“If they say
Who cares if one more light goes out?
In the sky of a million stars
It flickers, flickers
Who cares when someone’s time runs out?
If a moment is all we are
Or quicker, quicker
Who cares if one more light goes out?
Linkin
Park in: One More Light
“Vivo
por homens e mulheres
de
outras idades, de outros lugares, com outras falas.
Por
infantes e velhinhos trêmulos.
Gente
do mar e da terra,
Suada,
salgada, hirsuta.
Gente
da névoa, apenas murmurada.
(...)
Faro
do planeta e do firmamento
bússola
enamorada de eternidade,
um
sentimento lancinante de horizontes,
um
poder de abraçar, de envolver
as
coisas sofredoras,
e
levá-las nos ombros, como os anhos e as cruzes.”
Cecília Meireles
“É a
imagem na mente que nos une aos tesouros perdidos, mas é a perda que dá forma à
imagem.”
Colette
Judith Viorst afirma em seu livro “Perdas
Necessárias” (1986) que, apesar de relacionarmos a ideia de perda, em geral,
muito mais à morte das pessoas que amamos, tal experiência é muito mais
abrangente, envolvendo tudo aquilo que nos é tirado ou do que abrimos mão, seja
pelo fato de sermos abandonados ou de abandonar; pelas mudanças que escolhemos
fazer ou que nos acontecem; por tudo que deixamos para trás pelas vicissitudes
da vida ou por escolha. Tais perdas não se resumem a separações ou partidas,
sejam elas temporárias ou definitivas, mas também dizem respeito a perda
consciente ou inconsciente de “sonhos românticos, expectativas impossíveis,
ilusões de liberdade e poder, ilusões de segurança – e a perda do nosso próprio
eu jovem, o que se julgava para sempre imune às rugas, invulnerável e imortal.”
(p.14)
A autora destaca ainda que existem coisas
às quais precisamos desistir para poder crescer – “a estrada do desenvolvimento
humano é pavimentada com renúncia”. Passamos a vida desistindo de coisas e
pessoas, que amamos muito, inclusive, para poder simplesmente crescer. Para
alcançar o máximo de nosso potencial precisamos enfrentar a dor de admitir tudo
o que jamais seremos e o que jamais teremos. “Investimentos emotivos nos fazem
vulneráveis a perdas. E às vezes, por mais inteligentes que sejamos, temos de
perder.”
Perder para
ganhar. Perdas absolutamente necessárias.
A vida,
porém, segue sendo paradoxal por evidência.
Ao mesmo tempo em que nos encarrega de perdas
essenciais, nos carrega com perdas
fortuitas, desnecessárias. Perdas que não nos fazem crescer, não nos ajudam a
evoluir, antes nos atrasam, nos ferem, nos diminuem, nos mutilam. Perdas que,
se conseguirmos ao menos subsistir a elas, seguiremos numa longa jornada (às
vezes infinita) de tentativas de superação. Perdas não-naturais, brutais,
consequências de péssimas escolhas, nossas ou de outros, destinadas a
comprometer nosso caminho, prejudicar nossas trajetórias. Perdas às quais só
sobrevivemos pela misericórdia divina e pela fé no “todas as coisas cooperam
para o bem...”.
Esse texto é para falar sobre essas perdas.
Sobre como elas estão dominando nossos dias, na conjuntura atual e sobre como
não sabemos lidar com elas.
Eu poderia começar contando sobre como foi
quase ter perdido minha mãe para o COVID 19. Poderia relatar o desespero de se
viajar 12 horas de carro, dirigindo e recebendo notícias cada vez piores pelo
celular, lutando para calar a vozinha sinistra que sussurrava em meus ouvidos:
“Eles estão te escondendo o pior porque vocês estão na estrada”. Poderia dizer
sobre a angústia de ter alguém que você ama muito doente e internado e não poder
acompanhá-lo, sequer visitá-lo, ficando restrito a um boletim médico por dia
que não tinha nem um horário certo para ser enviado. Poderia falar dos dias em
que ela permaneceu na UTI, entubada, dependendo de um respirador para
sobreviver e de como seus pulmões e coração entraram em sofrimento. Poderia
falar do nível de debilidade a que seu corpo chegou e como a sensação de
impotência que nos acometeu foi avassaladora.
Poderia também explicar que minha mãe não é
somente a minha mãe, mas é uma das pessoas mais dignas, decentes, leais,
amáveis e gentis que eu conheço. De como a morte dela afetaria centenas de
pessoas, entre familiares, amigos, colegas de trabalho, alunos e conhecidos.
Isso a tal ponto de pessoas até em outros países, como os EUA, a Espanha e a
Índia se reunirem para orar por ela.
Mas eu não preciso falar sobre nada isso,
não preciso porque minha mãe sobreviveu ao COVID 19. Eu não a perdi. Fui capaz
de cuidar dela em casa por algum tempo, de vê-la se fortalecer e desabrochar a
cada dia, como um passarinho machucado que vai se recuperando. Consigo ligar
para ela todos os dias, contar da minha vida e ouvir sobre a dela, posso pedir
oração e conselhos, posso me alegrar com o seu restabelecimento e ser grata a
Deus.
