A pele que habito

A pele que habito

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Sobre flores voando ao vento...

Hoje de manhã vi uma das cenas mais lindas dos últimos tempos e ela aconteceu em meu próprio quintal: Tenho esse pequeno jardim, com vários tipos de flores do campo, algumas ervas e algumas daquelas plantinhas parecidas com algodão que se soltam no vento voluntariamente em determinadas épocas do ano. Abri a porta de casa para sair neste lindo domingo de sol e me vi em alguma espécie de filme de realismo fantástico, centenas dessas pequenas flores flutuavam no ar ao meu redor, bem devagar como em um sonho, fiquei muito emocionada e feliz, achando que o dia só poderia ser especial, agradeci pela primavera que começou dia 22/09 e por ter saído de casa exatamente naquele horário para ver como a vida é poética e como Deus é bom.

Cheguei antes ao trabalho para nosso cineclube e sai da sessão com um nó na garganta, é vero que ando uma manteiga derretida, mas dessa vez com boa razão, havia uma cena no filme muito semelhante àquela do meu quintal, como em tantas outras vezes na minha vida fiquei com o coração batendo mais forte, coincidências desse tipo nem sempre são obra do acaso, Deus ia falar comigo e nem sempre é algo fácil de ouvir.

Uma vez meu pai me disse que a Bíblia era um livro que se prestava a qualquer heresia, isso porque existem infinitas interpretações possíveis e cada religioso acaba por esticar um pouquinho para o seu lado, para poder esquentar sua própria sardinha.

No filme Dúvida, isso fica muito claro desde o início, temos duas ou três versões do cristianismo, todas tentando conviver no espaço da mesma igreja, sob os mesmos dogmas, sobre o mesmo hábito e para variar não conseguindo nada além de ruptura, mau testemunho, fé abalada, vidas feridas, enfim...

Fé e certeza, questionamento e dúvida, compaixão e justiça, lei e graça...Dali a pouco temos uma religiosa pronta a abrir mão dos votos feitos e até a ir para o inferno na busca cega de provar sua certeza, baseada apenas em impressões, arriscando o futuro de uma criança, a reputação de um irmão, o crescimento e transformação de uma comunidade. A verdade não importava, o bem estar das pessoas não importava, o que realmente importava era sua convicção, que ao final titubeia.

Passei a olhar para dentro de mim (esse hábito estranho que tenho desde criança), e de minhas próprias incoerências como cristã: como é difícil ser cristão, como é difícil amar ao próximo como a nós mesmos, como é difícil dizer sempre a verdade, como é difícil pensar em agradar a Deus sempre que nos vemos diante de coisas que queremos tanto e Ele não, como é difícil manter valores, acolher os fracos e necessitados, dar uma outra chance aos que erram e querem acertar, compartilhar o pão e a vida, consolar os que choram, dar a outra face aos que nos ofendem, defender a justiça, e tantas outras coisas que ser cristão envolve.


Fiquei triste por ter descoberto nos últimos tempos como é difícil perdoar, sempre foi tão fácil pra mim antes, agora me vejo carregando mágoas e isso me magoa mais ainda, porque me parece tão injusto comigo mesma e com as outras pessoas. Percebi que essas mágoas me fazem adoecer, me tornam cinza, justo eu que sempre iluminei os lugares por onde passei, não quero que essas coisas corrompam coisa boas, sentimentos puros, momentos felizes, minha capacidade de ter compaixão, de tolerar as limitações alheias e as minhas próprias.


C.S.Lewis diz que amor é uma decisão, você começa agindo como quem ama e então ama, assim é como aprendemos a amar a Deus e é assim que aprendemos a liberar perdão, decidindo e atuando. Deus nos ama e nada recebe de nós, além de momentos de adoração imperfeitos e pedidos de perdão constantes, ainda assim nos ama e nos perdoa. Anos atrás pedi a Deus que me ensinasse a amar de verdade, Ele me ensinou, o que descobri é que esse tipo de amor só Ele consegue manter, porque Ele não precisa de retribuição para seguir nos amando, nós precisamos, somos incompletos e carentes, Deus não. Nós todos - seres humanos - precisamos de cuidado, de respeito, de reconhecimento, ao menos de justiça, quando isso falta, somos feridos e quanto mais amamos quem nos fere, maior a dor e maior a mágoa, maior a sensação de injustiça. Cristo foi traído por seus amigos, abandonado, pregado numa cruz e perdoou de imediato, como Ele deve crescer em nós e como nosso eu deve diminuir. Ninguém perdoa fácil um golpe gratuito e imerecido, Ele sim. Por isso Ele é quem é, e somos quem somos.

