A pele que habito

A pele que habito

quinta-feira, 21 de maio de 2020

Ainda sobre "Nada Ortodoxa"...Agora com mais tempo...




       Não existe paralelo possível para falarmos de testemunho cristão, ainda mais reformado, utilizando o radicalismo judaico ou qualquer outro radicalismo, seja ele de ordem religiosa ou política. O radicalismo se traduz em prática restritiva da percepção e da reflexão e caracteriza o comportamento sectário nocivo que temos visto por todo lado, em especial nos dias de hoje.

Se nos consideramos cristãos verdadeiros, sabemos que a verdade liberta, não aprisiona. Se sua versão de cristianismo o torna mais insensível e menos crítico da realidade em que vive a humanidade, sua versão não é a de Cristo, extremamente crítico diante do que observava, como bem se vê nos Evangelhos.

Atenção! Para compreender a argumentação abaixo é necessário que você de fato tenha assistido a série inteira e conheça os fatos da narrativa plenamente! Então, se ainda não viu, pare de ler, assista e depois volte. Deixe seu comentário abaixo, se quiser, comentando o que achou de tudo. (tentarei dar poucos spoilers)

A série relata a história real de Deborah Feldman, que foi criada numa comunidade ortodoxa judaica em Nova York. A história se desenvolve, principalmente, a partir do momento em que ela é considerada apta para o casamento, no caso dela, antes dos 20 anos.

Todos os arranjos são feitos e o casamento é compreendido e acontece da forma mais tradicional possível, dentro das concepções dessa comunidade. Vemos uma cerimônia cujos ritos e símbolos, TODOS, demonstram a servidão feminina diante do homem e da comunidade.

Deborah precisa se banhar na sinagoga para se tornar kosher. Descobre que por 14 dias a partir da menstruação será considerada impura para dormir na mesma cama do marido e em cena icônica, seus cabelos são raspados, em obediência a lei judaica, na qual para uma mulher casada, exibir os cabelos em público é indecente, exatamente como na cultura mulçumana, muito embora nesta, ao menos, a mulher tenha o consolo de poder manter seu cabelo, ainda que sobre o véu.

Como bem destaca Camille Paglia, em seu livro brilhante “Personas Sexuais”, o hábito de raspar os cabelos da mulher para o casamento, remonta à cultura espartana, que não só raspava os cabelos das mulheres no dia das núpcias, mas também as vestia de soldado, na tentativa óbvia de reproduzir a aparência de um homem espartano, já que nas culturas gregas de antigamente, o homossexualismo e o homoerotismo prevalecia. Também são raspados os cabelos das freiras no ato da entrega ao hábito, como prova de renúncia a qualquer vaidade posterior. Raspados também foram os cabelos das mulheres acusadas de bruxaria pela Inquisição, das vítimas dos campos de concentração, das mulheres francesas que serviram de prostitutas para os alemães durante a SGM. Raspar os cabelos das mulheres à força é, de forma global, um ritual de humilhação, em várias culturas, talvez menor, apenas, que a circuncisão feminina, ainda praticada em países mulçumanos na África.

Durante o casamento, Deborah também tem seus braços algemados numa fita que é controlada, primeiro pelo rabino, depois por seu pai e ao final pelo marido. A cena fica particularmente pesada quando seu pai, bêbado, cai no chão, demonstrando-se que para aquela comunidade, mesmo um homem incapaz tinha, por direito, a liderança sobre uma mulher.

O marido de Deborah é um menino bom, mas ironicamente dominado pela mãe e sem voz diante do peso das tradições que lhe impõe ações referentes ao papel que ocupa. Sendo ambos totalmente ignorantes (TOTALMENTE MESMO) a respeito do que se trata a vida sexual de um casal, acabam por ter problemas seríssimos nessa área. Não existe em nenhum momento a possibilidade de uma consulta médica que pudesse ajudá-los, não podem recorrer a nenhum tipo de ajuda de fora da comunidade. Deborah vê sua intimidade exposta e o casamento fracassando – toda a razão de sua existência sendo colocada a deriva. A gota d’água acontece quando o marido, influenciado pela família, decide pedir o divórcio porque eles não conseguem resolver a questão sexual entre eles e, portanto, ela não engravida.

Qualquer tentativa de justificar o que acontece nessa história pelo viés dos hábitos culturais é desmascarada pelo fato de que, qualquer ser humano inteligente tem a capacidade de julgar se um hábito cultural (político e/ou religioso) é saudável ou não para a existência de um indivíduo ou de uma comunidade. Como bem argumenta C.S.Lewis em várias de suas obras, tudo aqui é efêmero e temporário; hábitos culturais não são eternos, mas nós somos eternos e devemos viver segundo padrões eternos. Onde os padrões eternos que temos aprendido, dentro do cristianismo, apregoam a manutenção da ignorância e a opressão do próximo?

