A pele que habito

A pele que habito

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

pequeno poema do vazio

Vazia
Nada e ninguém
Só silêncio e futuro
Frio e escuro
Seguir na frente
Seguir em frente
Passo incerto
Olhos abertos e baços
Segregação
Morto ao entardecer
Medo e encenação
Desconhecido

Quer viver adiante
Quer abrir o mundo
Quer abrir as pernas
E fazer fecundo
Quer fazer barulho
Dar sabor e cheiros
Quer dar forma a tudo
E lavar coeiros
Vida cheia
Ventre de Baleia
Navegando outro mar
Abrir o peito para respirar
Quer voar
Quer se dar
Quer deitar no ar
Na teia da emoção
E fazer da razão
Garupa de alazão
Vento e areia
Morte da sereia
Não mais ilusão
Quer viver à mão
Dar vazão ao mar
e ao vislumbrar
verdade num olhar
De quem tiver de amar

domingo, 22 de novembro de 2009

Holding

Um grande consenso entre todos os terapeutas de crianças, sejam eles psicanalistas, cognitivistas, humanistas ou de qualquer outra linha de pensamento, é a importância de uma BASE SEGURA no princípio da vida.

Essa base seria oferecida pelo que Winnicott chamou de “mãe suficientemente boa”, o que viria a ser pais ou adultos realmente preocupados em cuidar, acolher e permitir o real desenvolvimento das crianças pelas quais se responsabilizaram. O mais bonito desse conceito é o fato de não recomendar pais perfeitos e super-protetores, mas pais SUFICIENTEMENTE bons, pais que amam, cuidam, estão presentes e que falham de vez em quando, para que a criança possa adquirir aos poucos iniciativa e independência.

Minha mãe conta que na primeira vez em que fui para a escola (lá pelos 3 anos), não chorei, abanei a mãozinha e segui em frente arrastando uma lancheira maior que eu, enquanto ela ao me ver seguindo em frente ficou chorando atrás...rs...Coisas de Danielli, provavelmente eu devia estar apavorada, mas nunca daria o braço a torcer!!

Essa BASE SEGURA seria um ambiente confiável, estável, verdadeiro, onde existem amor e interesse genuínos, dedicação e momentos bons. Dessa experiência positiva adquirimos a confiança necessária para seguir em nosso desenvolvimento nos arriscando em novas experiências, novos lugares, novos aprendizados. Através desse primeiro período saudável formamos uma estrutura egóica forte o suficiente para suportar as intempéries que certamente virão na vida sem nos destruir.

O que dizer então daqueles que nunca tiveram uma BASE SEGURA? Situação essa cada vez mais a regra e cada vez menos a exceção em nossos dias. Sem falar nos extremos (transtornos de conduta, sociopatas, drogadictos, borderlines e tantos outros quadros...), e nos atendo ao que se vê na esfera da normalidade, (entendendo aqui normalidade como adaptação ao meio social) encontramos adultos sofridos, cansados, envelhecidos precocemente, desiludidos, desgastados de tanto buscar na vida aquilo que foi negado na infância e sem a qual não conseguimos seguir em frente: uma base segura.

Na real, nem é tão impossível assim se conquistar isso, bastaria investir em relações saudáveis com pessoas e coisas que nos fazem bem...Naturalmente, essa falha inicial sempre nos machucará um pouco, mas essas “experiências emocionais corretivas” com bons relacionamentos – e aqui não dá para não lembrar do Dr. House e do papel que o Wilson, a Cuddy e o hospital tem na vida dele...rs...- podem aos poucos ir nos preenchendo e suprindo essa necessidade de Holding (na psicanálise é sinônimo de acolhimento, o que o terapeuta deve poder nos dar durante o tratamento) que sempre temos e teremos. Então por que não conseguimos?

Porque nossa matriz de relação amorosa é defeituosa!

Se nossa base inicial foi abusiva, descuidada, agressiva e pouco amorosa é isso que vamos buscar como objeto de amor, é um ciclo neurótico clássico, mais ou menos como um vício, uma obsessão, um verdadeiro radar de destruição! Isso vai acontecer seguidamente até que se compreenda isso e se comece, por iniciativa própria a alterar esse padrão.

Quantas vezes na vida você estragou algo que era bom para você? Quantas vezes se auto-boicotou sem nem aos menos entender o porquê?

Hábitos destrutivos, não cuidar de si próprio, insistir em relações doentias que te fazem sentir uma bosta, tudo isso com uma máscara de cinismo tosca e rachada (sim, porque todo mundo percebe que é falsa) e um sorriso de teimosia tola nos lábios.

