Vigio atentamente a dor alheia.
Não que a monitore ou interceda, eu só presumo
seu rumo doloroso, conforme a disposição das cores
que pedem claro quando escuro.
Difícil é prever as sombras que se acrescem
sem que haja uma razão para isso.
Sou vigia no mais completo anonimato,
a não ser àquele que me espreita,
pois também sou vigiado
enquanto finjo ser um deus.
Comecei acompanhando uma dor por vez.
Às vezes meses numa dor. O tempero
era o próprio alimento, porém cortado em grãos.
Decidi dividir meus olhos em parcelas míopes
e vê-las todas, parcialmente.
Mas estava tão próximo da dor, que ao piscar
esbarrava minhas pálpebras. Então forjei um desejo:
tirei a dor de cada corpo para pesá-la.
De tempos em tempos os corpos são de névoa.
Posso abri-los à vontade, que nada dói, senão o que já doía.
Meus dedos não podiam
ser tão carne. Quando vi, estavam dentro.
As dores transitavam
do líquido ao vapor,
e só não evaporavam
pois a dor de minha mão as atraía.
O perigo era aumentá-las. Ou pior: aliviá-las.
Mas uma violência com o braço, um arremesso
contido (adiado),
a tentação de cumprir uma ameaça;
e as dores tremiam, quase pedindo
uma carícia, que eu não faria.
Deixei-as numa única balança.
Longe das bocas, que as gritam mais doídas.
Se atraíram e se entranharam: e era uma dor só.
Mas não doía divórcios. As palavras escorriam
e escorriam homens e mulheres
que se ferem conversando.
No fim, a dor pesava uma ferida com o mínimo de pele.
By Haim Fridman