinas e de uma
pretensa comunhão com Deus para evitar aconselhamentos ou psicoterapias,
perpetuando mazelas que irão, inclusive, influenciar seu ministério e
prejudicar suas famílias, ovelhas e comunidades? Até quando vamos nos manter
alheios à essa ignorância e suas consequências? Até quando veremos pastores e
líderes adoecendo física e mentalmente por não compreenderem que a carga
emocional e espiritual que carregam é gigantesca e precisam de suporte efetivo?)
Mary Mensana (e sim, é uma referência ao poema da
epígrafe) surge na história de maneira oportuna, pede ao pastor que atenda seu
marido, Michael e devolve ao ministério de Toller alguma relevância. No
decorrer da narrativa vamos percebendo que Mary e seu bebê trazem ao contexto
referências cristãs importantes, lembramos da mulher grávida do Apocalipse,
cujo bebê é perseguido pelo dragão, tipificando a própria Maria. Em seu
discurso e atitudes vamos percebendo a ação da Graça em prol do pastor. Mary
compreende e apoia a causa ecológica de Michael, mas não o seu desespero; Mary
deseja viver, ser mãe, aproveitar as coisas boas e saudáveis que a vida pode
lhe oferecer, se apresenta como ‘ a espiritual’ e testemunha sua necessidade de
buscar a presença de Deus desde pequena e em todos os lugares. Mary se
entristece, mas não se desespera. Mary pede ajuda quando se assusta e quando
não consegue orar. Mary aceita o apoio da família e de amigos em momentos
difíceis. Mary tem uma mente sã num corpo são e tem coragem para enfrentar a
vida e escolher um caminho de virtude. Mary salva o pastor de sua irrelevância ao
pedir sua ajuda para o marido e para ela mesma, Mary salva o pastor de seu
próprio desespero, ao lhe mostrar um contraste para a desgraça na qual Michael (e
a realidade) o envolveram. Mary devolve ao pastor a capacidade de orar, Mary
salva o pastor de realizar um ato de violência contra outras pessoas e contra
ele mesmo. Mary representa a Graça de Deus no processo de redenção daquele
homem até então irredimível. Toller não resiste a ela, porque a Graça é
irresistível!
O tom de
realismo fantástico que a história nos proporciona na cena da ‘Viagem Mágica’ e
na cena final do filme, reforça exatamente essa dotação mística da personagem
de Mary e o que mais gosto nela é o fato de trazer a ideia de que a Graça de
Deus está presente nos detalhes do nosso dia-a-dia, nas pequenas coisas que nos
cercam, no ‘presente de Deus’ que é uma simples volta de bicicleta, numa xícara
de chá, em orar de mãos dadas com um amigo, em aguardar o nascimento de um
bebê, em dividir a vida com alguém que se ama. A Graça de Deus se faz presente
em nossas vidas na coragem para seguir vivendo, apesar do desespero de um mundo
caído e de seus desdobramentos; na escolha por uma vida justa, mesmo em meio a
um mundo injusto. O próprio Toller demonstra o equívoco de muitos que buscam
encontrar a ação de Deus em coisas sobrenaturais ao comentar em seu diário: “O desejo de orar é um tipo de oração.
Quantas vezes pedimos experiência, quando tudo o que queremos é emoção?” Mary
é oportuna, despretensiosa, simples, luminosa, verdadeira, amorosa e EFETIVA,
nela não existe um elemento sequer de artifício, mas ainda assim, sua ação é
plena e profunda, transformadora. Mary com sua aparente fragilidade, candura e
afetividade combate e sobrepuja as trevas que matam Michael e que quase fazem
Toller sucumbir. Mary demonstra o poder da Graça de Deus presente na pessoa e
na ação de Jesus Cristo e representa a grande verdade de que precisamos
experimentar a ação desta Graça na integralidade do nosso ser, na forma como
vivemos, sentimos e agimos. Não adianta o mais rico e profundo conhecimento
teórico (ou teológico) sem uma experiência de vida plena. Deus não nos criou
compartimentados!
