A pele que habito

A pele que habito

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Rivotril e as Relíquias da Morte

Ser introspectivo é igual a ser neurótico?

Serei eu uma psicóloga contra o uso de medicação para alívio dos sintomas de transtornos mentais/ emocionais?

Para ambas as questões minha resposta é: Depende...

Rivotril ou Clonazepam é um benzodiazepínico utilizado há muitas décadas para o controle da Fobia Social, do Distúrbio do Pânico, de outras formas de Ansiedade Generalizada e para ajudar a controlar os sintomas de ansiedade normais decorrentes de situações extremas da vida de qualquer um. Além de ser ansiolítico (agir contra a ansiedade), o remédio é anticonvulsionante, poderoso relaxante muscular (e por isso é usado muitas vezes para tratamento de insônia) e é usado até para casos de overdose de anfetamina.

Meu crivo para encaminhamento de pacientes para uso de medicação, seja qual for, se baseia no tripé da saúde emocional, ou seja, capacidade de estabelecer e manter relações afetivas, capacidade de aprender e desenvolver atividades produtivas/intelectuais e capacidade de se perceber e cuidar de si mesmo. Se apenas uma destas três capacidades já estiver seriamente comprometida, é absolutamente recomendável que algum tipo de tratamento mais diretivo seja administrado, sem o qual, muito provavelmente, nenhum outro tipo de tratamento (incluindo psicoterapia) terá sucesso, uma vez que potencialmente os sintomas não permitiriam ao paciente uma imersão em si mesmo capaz de alcançar algum insight e mudanças de perspectiva/estilo de vida necessários.

Sendo assim, por que pessoas tidas como normais (sem haspas mesmo, já que para a medicina e para a psicologia o conceito de normalidade é bastante simples: ausência de um transtorno que incapacite o indivíduo para a vida) cada vez mais vem sendo medicadas?

Obviamente, e sem contar aqui os maluquetes que adoram fazer experiências com substâncias, se existe remédio, existe sofrimento!

Eu mesma usei Rivotril para minha insônia crônica diversas vezes no ano passado, digo isso sem culpa, já que ficar 4 noites seguidas insone não é aventura para qualquer um, fora o cansaço, a dor de cabeça e a vontade de sumir do mapa, você começa a ter problemas de percepção (cheguei a ver coisas em dobro, ouvir coisas...uma beleza!).

Reformulando: O que nos tira o sono e nos deixa tão ansiosos a ponto de termos que fazer uso de medicamentos?


Muito se fala sobre o ritmo acelerado, a sociedade consumista, a superficialidade e a falta de idealismo nas relações e da extrema extroversão (no sentido Junguiano) da sociedade atual, de modo que meio na brincadeira me permito aqui uma divagaçãozinha muito interessante: Para mim, sofremos porque assim como Harry Potter, estamos desesperados na busca pelas Relíquias da Morte, ferramentas que podem destruir nosso Valdemort particular.

Em nossa geração a felicidade está em encontrar e se apropriar de 3 coisas: a varinha mais poderosa (desculpe o trocadilho, mas tem tudo a ver com falo mesmo, falo no sentido psicanalítico, ou seja, poder, dinheiro, status, fama, beleza absoluta e tudo que puder nos garantir um lugar ao sol), a pedra da ressurreição (ou a imortalidade, a juventude eterna) e o manto da invisibilidade (pertencer ao grupo dos ditos felizes, ser igual a eles, negar tudo o que é diferente deles, ou seja, tudo o que me faz indivíduo, único, solitário e autêntico nesse mundo).

Para falar de mim mesma, uma das coisas que mais me chateava era a sensação de inadequação, de me sentir diferente dos outros, de ser focada demais, de ter sempre opinião sobre tudo, questionadora demais, de levar as coisas muito a sério, de me sentir muitas vezes uma ave de mau agouro, a Cassandra da história, sempre portadora de más notícias, a estraga-prazeres...Ou seja, introspectiva demais, por assim dizer! Muitas vezes quis o manto da invisibilidade, ficar ali escondida atrás de uma carinha de paisagem, ouvindo o que as pessoas dizem sem “pensar com a língua” e colocar tudo a perder! Por que eu não podia simplesmente deixar as coisas como são? Não arrumar encrenca, não estar sempre posicionada, não causar polêmicas, ser mais doce, mais tranqüila diante das opções e opiniões alheias... Em outras palavras: Apenas fechar minha boca grande??? rs

Outros sofrem por não ter o carro do ano, a casa na praia, o vestido de
RS$ 6 mil, a viagem para Paris, o corpo da Gisele Bündchen, a grana dos astros do futebol, a esposa do Brad Pitt ou o marido da Angelina Jolie...rs...