Matriz defeituosa!

A boa notícia é que temos escolha SIM.

O início é absolutamente assustador, principalmente porque ter uma base segura nos é desconhecido e no mundo das neuroses é melhor passar a vida inteira num calabouço conhecido, do que sair pela porta e arriscar algo diferente...

Ironicamente ao fugir das mudanças perpetuamos aquilo de que mais temos medo. Se desejamos ardentemente ser amados, nos condenamos ao ostracismo e a uma vida sem relações reais e sem amor, por medo de arriscar, por carregar eternamente a culpa das coisas que destruímos devido aos modelos ruins que nos regiam, não nos perdoamos, não tentamos outra vez, apenas não nos permitimos! Se desejamos ardentemente desenvolver nossos potenciais mais importantes, nos recolhemos na mediocridade e passamos a vida invejando o que outros conseguiram porque não tiveram medo de arriscar, e aí damos a desculpa de que não temos talentos (nos olhando talvez com os olhos baços daqueles que nos negaram uma base segura).

Esse texto não é sobre culpar aqueles que nos negaram o que precisávamos, até porque isso é inútil, é correr atrás do vento com o coração cheio de amargura! Esse texto é sobre assumir a responsabilidade real sobre a nossa vida, aproveitar os sinais que Deus nos dá todos os dias, tomar a iniciativa, fazer escolhas, boas escolhas para as nossas vidas...LUTAR PELAS COISAS QUE QUEREMOS E QUE SABEMOS QUE SERÃO BOAS PARA NÓS...É sobre parar de ser covarde e perder os melhores anos das nossas vidas em idiotices infantis, dando desculpas esfarrapadas para não ter uma vida, chafurdando nesse mal transgeracional que temos o poder (na graça de Deus) de romper!

Meu desejo para mim e para você é uma quebra total com tudo de ruim que já aconteceu no passado, uma decisão profunda e intensa de mudar a direção das coisas, de tomar posse daquilo que Deus nos oferece com todo o amor dEle – UMA VIDA COM SENTIDO cheia do HOLDING que Ele pode oferecer melhor do que qualquer outra pessoa e então, SEM COVARDIAS! As coisas nunca serão fáceis nesse mundo caído, mas podemos viver sem essa nuvem cinza de incompletude e de fracasso que paira nas nossas cabeças todos os dias.

Existe possibilidade de escolha!

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Coco Chanel

Sim, sou fã declarada dela, todos sabem...


Todos sabem também que não sou muito do tipo alta-costura, de modo que podem questionar o motivo do meu interesse por essa senhorita eterna, magricela, vestida de menino, com cabelos curtos, cigarro e muita ironia nos lábios.

Bem, Chanel era única!

Órfã de mãe, abandonada pelo pai (pai este que ela esperava religiosamente todos os sábados de sua vida no orfanato) e nascida em uma época em que basicamente existiam três opções para uma mulher: esposa, prostituta ou amante sustentada (algo entre as outras duas coisas). Saiu do orfanato com a irmã para tentar se manter como ajudante de costura e cantando musiquinhas ridículas em cabarés (uma das quais falava sobre um cachorro chamado Coco que lhe rendeu o famoso apelidinho), foi expulsa do tal lugar infame por se recusar a ser prostituta e acabou tendo que se enfiar para viver de favor na casa de um ricaço de vida fútil, que se tornara seu amante.


Durante todo esse período foi subestimada pelos homens que não apreciavam muito o fato dela ser diferente demais, discreta demais, obstinada demais, inteligente demais, coquete de menos...rs...Muito engraçada sua visão absolutamente anárquica dos figurinos espalhafatosos e castradores das mulheres da época: decotes abusivos, espartilhos que tiravam toda liberdade de movimentos e que faziam as damas desmaiarem por não conseguirem respirar, enfeites espalhafatosos, maquiagem de meretriz, chapeis que mais pareciam tendas de circo e todo tipo de mau-gosto e exageros estrambólicos que transformavam a mulher em uma boneca.


Sem dinheiro e muito criativa, Chanel começou a fazer roupas para si a partir das roupas que surrupiava dos armários de seu amante (como se buscasse a partir da liberdade que o homem tinha, descobrir uma nova identidade para si mesma), abdicou de vez do espartilho, adotou a discrição e o preto (minha cor favorita para roupas e a dela também), decidiu que se esconder era muito mais sensual do que se mostrar e, muito significativo também, resolveu montar num cavalo atravessada...rs...Graças a Deus!