Michael,
por sua vez, cujo nome nos remete ao arcanjo guerreiro da Bíblia, que lidera as
hostes celestiais contra as hostes demoníacas, traz à tona todo o quadro
sinistro de um mundo tomado e regido pelo maligno, mundo sem luz e sem
esperança, caminhando a passos largos para a destruição completa, destruição
que a própria raça humana realizou e segue realizando. As informações que
apresenta ao pastor são verdadeiras e desoladoras: “...o mundo está mudando
rápido e bem na nossa frente. (...) Um terço da vida na Terra foi destruído
durante a nossa era. (...) Em trinta anos, a temperatura na Terra será 3 graus
Celsius mais alta, o limite para a existência de vida aqui é 4 graus. Haverão
impactos severos, generalizados e irreversíveis. (...) Em 2050, o nível do mar
será 60cm mais alto na Costa Leste, a África Central perderá 50% das plantações
por causa das secas. Os reservatórios de água potável secarão. Teremos
alterações climáticas irreversíveis. Refugiados. Epidemias. Climas extremos.
(...) Os tempos difíceis virão e, a partir daí, tudo acontecerá muito rápido.
Essa estrutura social não suportará o estresse de múltiplas crises. Doenças
oportunistas, anarquia, lei marcial.” Tínhamos que ter feito mudanças até 2015,
não fizemos. O filme é de 2017, em 2020/2021 estamos vivendo a pandemia de
COVID 19, não será a única desgraça dos próximos tempos. Michael pergunta:
“Deus pode nos perdoar? Pelo que fizemos com esse mundo?”
Embutida
na angústia insolúvel de Michael, na escuridão que carrega em sua alma, na
perspectiva apocalíptica que o faz querer abortar o filho de Mary, seu próprio filho
e que o leva ao suicídio, está a maior crítica do filme às nossas igrejas – a
perda da nossa relevância histórico-social em consequência da perda de um ideal
de transcendência. Logo nas primeiras cenas a placa da First Reformed a apresenta como uma igreja de grande importância
histórica, mais adiante no filme, durante a visita das crianças na igreja,
descobrimos que aquele templo tinha sido rota de acolhimento de escravos em
fuga, atuando ativamente no passado na luta pela Abolição da Escravatura. Foram
tantas as contribuições positivas da Igreja Reformada na História da
Humanidade, sempre como referência de luta contra a opressão, contra a tirania,
contra a ignorância, contra as injustiças sociais...De acordo com a Palavra de
Deus, muito embora aguardemos a nossa redenção final, compreendemos que temos
um papel de mordomia nesse mundo e, portanto, seguimos lutando para que os
valores do Reino de Deus sejam defendidos aqui na Terra, embora saibamos que
essa luta só terá vitória no final dos tempos. Seguimos mesmo lutando? A causa
ecológica é urgente, dramática, gravíssima e atual! Por que a igreja se
cala???? Por que insistimos em aceitar dinheiro de poluidores? Por que nos
mantemos priorizando conforto e ostentação ao invés de saúde e sobrevivência?
Por que sujamos, destruímos e matamos a Natureza que, assim como nós mesmos,
Deus criou? Por que livros como o “Poluição e Morte do Homem” de Francis
Schaeffer seguem empoeirados nas bibliotecas de igrejas e seminários? Porque a
igreja deixou de dialogar com a realidade do mundo, mas se acomodou a ela.
Estamos gordos, ricos e fartos de toda a decadência do mundo e perdemos
qualquer contato com a transcendência e com a verdade. E é isso que Schrader
demonstra muito bem quando mostra a igreja-empresa “Vida Abundante”, com João
10:10 decorando as paredes do estacionamento, que vive de grandes eventos e de
ofertas de milionários, servindo aos seus interesses. O preço que pagamos com
essa acomodação ao mundo e sua sujeira são cadeiras vazias, vidas perdidas,
portas fechadas, lideranças decadentes e empobrecimento espiritual. Em uma
palavra, perdemos Deus. Ah, se não fosse a Graça!