Pouco adianta encher nossa mente e coração de teologia e conceitos teóricos de fé, cristianismo é a prática do bem, ninguém é cristão sem fé, ninguém é cristão sem boas obras. Sozinhos não conseguimos, porque somos humanos frágeis e falhos, pequenos e egoístas por natureza, por isso contamos com a Graça e uns com os outros. Quero aprender a ser toda perdão e compaixão, como Cristo foi, a acreditar que as pessoas mudam e melhoram, que eu mesma posso mudar e melhorar.

No filme as folhas no vento ilustram o fato de que palavras soltas não podem ser recolhidas, em meu quintal simbolizam o fato de que mágoas liberadas não retornam ao coração.

Deus disse: Just let go...

Falou com muita beleza e poesia, exatamente como sempre digo que Ele fala: quando estamos prontos para ouvir, de um jeito que a gente possa entender, jeito que faça sentido para nós, que nos toque verdadeiramente.

Desejo que Ele fale assim com vocês também...

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

O reizinho mandão

Esse pequeno clássico da Ruth Rocha, conta a história de um rei menino mimado e mandão que tanto implicou e foi autoritário que seu povo emudeceu com medo dele. Óbvia metáfora de crianças mimadas, cada vez mais comum hoje em dia encontrar tais reizinhos nas casas, e seus súditos em pânico: os próprios pais.

Será que foi a psicologia quem desautorizou as figuras paternas, discurso muito popular disseminado por aí? Não sei, estudo psicologia há muito tempo e nunca li em lugar nenhum que os pais não devem repreender, orientar e educar seus filhos, somos contra a violência e os excessos abusivos, mas sabemos que crianças sem limites bem definidos têm os mesmo sintomas de crianças abandonadas na rua, a grande maioria apresenta transtornos de conduta graves, que acabam por lhes garantir um futuro bastante tenebroso. E aí, lembro de uma figura célebre que conheci quando fazia estágio em um presídio: jovem muito bonito, loiro de olhos azuis no maior estilo James Dean, filho de gente rica e bem formada, estudante dos melhores colégios, com as melhores oportunidades e chefe de uma quadrilha perigosíssima, com um curriculum vitae bastante respeitado pelos gênios do crime, recebia visitas íntimas constantes de sua namoradinha modelete e tinha várias regalias dentro da penitenciária, diga-se de passagem, uma das mais confortáveis do país. Reizinho bandido mandão!


Estava almoçando esses dias com um amigo e discutíamos sobre nossos animaizinhos de estimação (eu com minhas gatas estrelas de cinema, ele e a esposa com sua cachorrinha francesa) e rimos muito comentando as agruras e delícias de cuidar deles e tentar adestrá-los de acordo com as melhores regras de sobrevivência entre espécies, depois dele me fazer lembrar do filme/livro “Marley e eu ” algumas vezes, estacamos no seguinte insight: Como deve ser difícil educar uma criança!


Ambos queremos ser pais um dia, mas fazendo um brainstorm rápido, contendo todas as horas sem dormir, vômitos, dores, malcriações e fases das crianças, todas as mudanças na vida do casal (como, por exemplo, o fato de sexo virar lenda por um bom tempo, gastos, alteração de ritmo de vida, etc...) e todas as transformações de identidade que ser pai/mãe envolvem, ficamos um pouco atônitos. Nada que uma carinha suja de mingau não minimizasse (pelo menos para mim que adoro crianças e amo bebês), mas sim, ficamos muito conscientes do enorme desafio que é ter um filho, dois ou três, quem sabe...


De tudo, ensinar valores e moldar o caráter parece ser o mais complexo em qualquer geração: tenho visto pais levando verdadeiras “lavadas” dos filhos em shoppings e super-mercados, tenho conhecido crianças absurdamente manipuladoras causando depressão clínica em suas mães super-permissivas, será que temos formado pequenos sociopatas em nosso seio? De início, culpo a relativização dos valores e costumes, se tudo pode ser tudo, como traçar caminhos para o indivíduo? Como ensinar a fazer escolhas, especialmente escolhas certas? Não dá para educar sem sair do muro, para ser bom educador temos que nos posicionar, temos que dizer pode e não pode, certo e errado, sim e não. Ser pai não significa ser sempre legal e popular para o filho, será que estamos prontos para não ser sempre amados e admirados? Nossa auto-estima fragilizada suportaria? Temos maturidade suficiente para isso? Ser bom pai é ser um bom adulto – conseqüente, sensato, responsável, altruísta, capaz de admitir erros e corrigi-los, é ter honra, dignidade e valores, compromisso com a verdade, é ser capaz de amar outra pessoa mais do que a si mesmo e, colocar o bem estar e segurança dessa pequena pessoa acima de si mesmo, ser bom pai é acreditar em Deus mesmo não acreditando, é plantar no presente sementes para o futuro - regar, podar - é se envolver, se comprometer com uma causa maior.


