Na Química (e é
impressionante como nos lembramos das coisas, especialmente quando não
precisamos mais nos lembrar delas....rs..), os chamados Elementos de Transição são metais que apresentam seu nível de
energia incompleto e, por isso, possuem alto potencial de condutividade térmica
e elétrica. Exatamente por não serem completos, ou terminados, ou plenos, são
excelentes condutores de energia, se associando mais facilmente e com maior
aproveitamento a outros tipos de substâncias.
Somando o
tempo em que vivi com meus pais aos vários anos em voo solo, já cheguei ao
espantoso número de 29 mudanças de residência efetuadas. Com cada mudança de
casa, novas paisagens, novas caras, novas escolas, novas igrejas, novos cheiros,
novos sabores, novas sensações, novas experiências e novas realidades e, por que
não admitir, novas Daniellis. Em cada lugar desses por onde passei aprendi
coisas, algumas delas separei para mim e ainda preservo, outras descartei e
evito sempre que posso. Adquiri gostos e hábitos. Perdi gostos e hábitos. Troquei
cores e cortes de cabelo. Deixei e retomei figurinos. Aprendi a apreciar novos aromas e novos temperos.
Ouvi músicas. Li livros. Assisti filmes e peças. Ouvi e dei inúmeras opiniões
sobre inúmeras coisas. Estabeleci relações com muitas pessoas, relações boas e
ruins, algumas consegui manter, outras perdi, cada perda uma dor, cada dor, uma
ruga ou sintoma ou um quilo a menos ...rs... O certo é que, exatamente pelo
fato de ter deixado tanta gente e tanta coisa pelo caminho, aprendi a sempre,
independentemente da situação ou da razão, valorizar as coisas que aprecio e deixar claro para as pessoas o
quanto eu as amo e o que elas representam para mim - a verdade é que não existe
uma única alma nessa terra de meu Deus, que por acaso tenha de alguma forma se
tornado valiosa aos meus olhos, que não tenha sabido, de maneira explícita e
sincera, o quanto ela é ou foi importante. Nunca cedi aos orgulhos mesquinhos ou
escrúpulos desnecessários, nunca levei em consideração as opiniões alheias e
até mesmo as possíveis consequências, sempre abri o peito e o sorriso e me dei
em plena exposição. Alguns compreenderam, outros se assustaram, a grande
maioria ficou feliz e é nessa alegria proporcionada que habita o imenso prazer
do compartilhar afeto. Isso me deu o direito e a liberdade de ir embora quando
tinha que ir, sem remorsos, sem culpas e sem dívidas. Pássaro livre, sempre
fora de gaiolas. Cada experiência vivida se perpetua ao reforçar o que de mim é
mais meu e ao diluir o que de resíduo ficou da anterior.
Em 2015
encerrei mais um ciclo, essa graduação tardia, feita na tentativa de garantir o
direito a exercer uma profissão que, verdade seja dita, em virtude da péssima
formação oferecida nos cursos de licenciatura atualmente, talvez pudesse ser muito
melhor exercida por leigos dedicados e melhor intencionados. Após três anos e
meio de Letras, na que hoje é classificada como a melhor universidade
particular do país, só posso dizer que estou infinitamente grata por ter ido
logo para o mestrado e por ter feito Psicologia nos anos 90 (... que formação
maravilhosa eu recebi naquela época!). Bom, lamentos de lado, agora sou
professora e em breve darei início aos ‘diários de uma jovem professora, não
tão jovem’..rs..Coisa tão gostosa essa de viver sem medo de tentar, de se
arriscar, de aprender com a própria experiência, de se deixar mover por sonhos
e por possibilidades...
Demorei
quase quatro décadas para aceitar algo que sempre ouvi (e como ser inteligente
e estar de fato pronta para ouvir o óbvio são coisas muito diferentes!): Nessa
vida nunca se está pronto, temos só construção e re-construção constantes, não
há estabilidade ou situação definitiva, não há linha de chegada demarcada,
exceto a morte e todos chegaremos a ela, inexoravelmente. Quanto antes e melhor
aceitarmos esse fato, maior a possibilidade de crescimento e aquisição e também
maior a alegria de viver. Ser um Elemento
de Transição é a maior honraria que se pode receber do Alto, significa que
nossos potenciais de contato, de aprendizagem e de ensino são infinitos. Lembrando
que só troca quem tem algo a oferecer ao outro. Sem uma essência, sem valores e
princípios não existe um algo a compartilhar. O Elemento
de Transição não é um amorfo, mas uma forma ainda incompleta, cambiando as partes
voláteis de si, na tentativa de seguir se completando.
