A pele que habito

A pele que habito

domingo, 23 de maio de 2010

Pijamas de flanela

Felicidade, em francês, significa encontro. (bonheur=boa hora)

“A felicidade só é possível quando a pessoa suporta aquilo que a destaca da normalidade...” Lacan

Sonhei com pijamas de flanela essa noite, sonhei de novo com a menininha com quem venho sonhando desde os 14 anos, eu já a vi bebê com a carinha suja de sopa na cozinha, já a vi maiorzinha destruindo castelos de areia na praia, já a vi em meu colo, no colo de outras pessoas, já a vi perdendo os dentes e chorando muito, e desta vez ela apareceu um pouco maior e vestindo um pijama de flanela azul clarinho com florzinhas amarelas, muito parecido com um pijama que tive, um que minha avó materna seguia fazendo pra gente, conforme a gente crescia: mudavam as estampas, o modelo ficava, até que não usei mais pijamas de flanela. Tinha me tornado mocinha e ganhei minha primeira camisola de seda, assim meio brega, cor-de-rosa (nunca fui muito de cor-de-rosa), coisas de famílias de mulheres...rs..

Se essa menina sou eu, se é a filha que quero ter, se é uma parte da minha psique demonstrando as coisas que preciso desenvolver não sei, só sei que ontem ela estava feliz e luminosa, estava se olhando num espelho antigo, com um sorriso aberto e olhos brilhantes, os cabelos soltos balançavam um pouco conforme ela se movia e ela se movia para senti-lo nas costas, como eu sempre fazia. Ela me olhou pelo espelho e começou a dizer uma coisa, primeiro não conseguia ouvir e comecei a me sentir triste e muito angustiada porque parecia algo importante, ela ficava repetindo e repetindo e então entendi, ela dizia:

- Amo você assim mesmo! Você é tão linda...

Daí saiu correndo por uma porta que eu não tinha visto antes, tentei segui-la, mas ela tinha ido embora, sem mais nem menos, como sempre que sonho com ela. Em outras vezes meu coração doía quando ela partia, como se ela tivesse morrido ou algo assim, mas dessa vez não, eu estava feliz e plena, sorrindo com orgulho da minha pequena, tão leve e tão confiante, parece que ela nasceu pra ser feliz!

O inconsciente tem destas coisas, não?

Por que de pijamas? Porque adoro pijamas, porque aqueles pijamas de flanela saídos das mãos da minha avó eram um abraço quente pra proteger a gente do inverno, eram macios e confortáveis como eu gosto e como eu sou (por dentro e por fora). Nunca mais vou deixar as circunstâncias me tirarem a alegria de dar pras pessoas, dar tudo, principalmente a mim mesma!

Por que o espelho? Porque fazia tempo que eu não olhava pra mim mesma, e como é bom o que eu vejo naquele reflexo, algo incomum, é fato! Mas algo muito bom, muito bonito e muito amável. Algo a ser compartilhado!

Por que a menina? Porque uma parte de mim vai ser essa menina pra sempre, eu sou criança, eu adoro crianças, eu quero ser sempre criança diante de Deus e das pessoas, porque na inocência e na candura está o Reino dos Céus. Porque eu odeio esse mundo sujo e cheio de ódio, interesses mesquinhos e vazio existencial dos chamados “adultos”.

Por que amor? Porque Deus é amor, o amor gera toda a vida viva que existe neste mundo de morte. Eu preciso amar, preciso ser amada e preciso viver em amor. Isso é tudo o que eu preciso, tudo o que você precisa, tudo o que qualquer pessoa precisa. Clichê? Demodè? Dane-se, eu nunca fui igual aos outros mesmo...Digo o que quero, penso o que quero, vivo como quero, EU SOU LIVRE E EU AMO quem eu quero amar, do jeito que eu quiser amar e fim.

Uma professora disse esses dias que somos privilegiados porque podemos escolher o que fazemos da vida, achei bonito isso, eu sou mesmo muito privilegiada por poder viver da maneira como escolho viver e trabalhar como quero trabalhar, a liberdade é uma das maiores bênçãos que Deus nos dá, e devemos estar alertas para não nos tornarmos escravos das coisas, coisas que nos impedem de viver e ter da vida o que precisamos para sermos nós mesmos e verdadeiramente felizes. Preconceito é uma dessas cadeias, medo é outra...Comodismo é a pior delas, essa que é irmã da covardia!

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Mario Benedetti

Sábado, 13 de julho

Ela está ao meu lado, adormecida. Estou escrevendo numa folha solta, esta noite transcrevo para a caderneta. São quatro da tarde, o final da sesta. Comecei a pensar numa comparação e terminei em outra. Está aqui ao meu lado, o corpo dela. Lá fora faz frio, mas aqui a temperatura é agradável, mais para quente. O corpo dela está quase descoberto, a manta e o lençol deslizaram para um lado. Quis comparar o corpo dela com minhas lembranças do corpo de Isabel. Evidentemente, eram outros tempos. Isabel não era magra, seus seios tinham volume, e por isso caíam um pouco. Seu umbigo era fundo, grande, escuro de margens grossas. Seus quadris eram o melhor, o que mais me atraía; tenho uma memória táctil dos seus quadris. Seus ombros eram cheios, de um branco rosado. Suas pernas estavam ameaçadas por um futuro de varizes, mas ainda eram bonitas, bem torneadas. Este corpo que está ao meu lado não tem nenhum traço em comum com aquele. Avellaneda é magrinha, seu busto me inspira um pouquinho de piedade, seus ombros estão cheios de sardas, seu umbigo é infantil e pequeno, seus quadris também são o melhor (ou será que os quadris sempre me comovem?), suas pernas são delgadas, mas bem feitinhas. No entanto, aquele corpo me atraiu, e este me atrai. Isabel tinha, em sua nudez, uma força inspiradora, eu a contemplava e imediatamente todo meu ser era sexo, não havia como pensar em outra coisa. Avellaneda tem em sua nudez, uma modéstia sincera, simpática e indefesa, um desamparo que é comovedor. Ela me atrai profundamente, mas, aqui, o sexo é só uma parte da sugestão, do chamamento. A nudez de Isabel era uma nudez total, mais pura talvez. O corpo de Avellaneda é uma nudez com atitude. Para amar Isabel, bastava sentir-se atraído pelo seu corpo. Para amar Avellaneda, é necessário amar o nu mais a atitude, já que esta é pelo menos metade do seu atrativo. Ter Isabel entre os braços significava abraçar um corpo sensível a todas as reações físicas e capaz também de todos os estímulos lícitos. Ter em meus braços a concreta magreza de Avellaneda significa amar além disso seu sorriso, seu olhar, seu jeito de falar, o repertório de sua ternura, suas reticências em entregar-se por completo e as desculpas pelas reticências...Pobre Isabel. Agora me dou conta de que falava com ela muito pouco. Às vezes não achava assunto de que falar...Já eram bastante eloqüentes nossas noites. Isso era o amor? Não tenho certeza...Mas eu não me iludo. Tenho bem presente que estou hoje com 49 anos e quem quando Isabel morreu, eu estava com 28. Não tenho a menor dúvida de que, se Isabel aparecesse agora, a mesma de 1935...uma Isabel de cabelos negros, de olhos buscadores, de quadris tangíveis, de pernas perfeitas, não tenho a menor dúvida de que eu diria:”Que lástima” e iria procurar Avellaneda.