O filme
nos apresenta também, por meio da discussão entre os jovens e depois entre os
dois pastores um excelente retrato do mundo atual sobre a perspectiva da
juventude e a dificuldade da igreja de acolher e pastorear uma geração tão
confusa, reativa e vazia, vivendo num mundo que as gerações mais velhas não
reconhecem: mundo de aquecimento global, de pornografia, de videogames
violentos e violência real extrema, tanto física quanto verbal; mundo onde não
existe mais privacidade, onde todos vivem isolados, se comunicando artificial e
superficialmente por redes sociais; mundo de relações doentes e
insatisfatórias, “mundo sem esperança”. Toller comenta, inclusive, a
confusão que a Teologia da Prosperidade tem causado na mente das pessoas, com
suas promessas falsas de triunfalismo: “Há muitos cristãos, boas pessoas, que
veem uma conexão, entre piedade e prosperidade. Mas isso não é o que Jesus
ensina. Não é o que Jesus viveu. Não há um cifrão no púlpito dEle. Tampouco uma
bandeira americana.” Geração que quer certezas a qualquer custo, que quer
alguém que lhes diga o que fazer, mas não lhe peçam para pensar, geração presa
fácil de extremismos de todo tipo, de manipulação ideológica de qualquer ordem,
de anestesias de qualquer espécie para curar sua dor existencial.
O debate
entre o Rev.Toller e Michael é um dos pontos altos do filme e reverbera por
toda a narrativa. O pastor se sentiu como Jacó lutando a noite toda com o Anjo.
Lutando no sufoco. “Cada frase, cada pergunta, cada resposta era uma luta
mortal.” E era mesmo, a luta era pela alma do próprio pastor, pois a de
Michael, como afirma Mary, já estava perdida: “Ele não queria viver. Ele não
era um homem religioso. Ele não se importava com a igreja, só eu. Eu quem pedia
para ele ir.” Michael faz referência aos mártires pelo Evangelho e o relaciona
aos ativistas, mortos em prol da preservação da Natureza, 117 pessoas, só em
2016. O desespero do jovem, estampado na expressão de seu rosto, leva o pastor
a compartilhar de seu próprio desespero. Relata a morte do filho e sua culpa.
“Convenci meu filho a ir a uma guerra que não tinha justificativa." “Seja
qual for o desespero que sinta por trazer uma criança a este mundo, não se
iguala ao desespero de tirar uma criança dele.” Destaco aqui que Deus Pai
enfrentou a ambos, enviando Seu único Filho para este mundo tenebroso e o vendo
morrer na Cruz, lutando por uma causa que, talvez, aos olhos humanos, não se
justifique.
Seguindo
no intuito de abrir uma brecha nas densas trevas da mente de Michael, Toller
segue falando para o jovem (e para si mesmo), defende a vida que cresce dentro
de Mary, “...algo tão vivo quanto uma árvore, quanto uma espécie em
extinção...algo repleto da beleza e do mistério da natureza...Isso não é sobre
o bebê, ou sobre Mary, é sobre você e seu desespero. Sobre sua falta de
esperança!” Toller afirma a realidade de nossas mentes científicas, nossa
necessidade de respostas racionais para tudo, confirma a ansiedade de Michael
ao dizer que se a humanidade não conseguisse superar seus interesses imediatos
e reorganizar suas prioridades em prol do bem comum e de uma existência futura,
então, sim, tudo estaria perdido e a única resposta racional seria mesmo o desespero.
“Mas você acha que existe alguma existência além dessa?” “Coragem é a solução
para o desespero. A razão não fornece respostas. Mesmo não sabendo o que o
futuro trará, temos que escolher apesar da incerteza.” À grande questão de
Michael, que não consegue esquecer, responde afirmando que ninguém pode
conhecer a mente de Deus, mas que pode-se escolher levar uma vida justa. “A Crença, o Perdão e a Graça nos ajudam.”