Chanel queria apenas trabalhar, poder viver com a dignidade que lhe era intrínseca, mas que não podia exercer na vida porque era mulher e mulheres não podiam trabalhar, especialmente as que não tinham formação nenhuma e oportunidade nenhuma! Ainda assim, diante da total impossibilidade e de ter que se curvar diante de coisas que lhe desagradavam profundamente, continuou sendo ela mesma com teimosia e em absoluto desafio, enfrentando a incompreensão de alguns, o desprezo e o subestimar de seu amante e a aparente desesperança de sua situação, até que um dia alguém a viu!


Boy Chapel foi o amor de sua vida, a única vez em que ela efetivamente quis casar e ter filhos, por ele Chanel teria se contentado alegremente com uma vida normal. Ele percebeu sua genialidade, sua autenticidade, seu talento, a compreendeu, a acolheu nos braços e no coração, fez dela seu grande amor, mas não se casou com ela, trocando-a por uma mulher rica que lhe daria status em seu país, deste modo partiu seu coração e sua últimas esperanças de ter a família que nunca teve, uma vida tranqüila e um amor legítimo.


Chanel decidiu que nunca se casaria!


Pediu a ele um trabalho e ele lhe deu dinheiro para que começasse um negócio em Paris. Chanel começou fazendo chapéus e obteve tanto sucesso, que até hoje seu nome é sinônimo de elegância e bom gosto, conquistou total independência e seu espaço no mundo, tornou-se célebre e pode enfim viver com dignidade, como sempre desejou. Seu estilo era único, marcado por uma individualidade inquestionável, a mensagem era clara: Seja quem você é!


Vivemos nesse país de terceiro mundo machista, onde mulher ainda é bunda e homem ainda é tosco! Essa é uma das coisas que mais me aborrecem na vida...Quando as pessoas vão aprender que sensualidade é pele e não imagem? Que é muito mais interessante ir para a cama com alguém inteiro do que com alguém em partes? Que fazer sexo com uma pessoa é melhor do que com uma coisa?

Chanel para mim é sinônimo de feminilidade verdadeira, onde a força e a delicadeza se mesclam com equilíbrio, onde a elegância e a discrição são combinadas com a beleza e com a sensualidade que já fluem espontaneamente através dos gestos, da curva do pescoço, do sorriso, do toque e da personalidade das pessoas. Aprendemos com ela que a liberdade é a chama que nos permite ser quem somos, essas pessoas únicas que Deus criou um a um. Homem ou mulher, diferentes e iguais diante dEle!


Admiro sua determinação em manter-se digna mesmo nas indignidades, sua esperança inabalável de que um dia a oportunidade surgiria, sua liberdade de ser quem era sem ligar a mínima se seria popular ou não, se seria sedutora ou não, se seria mal interpretada ou não. Penso que algumas pessoas não conseguem ser outra coisa se não elas mesmas, sob pena de nem sempre serem bem quistas, admiradas, amadas ou compreedidas...rs....

Todo mundo conhece o famoso perfume Chanel n.5, quando eu era criança minha avó materna só gostava dele ( era caro, sendo assim ela abria mão de outras coisas para comprá-lo) de modo que cresci na névoa dessa fragrância e do tilintar dos anéis que ela adorava usar, perfume esse do tipo “ame ou odeie”, marcante e adocicado, na real tinha que ter peito para usar e isso minha avó sempre teve, ela própria costureira (aliás minhas duas avós foram costureiras..rs...) que trabalhou a vida inteira para ajudar meu Nono a sustentar os filhos. Aprendeu a ler ouvindo atrás da porta da aula particular que era dada aos seus irmãos (“porque mulher não precisava estudar...”), aprendeu a costurar servindo de babá (“porque mulher não precisava ter ofício, senão ia sustentar marido...”) e teve que fugir de casa para casar com o meu Nono (“porque tinha que casar com libanês para continuar na família...”).

Meu desejo é que a luta dessas pequenas e grandes Chanels da vida, não seja em vão! Que um dia (e temo que só lá no porvir verei isso...), mulheres nunca mais sejam uma coisa a ser desfrutada, mas apenas pessoas a serem amadas e admiradas! Quero ir para cama com um homem que me veja inteira e que me ame como eu sou, não como ele gostaria que eu fosse (e que suporte as rugas que virão, a flacidez que deve chegar a qualquer momento, as estrias dos filhos que foram engendrados pelo amor, e todas as chatices eventuais do dia-a-dia), sem viver na sombra do medo de ser trocada por duas de 20 quando chegar aos 40, aos 50, aos 60! Digo isso com simplicidade, porque sei que a maioria das mulheres que conheço (veja bem, mulheres, não molecas cabeças-ocas de qualquer idade) amam seus homens por inteiro, como eles são...e se sabem que são verdadeiramente amadas e respeitadas, podem acolher também suas limitações, porque ninguém é perfeito!