Muita
gente ri quando digo que sou fã de Naruto,
mas é incrível como essa questão do desenvolvimento humano é bem trabalhada nessa
narrativa. Existe nela toda uma gama de personagens, todos eles interessantes e
importantes, cada qual à sua própria maneira, buscando superar seus próprios
limites e alcançar suas próprias metas, em competições vitais que definem suas
conquistas e o sentido de suas existências. É engraçado como é possível se
identificar com um ou outro personagem, dependendo da área da vida que estiver
sendo colocada na berlinda naquele momento e é muito ingênuo quem achar que, em
algum ponto, não estaremos mais sendo testados e desafiados. Cada fase da vida
tem seu próprio torneio, cabe a cada ser humano lúcido dar conta de si e
arriscar-se a crescer.
A Leveza é algo que sempre definirá e
possibilitará o transitar produtivo. A
palavra leveza vem do latim “Levianus
levis”, expressão pouco conhecida e que pode ser conceituada de várias
formas. Aqui a leveza é compreendida como a característica daquilo que se move
com facilidade ou que tem tranquilidade em submeter-se aos efeitos da transição.
Do ponto de vista relacional, a leveza sempre é associada à atuação do elemento
feminino sobre as coisas compreendidas como pesadas e rígidas, também a uma
ideia de continência sobre tudo aquilo que é incontinente. A leveza tem uma
conotação de carinho, conforto e suavidade, relaciona-se ao trabalho exercido
com prazer e sem expectativa de retribuição, também à liberdade. Leveza é o
vento que acalenta as folhas e as flores, que move as cortinas e refresca a
pele. Leveza lembra languidez, candura e delicadeza. Na alimentação, está
ligada a hábitos equilibrados de nutrição, saúde e bem estar. São sinônimos de
leveza: Agilidade, flexibilidade, fluidez e ligeireza. São antônimos de leveza:
Retardamento, rigidez, peso e dureza. A leveza é o que nos faz capaz de ser
felizes em toda e qualquer situação, que nos torna pacientes nas circunstâncias
ruins e que não permite que a amargura das frustrações construa ninhos em
nossos corações. A leveza nos faz capaz de ter prazer mesmo nesse mundo
tenebroso e que preserva em nós a possibilidade do amor, apesar de toda
canalhice e injustiça. É a leveza que nos protege das obsessões e das
ideologias de velhas caducas e de soldados inveterados, com seus radicalismos
estéreis e violentos. É a leveza que equilibra nosso apego, para que o afeto
não se torne sinônimo de estrangulamento. É a leveza que azeita a coragem e nos
motiva a correr riscos. É a leveza que torna possível qualquer perdão. Se
tivesse que dar para a leveza um nome de gente, daria o nome da minha avó
Khadija, a mulher mais luminosa que já vi, a mais alegre nas intempéries, a
mais criativa nas dificuldades, a mais otimista nos pesadelos, a pessoa mais
transitória com quem já cruzei e uma libriana típica, claro...rs... Se eu
conseguir ser a metade do que ela foi, terei me realizado na vida!
Nas palavras de Cecília Meirelles:
Leve é o pássaro:
e a sua sombra voante,
mais leve.
E a cascata aérea
de sua garganta,
mais leve.
E o que se lembra, ouvindo-se
deslizar seu canto,
mais leve.
E o desejo rápido
desse mais antigo instante,
mais leve.
E a fuga invisível
do amargo passante,
mais leve.
Depois de algumas conversas não tão
leves, pensando na leveza e na capacidade de associação e aproveitamento dos Elementos de Transição, foi inevitável lembrar
do Milan Kundera e da minha parte
favorita de seu famoso romance, ‘A
Insustentável Leveza do Ser’:
“Nas
línguas que formam a palavra compaixão
não com a raiz passio, ‘sofrimento’, mas com o substantivo ‘sentimento’, a palavra é empregada mais
ou menos no mesmo sentido, mas dificilmente se pode dizer que designa um sentimento
mau ou medíocre. A força secreta de sua etimologia banha a palavra numa outra
luz e lhe dá um sentido mais amplo: ter compaixão (co-sentimento) é poder viver
com alguém sua infelicidade, mas é também sentir com esse alguém qualquer outra
emoção: alegria, angústia, felicidade, dor. Essa compaixão (no sentido de soucit, wspolczucie, Mitgefühl, medkänzla) designa,
portanto, a mais alta capacidade de imaginação afetiva, a arte da telepatia das
emoções. Na hierarquia dos sentimentos, é o sentimento supremo.”
Entro
o Ano Novo feliz, assumindo e acolhendo em paz minha ciganice, admitindo que nem sempre o que queremos é o que
precisamos e que existe sempre o Plano Maior a dirigir nossa jornada, jornada
essa que aos olhos desavisados parecerá sempre um tanto caótica, mas que na
perspectiva do Criador fará sempre todo sentido. Nada é terminado ou definido
em mim, exceto minha vocação para Elemento
de Transição e vejo nisso um traço inequívoco do espetacular senso de humor
divino...rs...Desejo a todos que amo um 2016 muito LEVE, muito TRANSITÓRIO e
repleto de oportunidades de se experimentar COMPAIXÃO.
Obrigada por tornarem
minha vida tão rica e tão linda!