Embora toda
a fala e o raciocínio de Toller estejam corretos, não é suficiente para que ele
mesmo alcance paz diante de suas próprias angústias. Ele não se sente perdoado,
tem dificuldades em crer naquilo que prega (boa parte de seus questionamentos
são sobre sua dificuldade de orar, em muitos momentos ele sequer sente que Deus
está disposto a ouvi-lo) e não demonstra ter tido uma experiência profunda de
Graça até o momento, embora possamos inferir que o simples fato de seguir
tentando viver após tamanhas tragédias pessoais já seja a manifestação da Graça
divina em sua realidade. É através dos curtos, singelos e significativos
momentos com Mary que a couraça de Toller vai cedendo, ele ora convidando a
Deus para seus corações e, mesmo enquanto vai flertando com a loucura, com o
radicalismo, até com o terrorismo, numa busca frenética pelas tais certezas
racionais que ele mesmo condena em seu discurso, vai soltando as garras do
escudo de escuridão que vinha mantendo sua alma distante de Deus, da fé, do
perdão e da Graça.
As cenas
finais são muito impactantes.
Vemos um
líder religioso, tomado pela calma perversa dos loucos, vestindo bombas para
explodir junto consigo mesmo, todos que estivessem presentes no culto.
Acredita-se uma ferramenta da ira de Deus. Em uma cena anterior, enquanto olha
o colete e pesquisa sobre os homens-bomba na internet, lê Apocalipse 11:18: “
As nações ficaram enfurecidas, mas sua ira veio e o tempo para os mortos serem
julgados e para recompensar seus servos, profetas e santos, e para aqueles que
teme o Seu Nome, pequenos e grandes e para destruir os destruidores da Terra”, ao
reformar o colete lê sobre a armadura de Deus, ao vesti-lo faz uma postura
militar como se apropriando de sua suposta missão. Toller cria para si todo um
delírio onde ele próprio é o agente redentor, tanto de si mesmo, como de toda a
raça humana, ao destruir-se e a outros em prol de alertar o mundo para a causa
ecológica; num nível mais profundo, através desse sacrifício, talvez
acreditasse poder redimir-se da culpa por enviar o filho para morrer numa
guerra vã.
Lutero
descreve a natureza humana como incurvatus
in se ou curvada sobre si mesma. Somos instintiva e profundamente
narcisistas, até mesmo um homem cuja mente está saturada de verdades bíblicas
sobre a condição do homem sem Deus e sobre a Graça redentora divina, um homem
que dedicou uma vida inteira ao estudo e à pregação dessa mensagem, pode
sucumbir diante dessa inclinação egoísta que o impede de abrir-se
voluntariamente a Deus, essa que é a verdadeira fonte de sofrimento pessoal e
de todos os males, os mais diversos, que imputamos aos outros, ao mundo e à
natureza.
Timothy
Keller[3],
em seu interessante livro “Caminhando com Deus em meio à Dor e ao Sofrimento’
comenta a grande verdade de que, mesmo tendo hoje mais informações do que
anteriormente, talvez mais do que nunca, isso significa apenas que temos um
palco maior para encenar nossas fantasias. O livro de Gênesis já nos explicava
que nas áreas mais cruciais da vida humana, o homem nada progrediu, nada mudou,
o homem permanece lutando contra sua própria natureza. É esse conflito eterno
que torna autores como Shakespeare, por exemplo, atemporais.
A seguir, assistimos o completo desmoronamento
de seu delírio ao ver Mary entrando na igreja. Toller entra em desespero, se
envolve no arame farpado que tinha retirado do cemitério da igreja, onde havia morrido
um coelho ou esquilo, preso nas garras do arame. O vislumbre do pastor
ensanguentado, envolvido pelo arame, nos lança à coroa de espinhos de Cristo,
lembramos de Cristo também no nome de seu filho, Joseph, um tipo de Cristo no
Antigo Testamento, cuja humilhação e exaltação remetem à humilhação de Cristo
na cruz e Sua exaltação na Ressurreição. Toller veste uma túnica branca sobre o
sangue e toda simbologia cristã envolvendo o sacrifício de Cristo, Sua Pureza,
Sua Morte, Sua Ressurreição, tudo que envolve a redenção do homem surge com
maior força ainda diante do espectador estarrecido. Toller faz menção de beber
algo tóxico, algum tipo de combustível, mas no momento em que vai concretizar o
ato suicida, Mary entra pela porta e na única vez, em todo filme, o chama pelo
nome. Ele se une a ela nem beijo apaixonado e o filme termina. Sem mortos.