E viva Chanel, vestidos pretos e cabelos curtos!!! rs

sábado, 14 de novembro de 2009

Ventos de mudança...

Começou bem devagar, uma brisa leve beijando o rosto e sussurrando em meus ouvidos umas coisinhas à toa, idéias boas, mas meio absurdas e sem muita possibilidade. Aos poucos foi encorpando, virou vento fresco em tarde quente, fazendo as coisas ficarem mais agradáveis, mais fáceis, mais possíveis e tudo que andava tedioso, estagnado, desesperançado passou a se colorir outra vez. Agora as coisas estão indo mais depressa, o vento vai virando tempestade, já sinto as coisas se movendo de lugar, não conseguem mais resistir à força dele, ventania de mudança, de transformação, logo estarei brincando de Dorothy no olho do furacão. A cada dia fico menos apreensiva e mais ansiosa por ver tudo tomar outra forma, de outro jeito, seguindo um outro caminho, o meu caminho!


Levei fama de não saber lidar com estabilidade, e na verdade durante um bom período estive sempre de malas prontas, meio cigana na estrada, sem parada fixa, sem lugar para repousar a cabeça. Nessa jornada aprendi que existe o tempo e o lugar certo para se plantar sementes, para criar raízes e ver florescer, no lugar/tempo errado nada é gerado, pura perda de tempo, ensaios do que seremos um dia. Não fico mais preocupada com essas coisas! Existem momentos em que demoramos muito para decidir, para atuar, para entrar pela porta que devemos entrar, mas quando finalmente entramos é por ter certeza absoluta de que é ali que queremos estar, não por falta de opção, não porque outras coisas não deram certo ou porque temos medo de não encontrar nunca o que buscamos, mas porque sabemos que é AQUELE o nosso caminho. Não acredito em prêmios de consolação ou em resignação, sou transparente demais e idealista demais para isso!

Sempre gostei da figura do vento, seja no real, seja em metáforas, o vento transformador do Espírito que é irresistível e sopra aonde quer, o sopro da vida nas narinas do homem que faz do pó alma vivente, o vento que leva tudo embora como na música melancólica do Renato Russo, o vento que traz você pra mim como na do JQuest...O vento dos espartilhos e do Rhett Butler (um dos meus favoritos nessa minha pequena obsessão por filmes da Guerra de Secessão...rs...) e até os furacões do “Twister” com suas correrias e trilha do Van Halen. Vento, ventania...


Se eu pensar bem, acho que virei psicoterapeuta aos 3 anos de idade, quando a sombra da morte resolveu visitar nossa casa e levou meu irmãozinho, depois minha irmãzinha e toda a vontade de viver da minha mãe. Foi um período rico de amor e pobre de alegria, haviam muitos silêncios e muitas ausências e foi quando aprendi a ler  as emoções alheias, a esconder as minhas e tentar fazer as coisas ficarem o melhor possível, foi também quando decidi cuidar de mim mesma! Podia ter seguido um outro rumo, podia ter escolhido uma profissão totalmente diferente, levar uma vida longe de um contato íntimo com o sofrimento das pessoas, mas a verdade é que nossa história por vezes nos traz dons, dons são para serem usados, e como nada é por acaso nessa nossa viagem, sou o que sou e não quero ser outra coisa...rs..Naturalmente, não fui em quem curou minha mãe, foi Deus, o tempo, o amor do meu pai, minhas irmãs que nasceram, mas me lembro dela ficar um tempão penteando meus cabelos meio absorta, ou me abraçando apertado demais antes de dormir, tantos vazios entre a gente, tantas coisas que não foram ditas e perguntas que não foram respondidas, tantos sentimentos estranhos, mas também tanto carinho...Minha mãe é uma das mulheres mais fortes que conheço e uma das mais frágeis também, e como é bom reconhecer e acolher as fragilidades de quem amamos, porque assim, podemos reconhecer e aceitar também as nossas!

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Cabelo curto e sonhos despedaçados...

Cortei o cabelo e foi como se me livrasse de vinte quilos. Ficou bonito e leve, sinto o vento deslizando amigo em meu pescoço, quando me olho no espelho sinto vontade outra vez que me maquiar e de usar brincos novos, colocar outros tipos de roupa e vestir sapato de salto alto de vez em quando. Sei lá, há muito de terapêutico em um simples corte de cabelo, sou eu mesma como há tanto tempo não conseguia ser, me sinto livre, sincera, aberta...