Ainda outros choram no espelho a passagem do tempo, sempre inexorável, os anos que não voltam, a barriguinha que cresce junto com as rugas que se aprofundam: a morte que vai cavando seu grand finale...

Os sofrimentos de nossa época são sutis, até mesmo um pouco banais e, por isso mesmo perigosos, seguem construindo sua casa em nosso peito tijolo após tijolo, através de competições idiotas, insatisfações infantis, falta de conhecimento e conseqüentemente idéias equivocadas sobre as coisas. Temos essa imensa dificuldade em maturar as coisas dentro de nós! Idéias também precisam amadurecer, elas tem seu processo de germinação, precisamos nos dar tempo e espaço de reflexão, mas como se na primeira angústia nos anestesiamos?

Para Jung a depressão pode ser muito criativa se formos capazes apenas de lidar com a angústia (naturalmente falo de momentos depressivos, não de quadros crônicos e graves). Precisamos nos permitir pensar em nós mesmos, em quem somos, nas questões que nos oprimem e nos confundem, nas pessoas e coisas que nos irritam (pense um pouco nisso e terá muita informação a respeito de si mesmo e do que precisa evoluir em sua vida), naquilo que de bom nosso tipo de personalidade pode nos trazer e contribuir com o mundo. Precisamos nos permitir descobrir nosso mito pessoal, nosso sentido na vida, nosso significado, todos nascemos com um propósito real, se fôssemos obra do acaso não viveríamos com crises existenciais...rs...

Eu descobri, por exemplo, que sou uma introspectiva de carteirinha, sendo que a introspecção nada mais é do que o eixo de um dos Tipos Psicológicos existentes, os introvertidos são orientados para os seus mundos internos, sua energia fluindo primeiro para dentro e então para a realidade externa.

Os introvertidos podem ser vistos como egoístas e inadaptáveis, o que não é necessariamente verdade, apenas quer dizer que funcionamos primeiro prestando atenção aos nossos mundos internos, e então determinamos como nos encaixar no mundo externo. De modo que pensamos muito mesmo, falamos muito sobre o que pensamos, passamos a vida coletando, analisando e categorizando informações e se quer saber, cada um de nós tem um código único para esse processo de ordenar dados. Somos como bibliotecários emocionais...rs...Perceptivos ao extremo, sensíveis ao extremo, um pouco desconectados do ambiente externo de modo geral, mas completamente plugados no âmbito expecífico, muito intensos, mas muito mentais...Jamais indiferentes, jamais inconseqüentes, muito conscientes essa é que é a real!

Isso por vezes nos atrapalha um pouco, porque precisamos de descanso de todo esse conteúdo e para nós é difícil descansar, mas nada que uma dose de compreensão e bom humor não resolva, se conseguirmos lidar com nossa angústia e com nossa ansiedade (lembrando que como faremos isso não tem muita receita, eu parei com drogas para dormir, mas de vez em quando tomo um vinhozinho básico...rs...Boas opções são as artes, os esportes, as terapias diversas, tudo que nos ajudar a colocar para fora nossa efervescente atividade mental e emocional!).

Vale destacar que as relíquias da morte podem até tirar o Harry Potter da encrenca em que se meteu, mas para nós, pobres trouxas, não passam de ilusões que só nos afastam da alegria verdadeira e da saúde emocional: Aos ansiosos só tenho uma coisa a dizer e me baseio num livro milenar: “basta ao dia seu próprio mal”! Aos angustiados digo que chequem suas expectativas, tantas crises seriam evitadas se simplesmente pudéssemos nos permitir enxergar o que de bom já temos.

Como costumo dizer, quando estamos confusos olhar para algo concreto nos ajuda a não perder a direção, nossa história é um bom referencial, qual foi a última vez em que nos sentimos em paz e mais satisfeitos? Qual era o contexto desse momento? Como eram as pessoas que nos rodeavam? Quais eram as coisas e as atividades que preenchiam nossos dias? Naturalmente não é possível voltar no tempo, talvez não seja possível reeditar na íntegra momentos felizes,
mas certamente podemos aperfeiçoar nosso padrão de escolhas.

Para quem quer saber seu Tipo Psicológico aconselho ler o Jung, o livro “Tipos Psicológicos” esclarece muito a respeito. Existe também um testezinho chamado “Eneagrama”, baseado nas idéias dele, está disponível na internet – na verdade mais do que o eixo extrovertido-introvertido, encontramos 9 tipos psicológicos definidos, temos um pouco de cada dentro da gente, mas um tipo se sobressai a todos, é divertido, vale a pena!