Não fica
claro no filme se o beijo é real ou imaginário, isso realmente não importa. O
que importa é que a perspectiva da Graça representada por Mary é finalmente acolhida
pelo pastor ardentemente e isso o resgata das trevas em que estava mergulhado. O
que importa é que a Graça de Deus é irresistível e redime o homem de suas
trevas mais absolutas, ela é nossa única fonte de esperança em meio a um mundo
cada vez mais desesperado e desesperador. Albert Camus diz que ‘apenas o sacrifício de um Deus inocente
justificaria a tortura infinita e universal da inocência’. Se existe algo capaz
de dar sentido ao sofrimento humano é a vinda de Jesus Cristo e sua morte na
Cruz. Nas palavras de Tim Keller: “O próprio Deus soberano desceu e viveu na
escuridão do mundo. Ele mesmo bebeu do cálice do nosso sofrimento até a última gota.
E não fez isso para sua justificação, mas para a nossa, ou seja, para suportar
o sofrimento, a morte e a maldição dos pecados que nós cometemos. Ele toma para
si o castigo de modo que, um dia, retorne para dar fim a todo mal sem ter de
nos condenar e punir.” (p.138)
Deus experimentou em Jesus todos os maiores sofrimentos
que o homem pode vivenciar em sua jornada, incluindo a perda de um
relacionamento baseado no amor, não em qualquer amor, mas no amor perfeito de
Deus Pai, que Jesus conhecia desde a eternidade. Sendo assim, podemos confiar e
descansar nEle. Nós nos afastamos de Deus, mas Ele não nos abandona.
Precisamos continuar sendo Igreja, mas com relevância em
todas as áreas, fazendo diferença ao viver e pregar os valores de Cristo (não o
das denominações), com transcendência, com sabedoria, não importa o que
aconteça com o mundo. Nosso dever é abrir mão de usos, costumes e cerimoniais
sem sentido, optando sempre por uma vida justa, de coragem e de virtude, diante
de Deus e dos homens. O resto é tudo o que nos afasta de Deus e de sua Graça.
Nenhuma igreja bonita, tradição preservada, teologia acadêmica, hábito asseado
pode nos dar Graça, só a experiência real com Deus pode e isso Ele é quem dá,
como bem lhe apraz.
“Vivemos num mundo
de trevas. Existem muitas maneiras de conservar a escuridão longe de nós, mas
não para sempre. Mais cedo ou mais tarde, as luzes da nossa vida – amor, saúde,
lar, trabalho – vão se apagar. E, quando isso acontecer, precisaremos de algo que
vá além daquilo que nosso entendimento, competência e força podem nos dar.” (Ann Voskamp, 2010)
By Danielli e Marcos Botelho💓
[1] Mente seja sã num corpo são.
No
contexto do poema, a frase é parte da resposta do autor à questão sobre o que
as pessoas deveriam desejar na vida:
“Deve-se pedir em
oração que a mente seja sã num corpo são.
Peça uma alma corajosa
que careça do temor da morte,
que ponha a
longevidade em último lugar entre as bênçãos da natureza,
que suporte
qualquer tipo de labores,
desconheça a ira,
nada cobice e creia mais
nos labores
selvagens de Hércules do que
nas satisfações,
nos banquetes e camas de plumas de um rei oriental.
Revelarei aquilo
que podes dar a ti próprio;
Certamente, o único
caminho de uma vida tranquila passa pela virtude.”
[2] Escritor católico (sec. XX). Monge trapista da Abadia de Gethsemani (Kentucky). Poeta, ativista social e estudioso de religiões comparadas. A obra de Merton inclui mais de 70
livros, a maioria sobre espiritualidade, também inspirou várias biografias. Defensor convicto do pacifismo e do ecumenismo.
[3] Pastor
presbiteriano americano, teólogo e apologista cristão. Ele é o presidente e co-fundador
da Redeemer City to City, que treina pastores para o ministério em cidades
globais. Ele também é o pastor fundador da Igreja Presbiteriana Redeemer na
cidade de Nova York, e autor de livros best-sellers na área de Vida Cristã.