Tantas coisas na vida são tão mais complicadas do que deveriam ser, demorei tanto para fazer algo que eu desejava mesmo e já fazia tanto tempo, criei tantos dilemas em cima de algo tão pequeno...Que outras coisas venho complicando demais?

Dormi mal essa noite como durmo em quase todas, talvez o calor tenha ajudado dessa vez, mas era algo mais, algo denso, quase palpável ao meu redor, não era sufocante, apenas um pouco pesado demais, como quando estamos em carro cheio, dá para ficar, mas você quer que acabe logo! Percebi que nunca terei a segurança que preciso nas outras pessoas, nas minhas relações, no meu trabalho ou em qualquer coisa dessa vida fluida que vivemos... podemos e devemos ser responsáveis, mas todos nós somos imperfeitos, inseguros e carentes, de modo que, devemos fazer o melhor, mas nenhum de nós pode oferecer garantia completa, seja no que for!

Dar-se conta disso é abrir mão da nossa tentativa vã e infantil de ser independentes. TODOS PRECISAMOS DE ALGUÉM! Seja para segurar nossa mão quando estamos tristes, seja para compartilhar risadas nos momentos felizes roubados dessa nossa existência de luta. Até das minhas gatinhas eu preciso, o que seria de mim sem aquela meiguice peluda, acariciando meu rosto de manhã (5h40 pontualmente) e que me faz acordar feliz e bem humorada todos os dias?

Diz o C.S. Lewis que nossa vida aqui é só uma ante-sala, que os momentos alegres e doces que temos aqui servem apenas para nos deixar com saudades do lar que nos aguarda em outra dimensão, diz também que eles nunca serão freqüentes o suficiente para nos fazer confundir esse lugar com o nosso lugar. Fico pensando que se aqui já temos tantas coisas lindas para admirar e desfrutar, como será então esse nosso lugar? Esse que nos espera um dia?

Um coração pode ser despedaçado tantas vezes e de tantas maneiras, a ponto de não ter mais sequer forma,  e ainda assim, por motivos difíceis de compreender, o mesmo coração se enche de esperança cada vez que um bebê novo nasce ou que alguém descobre que ama alguém. Não há fim da linha para quem acredita na vida! Parece pieguice, parece ingenuidade, mas é o que eu sinto, mesmo quando dói...E eu sei que isso não vem de mim, vem de algo maior, algo que enxerga as coisas como um todo e não em partes.

Lembro do dia em que briguei com minha terapeuta por não agüentar mais ser esse pára-raios emocional que sou, daí ela riu com aquele seu humor tão especial e disse que se não podemos nos livrar de uma coisa, podemos fazer uso dela, e foi quando comecei a afiar minha ferramenta, a aprender a usá-la sem me ferir, ainda não sou tão boa na segunda parte...rs...mas gosto muito mais da primeira!

Sensibilidade, ela nos machuca mais quando olhamos só para o nosso umbigo, na medida em que olhamos mais para o outro ela facilita as coisas, serve como lubrificante, aquece as relações, aproxima, ajuda a descobrirmos o remédio certo. Só dá para usar com certa segurança quando decidimos parar de buscar a felicidade e passar a buscar um motivo maior para as nossas vidas! Cada vez que ouço alguém dizer que tem o direito de ser feliz me dá um arrepio, desse mato vai sair um monte de decisões equivocadas e pessoas feridas. Quando vamos parar de enxergar as pessoas como objetos para nosso uso-fruto? Se não víssemos as pessoas como passatempo, como distração, como algo feito para nos agradar, ou mesmo como algo utilitário, para alcançar nossos fins (nem sempre muito nobres), então nunca nos entediaríamos delas! Pessoas são sujeitos do verbo, nunca objetos...Quando as conhecemos, quando entramos na vida delas e permitimos que elas entrem nas nossas, estamos estabelecendo uma relação entre universos inteiros de sentimentos, pensamentos, valores e realidades. Ninguém existe para a satisfação de ninguém! Para informação, uma das crises mais comuns em consultórios, no que diz respeito às crianças, é o fato dos pais não aceitarem que seus filhos não são o que eles sonharam que fossem, uma injustiça desmedida para os pequenos, muita culpa e frustração para os grandes. Em uma palavra: EGOÍSMO!