Tentamos mudar o mundo de fora para dentro, no passado achamos que grandes sistemas, grandes guerras, grandes ideologias coletivas poderiam transformar nossa sociedade em alguma espécie de mundo ideal, mas o caminho para um mundo real melhor é de dentro para fora, do indivíduo para o coletivo, do micro para o macro, da familia para a sociedade. Caminho muito mais complexo e mais demorado, também menos dramático, menos hedonista, menos consumista, menos imediatista, também sem tantas glórias e massacres - e por isso mesmo, caminho muito mais eficaz!

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Escritora de vila

Dia desses, numa dessas minhas caminhadas sem rumo pelo bairro (eu adoro caminhar sem hora para voltar...), encontrei na avenida uma amiga de infância, já não nos víamos há anos e ela ficou surpresa de me ver por ali depois de saracotear de norte a sul por tanto tempo.

Começamos a rir lembrando de nossas brincadeiras, dos batismos de bonecas, concursos de miss, peças de teatro, escolinhas, chás da cinco, maquiagens, oficinas de costura, e todas essas coisas construtivas que as meninas fazem quando estão sozinhas entre si.

- E aí, continua escrevendo? – Perguntou ela com aquela esperança nostálgica de que alguém tenha realizado seus sonhos de criança, ela própria cantora frustrada com bela voz, filho na adolescência e carreira promissora como enfermeira padrão em um bom hospital.


Respondi sorrindo com minha timidez característica de toda vez que falo de mim, escrevo sim, mas do meu jeito quase anônimo. Ela riu muito, dizendo que isso era mesmo a minha cara, que era um desperdício, que eu escrevia tão bem, que devia investir e ganhar dinheiro com isso.


- Fora que como vai ter idéias nessa vila?


Nessa hora lembrei do Érico Veríssimo e da cidade de Cruz Alta/RS onde nasceu e viveu um bom tempo. Fiz questão de conhecer depois de ter lido toda a saga dos Rodrigo Cambará, confesso ter ficado um pouco perplexa diante dela, poeirenta, feiosa, meio sem graça mesmo, pensei muito sobre a questão da inspiração, do que nos faz ser criativos, do que nos dá imaginação. Recordo que sentei na pracinha meio capenga, fiquei parada esperando que algo acontecesse e segundos depois, as coisas realmente se revelaram, estava tudo ali: a igrejinha escura no centro da praça, palco de tantos casamentos, batizados e funerais, palco da revolução farroupilha,e de tantas outras brigas de lenços da política gaúcha, a velhinha beata de véu preto e sombrinha rendada dos tempos de moça em que havia se apaixonado pelo padre, o peão segurando o arreio do cavalo imponente que comandava a boiada, até o ricaço meio brega, de família tradicional que dava em cima das mocinhas pobres e tolas que trabalhavam na lojinha de quinquilharias do centro. Muitas histórias pra ouvir e pra contar. Tudo ali apenas esperando uma pena habilidosa!


Embora eu goste muito de viagens e reconheça seu potencial enriquecedor, ninguém precisa viajar pelo mundo (ou para fora dele) para ter imaginação; diz-se que Balzac tinha uma vida social ínfima, quase não ia a festas e trocava tudo para estar em casa escrevendo, Proust mal saiu do quarto durante toda sua vida, o que dizer de Jane Austen e das irmãs Brontë, filhas de pastor na era vitoriana? Aliás, filhas de pastor costumam ser muito talentosas, conheço várias poetizas, escritoras, musicistas. Talvez seja o ambiente um tanto metafísico em que somos criadas, sei lá...rs...


Ninguém precisa chafurdar nas drogas pra ser criativo, ou mesmo vestir máscaras na vida real para interpretar personagens, ninguém precisa se suicidar para se tornar um gênio, ou passar por overdoses para imortalizar sua música. A única coisa necessária é talento! Van Gogh podia ter cortado as duas orelhas, pés e mãos e se não fosse um grande pintor, não teria sido reconhecido como é hoje...


Gosto de ser escritora amadora de vila, gosto de ser simples e anônima, gosto de ter uma vida normal (ou quase), gosto de ser pequena e livre, gosto de ser reconhecida e admirada pelas pessoas que realmente me conhecem, gosto de escrever para quem eu amo (cartas, histórias, reflexões), para quem eu - pessoa - realmente importo.