Justificar um ato equivocado por ser rito cultural significaria dizer que tais ritos são sagrados e não são. Coisas como sacrificar crianças deficientes, escravizar pessoas de outras raças e culturas, abortar o segundo filho, invadir a propriedade alheia visando o aumento de nossos territórios, assassinar ou aprisionar homossexuais por conta de sua escolha de vida, apedrejar mulheres adúlteras até a morte em praças públicas, tudo isso são hábitos culturais que tem sido revistos e considerados imorais. Só para dar alguns exemplos. Nenhum hábito cultural ou religioso justifica o abuso. NENHUM.

Deborah se vê, então, inútil, abandonada e sem esperança. Nessa comunidade, que tomou para si a função de impedir outra manifestação da ira divina, através da obediência ao Talmude (cuja leitura é proibida para mulheres, como a série mostra) e de substituir, através de sua prole, todas as almas perdidas no holocausto judeu da SGM, uma mulher que não tem filhos não serve para absolutamente nada. Sem formação ou profissão com a qual se sustentar, a jovem recorre à única coisa que sabe que tem, embora para isso seja obrigada a subverter-se, já que esse talento era considerado indecente para uma mulher: a música.

Tendo recebido de sua mãe, já conhecedora das agruras que a filha poderia enfrentar se as coisas não dessem rigorosamente certo (e tudo nessa comunidade é de um rigor obsessivo), documentação para sua imigração para a Alemanha, Deborah vai embora, não porque queria viver uma vida dissoluta, nem mesmo por um grande sonho de ser musicista, mas porque se vê prestes a ser repudiada pelo marido e porque considera (algo que ela diz em outra cena importante) que Deus exige algo dela que ela não tem capacidade para ofertar, ou seja, a total anulação de si mesma, a negação de sua capacidade de pensar, de questionar, de refletir e todas as suas habilidades pessoais, inclusive seu dom para a música.

Aqui cabe mais um questionamento específico: Se acreditamos que é Deus quem nos faz, célula a célula, característica a característica, obviamente é dEle quem recebemos nossos dons e talentos. Qual seria a lógica desse Deus, que deu a Moisés as tábuas da Lei (onde não existem muitas das regulamentações rabínicas posteriores), conceder o dom da música (ou qualquer outro) a uma mulher, se isso não seria apropriado ou se Ele consideraria até indecente? Deus errou quando deu esse dom a uma fêmea? Ele estava distraído? Outro questionamento: Por que existiria a possibilidade do prazer durante a relação sexual se isso não é decente ou apropriado? E aqui me lembro de uma cena do filme “Como água para Chocolate”, inspirado em romance homônimo, da Laura Esquivel, onde o marido católico fundamentalista, antes de se deitar com a mulher, devidamente vestida com fatídico camisolão aberto na frente, ajoelha e reza pedindo a Deus que não tenha prazer durante aquele ato. Ah, os fundamentalismos e suas consequências na vida íntima das pessoas!
          
          Outro ponto da história que prova que o fundamentalismo religioso e sectário não é portador de uma experiência de fé verdadeira se traduz pelo fato de que a crença de seus adeptos não sobrevive ao mínimo questionamento. Basta ao crente questionar um ponto daquilo que lhe é ensinado e tudo desaba, como um castelo de cartas. Isso é nítido no comportamento do primo que vai com o marido procurar por Deborah na Alemanha e na opção de vida de própria Débora, ou de sua mãe, que ao se desvencilharem das amarras da comunidade optam por estilos de vida muito diferentes do que aquilo que o judaísmo ortodoxo radical apregoava (Como culpá-las?). A fé verdadeira não se abala porque o crente observa comportamentos e hábitos equivocados em sua comunidade, antes a essência real desta fé se fortalece e o crente se empenha por fazer as correções necessárias no intuito de se voltar para aquilo que é Eterno. A maior demonstração dessa verdade na História é a Reforma Protestante e está em nosso moto estabelecido. Uma igreja que não é capaz de criticar a si mesma, à luz da Verdade do Evangelho, não é Igreja de Cristo. Uma religião que não é capaz de corrigir seus equívocos em prol de valores Eternos, não é a Religião Verdadeira.

A série também nos faz refletir sobre a necessidade der sermos autênticos e verdadeiros em nossa relação com Deus e com as outras pessoas, sobretudo as que amamos. Lembro que quando mais jovem, em meio às típicas crises existenciais da adolescência e da primeira juventude, tentando descobrir quem eu era e o que Deus queria de mim, ouvi de minha psicoterapeuta, uma mulher de Deus em todos os aspectos, com excelente formação, inclusive teológica, Roseli Künrich, a seguinte frase: - Deus quer que você seja a melhor Danielli possível! Não existe a possibilidade de uma verdadeira comunhão com Deus quando insistimos em apresentar a Deus as máscaras que nossas formas religiosas consideram aceitáveis, por mais que possam ficar bonitas em público ou facilitem nossas vidas em comunidade. Deus deseja homens e mulheres que O adorem em Espírito e em Verdade. #ficaadica



quarta-feira, 6 de maio de 2020

Agora também estou no Youtube...

Aqui falo um pouco dos motivos que devem nos levar a ler Literatura:




E aqui explico a proposta do canal "Leituras da Dani":