A pele que habito

A pele que habito

domingo, 13 de junho de 2010

Aventuras no metrô...

Desde que optei por trabalhar perto de casa (luxo dos luxos: ir a pé trabalhar...rs..) minhas jornadas via metrô e outros transportes públicos, especialmente em horários de "rush", diminuíram consideravelmente. Sendo assim, quando sou obrigada a isso (por minha tutora, que me pede desesperadamente para cobri-la num certo teste e para tanto tenho que estar na faculdade as 8h00), acabo sempre tendo alguma experiência nova, algumas cômicas (como quando presenciei duas moças se estapeando na Sé, ou quando vi dois frangos congelados fugirem heroicamente de uma sacola e rolarem corredor abaixo...), outras irritantes (como quando fiquei quase uma hora num dia de chuva, sentada ao lado de um cara discutindo com a namorada no celular), mas algumas realmente interessantes, como a desta sexta-feira.

Pra variar metrô lotado por volta das sete: empurra-empurra, eu tentando tirar o casaco para não passar calor demais no meio da multidão e me entra essa senhorinha na estação Vila Matilde, espremendo todo mundo para entrar dizendo que em coração de mãe sempre cabe mais um. A moça logo à sua frente, a quem ela literalmente jogou para o meio do vagão e que estava com aquela expressão clássica de quem pega metrô cedo e é esmagado, olhou para a velhinha com algum desconcerto e recebeu de volta um enorme sorriso:

- Olha, filha, você me desculpe, mas é que não gosto de me atrasar para o trabalho, sabe faz 16 anos que trabalho naquela escola e me orgulho muito de ter me atrasado pouquíssimas vezes e sempre com boa razão...

Dali em diante começou a contar que ficou órfã e sozinha no mundo com 14 anos, teve que trabalhar em casa de família para não morrer de fome ou ir parar em orfanato.

- Imagine, menina-moça sozinha por aí, só podia dar em porcaria, mas dei sorte, fui trabalhar com essa família, eles me deixaram completar o primeiro grau, cuidaram de mim e me davam um salário.

Continuou contando que aos 16 anos se inscreveu num programa do governo para menores que queriam trabalhar, depois conseguiu passar num concurso público para ajudante de serviços gerais e então conseguiu alugar uma casinha para ela.

- Foi o dia mais feliz da minha vida, a casinha era pequena, mas era só minha, imagine eu tinha só 16 anos, o casal com quem trabalhei antes alugou no nome deles para me ajudar.

Seguiu contando o quanto gostava do trabalho, de algumas amizades que tinha por lá, explicou da escola que estava atualmente e que pretendia se aposentar nela. Muita energia, muita vivacidade, uma espontaneidade de criança, falava pelos cotovelos contando a vida para umas 200 pessoas sem nem pestanejar, sem nem dar-se conta se estava ou não sendo ouvida.

Fiquei pensando na relação que temos com trabalho, no conceito de trabalho que me parece tão equivocado em nosso país e no fato de que caráter realmente vem de berço, afinal, quantos no lugar dela teriam construído para si uma vida tão digna? Tão decente? Sozinha no mundo aos 14 anos de idade, desprotegida, uma menina...

O que faz alguém ter uma atitude tão positiva diante das circunstâncias mais adversas enquanto outros com tantos benefícios se entregam aos estilos de vida mais banais, tóxicos ou depressivos? Usam como desculpas os pais, a falta de oportunidades, se entregam ao fracasso aos 25 anos chorando como bebês mimados o fato de serem um bando de acomodados.

Será que a felicidade está mesmo nas coisas simples? Tenho ouvido tanto a respeito de expectativas irreais e como isso nos transforma em frustrados crônicos, que simplesmente são incapazes de gozar o que de bom a vida nos dá, por sempre estar presos ao que não tem. É nisso que se resume a vida: ao que temos e ao que não temos? Seremos escravos para sempre do gramado do vizinho?

Você imagina alguém ter o dia mais feliz de sua vida simplesmente por ter conseguido uma casinha minúscula para morar? Eu imagino. Uma coisa que a vida tem me ensinado é a aproveitar os momentos alegres. Adoro festas de família, adoro ver que o girassolzinho que plantei nasceu, adoro comprar ração nova para as minhas gatas e ver como elas ficam excitadas com isso, adoro descobrir músicas novas que eu gosto, adoro ler livros bons e chorar quando acabam porque não queria que acabassem, adoro tomar capuccino e sentir aquele gostinho amadeirado de canela no final, adoro ver meus sobrinhos de bochechas cor-de-rosa e vestindo capuzes no inverno, adoro ver meu pai orgulhoso da sopa que ele mesmo fez, adoro ver minha mãe contente porque o cabelo está lindo, adoro ver as pessoas que eu gosto rirem até doer a barriga, adoro tomar vinho de sexta-feira a noite até ficar alegre, adoro conversas que duram horas e todo mundo sai melhor depois delas, adoro quando minha faxineira limpa minha casa e dá vontade de deitar no chão de tão cheiroso que ele fica, adoro trabalhar até sentir o corpo cansado e depois de tudo saber que deu tudo certo e valeu a pena. Adoro os detalhes das pessoas, aquela curvinha do pescoço, as sobrancelhas, as mãos, os gestos e maneirismos que fazem cada pessoa única, os cheiros, as vozes e pezinhos de bebê...

Existem milhares de razões para amarmos viver, minha avó Khajija (Radige) que o diga, minha mãe diz que sonha com ela as vezes e nos sonhos ela está sempre rindo, só rindo, nunca diz nada, só ri...Falei: - Também mãe, era só isso que a vó fazia mesmo! Ela fazia as melhores festas, o melhor Natal, era a melhor companhia para ir para a praia e para quando a gente estava triste, lembro da gente pulando que nem malucas na cama de molas dela e ela jogando travesseiros na gente, dizendo: - Desçam já daí suas merdinhas...Nunca pensei que sentiria tanta saudade de alguem me chamando de merda...rsrsrsrsrs...mas era carinhoso demais pra gente se importar com o vocabulário e sim, minha avó falava palavrão e em 3 línguas...rs...Ela era fantástica!

Engraçado começar com a senhorinha do metrô e terminar com minha avó, o que as duas tinham em comum? Alegria de viver! Alegria de trabalhar! Alegria de ser elas mesmas! Alegria, Alegria...

E diz a Bíblia que “...a alegria do Senhor é a nossa força..”