Amo os grandes escritores, sou grata por eles terem se feito grandes, e amplamente divulgados, porque assim posso lê-los! Quanto a mim, meu real talento é cuidar, também cuido quando escrevo, cuido da alma, assim como quando atendo na clínica ou na loja. Prefiro tocar nas pessoas individualmente, toque sutil, profundo e para sempre, às vezes dura anos, às vezes minutos, mas sempre causam algum efeito, em geral, benéfico...rs...


No final, o que realmente importa é quem somos de verdade, aquele cara no espelho de antes de dormir, e o que fizemos por aqueles que atravessaram nosso caminho. Fico um pouco surpresa comigo mesma por ser jovem e ter consciência plena dessas coisas, por não me deslumbrar com as futilidades fúteis do dia-a-dia, dou todo o mérito aos meus pais e avós, pela sensatez de terem nos ensinado sobre seus próprios erros e acertos com tanta honestidade.
Pequena homenagem ao meu avô, o herói de guerra anônimo mais famoso que já conheci: Nossa vila te adora, Nono! Todo mundo comenta sobre você quando paro nas mercearias, bazares e docerias...

sábado, 12 de setembro de 2009

Reformando a vida, amando uma casa, vivendo o presente e preparando o futuro...

Estou em vias de começar a ajeitar minha casinha, construir meu consultório e arrumar as coisas do meu jeito. Isso para depois poder seguir em frente, ter mais tempo para estudar e investir nos sonhos que tive e tenho, suspendi por alguns anos e vou retomar!


Cada parte dessa reforma é um pedaço de mim que estou lavando, pintando, erguendo, modificando, repensando. Tudo é muito rico, mas exige um esforço brutal e ontem me peguei pensando que há muito tempo não descanso de verdade, preciso planejar isso também, assim que acabar a reforma, páro e descanso um pouco, sem ansiedade, sem stress, sem planos mirabolantes, pelo menos por um mês...


Ser adulto e ter coragem de fazer escolhas é sempre a maior das conquistas! E para fazer escolhas precisamos ser muito perspicazes conosco mesmos, devemos olhar para dentro e refletir o que realmente tem a ver com a gente nessa vida, falando de mim, afirmo que já lutei tanto em busca de tantas e variadas coisas e quando fui sincera comigo mesma, descobri que o que verdadeiramente preciso é tão mais simples do que imaginava: Sinceridade, bondade, gentileza, um pouco de humor e de ironia, muita luz, clima ameno, casa pequena e aconchegante como um abraço, pessoas curiosas e inteligentes,  pessoas boas e verdadeiras, pessoas simples e felizes, a companhia carinhosa das minhas gatinhas, flores de todas as cores, formatos e tamanhos, muitos perfumes e muitos sabores, lugares diversos  para conhecer, bons livros para ler, bons filmes pra assistir, um antigo e útil piano (sim, eu voltei para o piano) e muita música, um trabalho interessante por fazer, para trazer sustento e liberdade, um amor verdadeiro-corajoso-duradouro pelo qual se viver e Deus, muito de Deus na minha vida. O resto é pura purpurina!!!


Ando leve, aérea e um pouco frágil  nos últimos dias, deve ser inferno astral (dizem minhas amigas que acreditam em astrologia) por causa do aniversário chegando, mas acho que não (nem chorei dessa vez por mais um ano, decidi entrar na fila para adoção de crianças ano que vem, então acho que não choro nesse aniversário...rs...), acho que é só um período de transição, eles são sempre muito alongados e cansativos, mas sempre ricos de aprendizagem. Fico pensando de onde herdei esse otimismo teimoso, quase beirando à intransigência, sei lá, vai ver aprendi com o apóstolo Paulo (que apesar do temperamento insalubre, diz a tradição...) se dizia feliz em toda e qualquer situação!


Vou acreditar pela milézima vez na primavera que sempre consegue trazer o sol depois de um inverno cinza chuvoso, vou continuar sorrindo demais e criando pézinhos de galinha em volta dos olhos por conta disso, vou seguir envelhecendo (muito bem, obrigada...igual a minha mãe) bastante esperançosa, vivendo essa vida com coração de criança e alma de velha! Ainda bem, né?

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

A Mulher Esqueleto...