Posso, porém, relatar a perda de outras
pessoas, como a daquela mãe-esposa-irmã-amiga cujo funeral presenciei
recentemente. Posso descrever a perplexidade de sua família diante de uma morte
totalmente inesperada, que aconteceu em poucas horas, principalmente porque não
havia UTIs disponíveis, nem mesmo no sistema particular. Posso testificar da
dor de sua filha, chorando diante de um caixão lacrado, sem ter a chance sequer
de se despedir de uma forma adequada, minimamente satisfatória, de alguém que
no dia anterior estava viva e sadia. Posso tratar do coração partido de seu marido,
fragilizado por um sentimento atroz de abandono e da tristeza desoladora de
seus parentes e amigos. Posso dizer da confusão de um pastor, que sem encontrar
nada a dizer, acaba caindo no lugar comum do texto de Jó, “o Senhor deu, o
Senhor tirou”, recitado em voz trêmula e embargada e sem muita convicção. (Você
saberia o que dizer em tal funeral?) Posso destacar a brutalidade de não se
poder receber sequer um abraço ou um aperto de mão consolador, num momento desses,
e da crueza da descida do caixão, feita de forma desajeitada pelos coveiros,
com suas roupas de astronauta, compartilhando conosco o uso dessas máscaras
medonhas, que tornam tudo ainda mais inverossímil. Posso dizer das lágrimas que
me encheram os olhos diante daquela filha sofredora, que poucos dias antes poderia
ter sido eu.
Ou posso também mostrar o caso de uma
ex-aluna, cuja ceifa colheu não só seu pai, mas também seu avô, sua madrinha,
quase leva seu esposo e ainda tenta levar sua mãe. Como lidar? O que dizer?
Como confortar?
Também posso, quero e devo falar sobre a
perda de Empatia e Sensibilidade que nos cerca, de como
está virando banalidade ouvir que mais de mil pessoas morreram de COVID 19 hoje
no Brasil. Posso falar de como os cristãos perderam a habilidade de “chorar com
os que choram” e usam textos bíblicos à revelia como a tentar exorcizar a tristeza
legítima daqueles que tem sofrido perdas irreparáveis e, sim, desnecessárias,
causadas por uma gestão de crise esdrúxula e que visa utilizar o caos social como estratégia de
manutenção do poder. Até quando iremos deslegitimar o direito das pessoas,
inclusive o dos cristãos, de chorar seus mortos e de ficar perplexos diante das
adversidades em nome de um triunfalismo hipócrita que, na verdade, visa ocultar
interesses e idolatrias político-ideológicas? Deus nos envia, sim, o Consolador;
Deus é sim soberano e Deus também é justiça. Haverá prestação de contas por
todas essas vítimas da ganância, da cobiça e do vício pelo poder. Eu creio e
aguardo esse dia!
Posso
falar da perda de Humanidade daqueles
que justificam as mortes dessas pessoas - mortas por falta de cuidado, por
falta de equipamentos, por falta de investimento adequado de verbas, por falta
de bom senso, por falta de humildade – atribuindo-as à vontade de Deus; sem
perceber que acreditar nisso equivale a dizer, por exemplo, que os mais de 20
milhões de pessoas mortas só na Segunda Guerra Mundial, desse número 6 milhões
de judeus, assassinados como ratos pelos nazistas, morreram porque “Deus quis”.
Até quando culparemos Deus pelas consequências de nossas péssimas escolhas e de
nosso caráter sórdido?
Posso
falar da perda do sentimento de Fraternidade
daqueles que gastam seus dias discutindo inutilidades em redes sociais,
defendendo medicamentos que sequer sabem, de fato, se funcionam, apenas para
vestir a camisa desse ou daquele viés político. Agindo com irresponsabilidade,
prometendo falsas curas e falsas blindagens virais, colocando pessoas mais
simples em risco e enriquecendo farmacêuticos, sem sequer se dar ao trabalho de
consultar um médico especialista para saber do que se trata. Posso falar da
realidade de se estar dentro de um hospital, conversando com médicos que, realmente, estão
tratando pessoas com COVID 19 e ouvir da boca deles que tudo isso é pura
ignorância e desserviço à saúde pública.
Posso discutir sobre a letargia e da perda de Vitalidade
que vem se apossando de nossos corações e mentes, inevitavelmente afetados
pelo tamanho dessa tragédia, que, mesmo diante de um mecanismo de negação,
segue a empobrecer nosso aparelho mental, dia a dia, enfraquecendo nossa
produtividade, nossa criatividade, nosso ânimo e nossa alegria. Como disse
recentemente um psiquiatra na TV, “ninguém que possua um sistema límbico é
capaz de sair ileso da morte de milhares de pessoas; a não ser que seja um
psicopata.” Até mesmo o sorriso social e o abraço de conforto nos está vetado. Tudo isso só
pode reduzir nossa capacidade de vínculo e daí ao enlouquecimento é um pulo...
Só
visitar as redes sociais para encontrar evidências da insanidade coletiva; vai
desde a notícia de que a China usa célula de feto abortado para fazer vacinas
(devemos essa ao movimento Pró-Vida e ao movimento Anti-vacina), até o ping-pong dos pró x contra cloroquina.
Minha
tentativa de sobrevivência nesses tempos sombrios tem sido investir no mix: Fé + Silêncio + Arte + Natureza.
Recomendo. Não estou eufórica, mas tampouco deprimida; não estou otimista, mas
também não fico pessimista; não entrei em desespero, mas não vivo em falsos
triunfos; não atribuo as consequências dos meus erros ao destino ou `a vontade
divina, mas também não me culpo por coisas que não me dizem respeito. Se eu
conseguir chegar ao final dessa pandemia viva, sabendo quem sou, o que faço e a
quem pertenço, já estarei infinitamente grata. Que Deus tenha piedade de nós!
[1] Se
eles dizem:
Quem se importa se mais uma luz se apagar?
Num céu de um milhão de estrelas.
Que cintila, cintila...
Quem se importa quando o tempo de alguém se acaba?
Se um momento é tudo o que somos.
Somos tão rápidos, tão rápidos...
Quem se importa se mais uma luz se apagar?
Bem, eu me importo.