Sonho com tardes cor-de-laranja, piqueniques e olhares de paz, sonho com sorrisos sinceros e toques para serem lembrados no "para sempre", sonho com cheiro de shampoo johnsons em cabecinhas bagunceiras e saudáveis, sonho com casa quentinha, comida gostosa e árvores de natal enfeitadas, sonho com família estruturada, marido amoroso, filhos e netos crescendo e virando boa gente, sonho com envelhecer de mãos dadas com alguém também envelhecendo. Sonhos que não sei se vou realizar!  Sonho porém com algo maior e certeiro, algo que já tenho aqui em parte e que um dia terei e verei face-a-face...Tendo isso, nada mais importa, sonhos despedaçados machucam, mas não matam.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Sobre o poder da verdade...

Todo mundo conhece uma das máximas de Cristo sobre o tema acima, o famoso:

"..conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.."

Como tudo o que existe na Bíblia, ouço esse verso nos mais diversos e estranhos contextos, para justificar as mais bizarras grosserias, para explicar toda sorte de insensibilidade e indiscrições. Mas fica a pergunta: A verdade liberta?

Eu sou árdua defensora da verdade, da clareza, da transparência, da habilidade de viver sem se esconder, de cara-limpa. Óbviamente, essa é uma das coisas mais difíceis de se fazer nesse mundo, inclusive, porque ao ser defensor e prático da verdade, inevitavelmente você se expôem muito e, como muitos vivem de ser sacanas e mentirosos, nos machucamos bastante.

Libertamos as pessoas quando dizemos a verdade, quando mostramos a elas quem realmente somos (isso quando já descobrimos quem somos...rs...pelo menos naquele momento), permitimos que elas nos vejam e compreendam melhor a relação que estabelecem conosco. Dizer a verdade é dar chão para que as pessoas se estruturem, é ser justo, é ser bom, é ser decente, é ser um ser humano do bem!

Dia desses um amigo querido me disse que quem trai, só trai a si mesmo! E diga-se de passagem, não existe traição sem mentira, aliás a traição em essência é uma mentira...É vero, quando traímos, traímos a nós mesmos (nossos valores, a vida que escolhemos, o amor que sentimos, o respeito que mantivemos até então), mas também traímos outra ou outras pessoas, não existe mentira ou traição sem promessas desfeitas, sem mágoas (muitas vezes proferidas injustamente) , sem vidas e sonhos destruídos.

Lembrei agora do filme "A Época da Inocência", na primeira vez que assisti, adolescente romântica que era, fiquei tão compadecida do amor frustrado do casal central, com raiva do homem que não teve coragem de abandonar seu compromisso e ficar com a mulher desejada, também fiquei achando a noivinha quase abandonada uma pequena víbora manipuladora...Hoje em dia, depois de ter tido tantas experiências estranhas na vida adulta, compreendo que nos momentos de dúvida e conflito, o que deve nos nortear são nossos valores, nossa consciência, nossa capacidade de avaliar as conseqüências de nossas atitudes e o que causaremos na vida de outras pessoas, me pergunto: Dá pra ser feliz destruindo a felicidade alheia?

Aos que acreditam mentir por amor, digo que quando mentimos não protegemos ninguém, até porque as emoções pairam ao nosso redor, o não-verbal fala mais alto que o verbal, nossa intuição tece toda verdade em nosso coração, ainda que não se fale a verdade para a mente. Esconder, mentir, enganar, iludir, manipular, contradizer, são armas prediletas daquele que alguns chamam de pai-da-mentira, você pode não acreditar em diabo, mas certamente já viu o mal atuando por aí sob alguma forma. Tanto se valorizou por aí tais capacidades como sendo sinônimos de inteligência e talento, mas afirmo com rigor que até um retardado sabe mentir!

A verdade dita para o bem, na hora certa, da forma certa e com propriedade salva vidas! Ela permite que se construam perspectivas reais para a existência, num mundo onde tudo é imagem, sinto falta de um pouco de vida real. Onde estão os grandes defensores da verdade? Quando teremos vozes do bem falando mais alto que esse pão-e-circo que tem dominado até as mentes mais férteis?

Tem horas que meu corpo e minha alma clamam tanto por verdade que fico cansada de viver!

Falemos a verdade, amigos, senão por convicção pessoal, ao menos por caridade!

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Clones ou mulher-ânima e homem-animus...

Tomei o maior susto do mundo esses dias ao me deparar com uma figura que simples e inexplicavelmente, decidiu ser igual a mim! Naturalmente, se fosse alguma adolescente novinha, ou mesmo minha sobrinha pequena, teria ficado até lisonjeada com a homenagem, mas pasmem, era uma pessoa adulta...Na hora achei tão despropositado e assustador que fiquei sem ação, diante de alguém tentando copiar você nas mínimas coisas: gosto pessoal, opiniões a respeito da vida, jeito de ser e agir, quem não pensaria naquele filme "mulher solteira procura" ?