"...para começar a cura, pare de se iludir com a idéia de que um pequeno paliativo irá consertar uma perna quebrada. Seja franco frente às suas feridas, e assim terá uma imagem correta do remédio necessário. Não jogue no vazio o que for mais fácil ou estiver mais disponível. FAÇA QUESTÃO DO MEDICAMENTO ADEQUADO. Você o reconhecerá porque ele irá fortalecer sua vida, em vez de enfraquecê-la."
Clarisse Pinkola Estés

Dia desses me peguei surpreendida pela constância e intensidade com as quais nos apegamos a coisas verdadeiramente prejudiciais, apenas pelo conforto de um falso sentimento de segurança que coisas ruins, desde que velhas conhecidas, nos transmitem. Passamos dias, meses e anos chafurdando em auto-boicote com medo apenas de atravessar a porta e sair pela vida em busca de algo que nos faça BEM, nos condenando à uma vida miserável de mesmice e de correr atrás do próprio rabo, nos conformando com esse rápido alívio de quando desistimos de um novo desafio, de uma saída para algo novo e melhor, esse pequeno suspiro de - Ufa, escapei de mais uma, posso continuar criança para sempre!

Bastante cômica essa decisão de perpetuar nossas covardias, se pensarmos que viver nas mesmas dores de uma doença emocional crônica é muito mais doloroso do que tentar ser feliz de alguma forma. Passei um longo tempo em hibernação afetiva: me protegendo de novas feridas, cicatrizando as antigas, fugindo de coisas que temia me fazerem mal, tudo isso para descobrir, ou melhor, para admitir, que nunca sofri tanto na vida do que nesse período em que supostamente estava me preservando!

Sabemos do que precisamos para ser feliz e mais completos! Muitas vezes está diante de nós, basta o esforço de estender a mão e pegar, aquele algo que nos fará ser o melhor nós mesmos que poderíamos ser...

Quando olhamos para esse algo, que alguns chamam de alma-gêmea e eu chamo apenas de: parceiro certo de viagem (seja uma pessoa, um trabalho, um sonho...), um medo estranho nos acomete, sabemos que nossa vida nunca mais será a mesma! A primeira reação é fugir, colocar na balança tudo o que teremos que abrir mão para seguir esse algo, ficamos apavorados porque não conhecemos o resultado disso, apostamos em nossas falhas, damos todas as desculpas esfarrapadas possíveis, tememos perder nossa liberdade, nossa autonomia, nossa integridade, nossos valores e, na verdade, ao abrir mão desse algo, nos condenamos à uma meia-vida perene, à uma angústia profunda que nos incomodará pelo resto da vida.

Clarice Pinkola, em sua obra "Mulheres que correm com os lobos", compara nosso encontro com o amor com um encontro com "A Mulher Esqueleto", segue o conto e alguns trechos da autora, uma psicóloga Junguiana e também contadora de histórias:
Anna olhou o próprio reflexo pelo retrovisor pela enézima vez. De onde saíra essa pequena ruga entre as sobrancelhas? Notou o taxista observando sua expressão no espelho e desviou o olhar, meio embaraçada, ela precisava apenas acalmar-se, tudo daria certo, tudo ficaria bem no final...

Tentando mudar o foco de seus pensamentos, acabou perplexa e outra vez sentada sobre uma montanha de sonhos falidos, em vão tentando afastar a sombra de seus fracassos, resgatar a esperança na vida e em si mesma, vasculhar seu interior e sua história em busca do que REALMENTE lhe dava prazer e sentido na vida.

Sempre soube que amava ler e escrever, aprender e ensinar! Adorava descobrir o potencial das pessoas e ajudá-las a encontrar o caminho até ele. Sempre tão boa nisso, por que não conseguia simplesmente fazer o mesmo por si mesma? Até que ponto sua autoconfiança fora atingida por todas as confusões que se sucederam? Como se perdera a ponto de não conseguir mais, sequer se reconhecer? Releu tantas vezes seus diários mais antigos e, em tudo que lia, era como se não tivesse vivido aquela vida ali relatada. Sentia-se um mero simulacro, uma persona mal arranjada, um personagem secundário na própria vida.

Conhecer as pessoas de perto tinha sido no passado sua grande motivação, gostava de olhar para elas e entrar por aquela brecha pequena que nem todos conseguem notar. Adorava perceber o detalhe específico que tornava cada pessoa única! Não sabia viver sem esse contato, sem essa relação de troca profunda e secreta. Decidiu então que fosse qual fosse o preço disso, e ainda que houvesse perdido tanto de sua sensibilidade, de sua percepção, seguiria estudando, ensinando e aprendendo sobre as pessoas! Desejava também ter mais tempo dentro da vida, tempo para cuidar de sua casa, para tratar de si mesma, para fazer novos amigos e esquecer os antigos, tempo para ler mais, para ouvir mais, para sentir mais, para crescer mais...