A pele que habito

A pele que habito

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Poema III dos Poemas da Necessidade

Vigio atentamente a dor alheia.
Não que a monitore ou interceda, eu só presumo 
seu rumo doloroso, conforme a disposição das cores
que pedem claro quando escuro.
Difícil é prever as sombras que se acrescem
sem que haja uma razão para isso.

Sou vigia no mais completo anonimato, 
a não ser àquele que me espreita, 
pois também sou vigiado 
enquanto finjo ser um deus. 

Comecei acompanhando uma dor por vez.   
Às vezes meses numa dor. O tempero
era o próprio alimento, porém cortado em grãos.
Decidi dividir meus olhos em parcelas míopes
e vê-las todas, parcialmente.

Mas estava tão próximo da dor, que ao piscar 
esbarrava minhas pálpebras. Então forjei um desejo: 
tirei a dor de cada corpo para pesá-la.
De tempos em tempos os corpos são de névoa. 
Posso abri-los à vontade, que nada dói, senão o que já doía.

Meus dedos não podiam 
ser tão carne. Quando vi, estavam dentro.
As dores transitavam
do líquido ao vapor, 
e só não evaporavam
pois a dor de minha mão as atraía. 
O perigo era aumentá-las. Ou pior: aliviá-las.
Mas uma violência com o braço, um arremesso
contido (adiado), 
a tentação de cumprir uma ameaça;
e as dores tremiam, quase pedindo
uma carícia, que eu não faria.

Deixei-as numa única balança.
Longe das bocas, que as gritam mais doídas.
Se atraíram e se entranharam: e era uma dor só. 
Mas não doía divórcios. As palavras escorriam
e escorriam homens e mulheres 
que se ferem conversando.

No fim, a dor pesava uma ferida com o mínimo de pele.


By Haim Fridman