Fiquei com medo, depois com raiva, depois comecei a pensar no assunto, refletir nas razões daquilo e, surpreendentemente passei a ver outros casos semelhantes ao meu redor.

Pensando um pouco no que já li e vi sobre esse tema, lembrei dos famosos camaleões-emocionais, aqueles que sem uma identidade definida e carentes de um afeto genuíno que possam fazer o que seus primeiros modelos não fizeram (ou seja, não foram OLHADOS o suficiente quando pequenos e, portanto, não se tornaram EXiSTENTES e NÃO SÃO), acabam por tornar-se o que seus objetos de amor querem que eles sejam, aderem-se à um modelo determinado pelo gosto pessoal daquele que promete oferecer o que lhes falta, copiam esse modelo, se tornam esse modelo e podem viver anos SENDO o que não são, até que essa relação termine, ou porque eles mesmos amadurecem e conseguem definir uma verdadeira identidade ou porque seus parceiros percebem o vazio dentro da suposta mulher-perfeita ou homem-perfeito e, ao se dar conta de estar amando uma miragem, acabam partindo.

Na literatura Junguiana são chamados de mulher-ânima ou homem- animus, isso porque, segundo essa teoria, todos temos dentro de nós um figura masculina ideal (animus) e uma feminina ideal (anima). Esses seres sem forma psíquica acabam por identificar dentro de nós esse objeto ideal e interpretá-lo ativamente em sua vida, tornando-se assim e por algum tempo, exatamente o que desejamos. Incrível a versatilidade e rapidez com que mudam de idéia, valores, gostos e personalidade, passando de franco-atiradoras à virgens-indefesas num piscar de olhos, de mulher-objeto a feminista-intelectualóide, de maloqueiros a mauricinhos, de canalhas a príncipe encantados. Assustador e cada vez mais visto por aí, já pensou ir dormir com a Lady Di e acordar com a Dona Chepa? Rs

Naturalmente esse quadro se traduz em desordem psíquica, bastante grave inclusive,  em casos mais graves, até Transtorno de Personalidades Dissociativas...Ou, nos mais corriqueiros, o que encontramos mesmo é muita mentira, simulação, ilusão, todo tipo de distorção e canalhice, tudo justificado pela premissa mais injusta da Terra: vale tudo no amor e na guerra!

Onde estarão a verdade, a originalidade, a transparência, o prazer e a liberdade de se ser amado pelo que se é, não pelo que se faz para obter? Por que achamos que um sentimento nascido com base no engano, no fingimento, na representação infame, na utilização do coração de terceiros como moeda de troca e passe de ciúme, pode dar certo? Quando experimentaremos novamente o amor genuíno, baseado em verdade, na simples troca de olhares, afeto e experiência de vida? Quando poderemos ser quem somos, ser admirados e amados, sem ser meramente invejados e copiados por malucos imaturos e desnorteados que não sabem quem são e jamais saberão porque procuram fora o que não encontram dentro?

Em suma, pelo amor de Deus, figura, não queira ser igual a mim, seja você doa a quem doer! Modelos são bons para nos ensinar idéias, valores, visão de mundo, e tantas outras coisas, mas ninguém pode ser quem não é, somos únicos em nós mesmos. Conselho: Vá trabalhar sua auto-estima!

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Sobre flores voando ao vento...

Hoje de manhã vi uma das cenas mais lindas dos últimos tempos e ela aconteceu em meu próprio quintal: Tenho esse pequeno jardim, com vários tipos de flores do campo, algumas ervas e algumas daquelas plantinhas parecidas com algodão que se soltam no vento voluntariamente em determinadas épocas do ano. Abri a porta de casa para sair neste lindo domingo de sol e me vi em alguma espécie de filme de realismo fantástico, centenas dessas pequenas flores flutuavam no ar ao meu redor, bem devagar como em um sonho, fiquei muito emocionada e feliz, achando que o dia só poderia ser especial, agradeci pela primavera que começou dia 22/09 e por ter saído de casa exatamente naquele horário para ver como a vida é poética e como Deus é bom.

Cheguei antes ao trabalho para nosso cineclube e sai da sessão com um nó na garganta, é vero que ando uma manteiga derretida, mas dessa vez com boa razão, havia uma cena no filme muito semelhante àquela do meu quintal, como em tantas outras vezes na minha vida fiquei com o coração batendo mais forte, coincidências desse tipo nem sempre são obra do acaso, Deus ia falar comigo e nem sempre é algo fácil de ouvir.

Uma vez meu pai me disse que a Bíblia era um livro que se prestava a qualquer heresia, isso porque existem infinitas interpretações possíveis e cada religioso acaba por esticar um pouquinho para o seu lado, para poder esquentar sua própria sardinha.

No filme Dúvida, isso fica muito claro desde o início, temos duas ou três versões do cristianismo, todas tentando conviver no espaço da mesma igreja, sob os mesmos dogmas, sobre o mesmo hábito e para variar não conseguindo nada além de ruptura, mau testemunho, fé abalada, vidas feridas, enfim...

Fé e certeza, questionamento e dúvida, compaixão e justiça, lei e graça...Dali a pouco temos uma religiosa pronta a abrir mão dos votos feitos e até a ir para o inferno na busca cega de provar sua certeza, baseada apenas em impressões, arriscando o futuro de uma criança, a reputação de um irmão, o crescimento e transformação de uma comunidade. A verdade não importava, o bem estar das pessoas não importava, o que realmente importava era sua convicção, que ao final titubeia.

Passei a olhar para dentro de mim (esse hábito estranho que tenho desde criança), e de minhas próprias incoerências como cristã: como é difícil ser cristão, como é difícil amar ao próximo como a nós mesmos, como é difícil dizer sempre a verdade, como é difícil pensar em agradar a Deus sempre que nos vemos diante de coisas que queremos tanto e Ele não, como é difícil manter valores, acolher os fracos e necessitados, dar uma outra chance aos que erram e querem acertar, compartilhar o pão e a vida, consolar os que choram, dar a outra face aos que nos ofendem, defender a justiça, e tantas outras coisas que ser cristão envolve.


Fiquei triste por ter descoberto nos últimos tempos como é difícil perdoar, sempre foi tão fácil pra mim antes, agora me vejo carregando mágoas e isso me magoa mais ainda, porque me parece tão injusto comigo mesma e com as outras pessoas. Percebi que essas mágoas me fazem adoecer, me tornam cinza, justo eu que sempre iluminei os lugares por onde passei, não quero que essas coisas corrompam coisa boas, sentimentos puros, momentos felizes, minha capacidade de ter compaixão, de tolerar as limitações alheias e as minhas próprias.


C.S.Lewis diz que amor é uma decisão, você começa agindo como quem ama e então ama, assim é como aprendemos a amar a Deus e é assim que aprendemos a liberar perdão, decidindo e atuando. Deus nos ama e nada recebe de nós, além de momentos de adoração imperfeitos e pedidos de perdão constantes, ainda assim nos ama e nos perdoa. Anos atrás pedi a Deus que me ensinasse a amar de verdade, Ele me ensinou, o que descobri é que esse tipo de amor só Ele consegue manter, porque Ele não precisa de retribuição para seguir nos amando, nós precisamos, somos incompletos e carentes, Deus não. Nós todos - seres humanos - precisamos de cuidado, de respeito, de reconhecimento, ao menos de justiça, quando isso falta, somos feridos e quanto mais amamos quem nos fere, maior a dor e maior a mágoa, maior a sensação de injustiça. Cristo foi traído por seus amigos, abandonado, pregado numa cruz e perdoou de imediato, como Ele deve crescer em nós e como nosso eu deve diminuir. Ninguém perdoa fácil um golpe gratuito e imerecido, Ele sim. Por isso Ele é quem é, e somos quem somos.

Pouco adianta encher nossa mente e coração de teologia e conceitos teóricos de fé, cristianismo é a prática do bem, ninguém é cristão sem fé, ninguém é cristão sem boas obras. Sozinhos não conseguimos, porque somos humanos frágeis e falhos, pequenos e egoístas por natureza, por isso contamos com a Graça e uns com os outros. Quero aprender a ser toda perdão e compaixão, como Cristo foi, a acreditar que as pessoas mudam e melhoram, que eu mesma posso mudar e melhorar.

No filme as folhas no vento ilustram o fato de que palavras soltas não podem ser recolhidas, em meu quintal simbolizam o fato de que mágoas liberadas não retornam ao coração.

Deus disse: Just let go...

Falou com muita beleza e poesia, exatamente como sempre digo que Ele fala: quando estamos prontos para ouvir, de um jeito que a gente possa entender, jeito que faça sentido para nós, que nos toque verdadeiramente.

Desejo que Ele fale assim com vocês também...

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

O reizinho mandão

Esse pequeno clássico da Ruth Rocha, conta a história de um rei menino mimado e mandão que tanto implicou e foi autoritário que seu povo emudeceu com medo dele. Óbvia metáfora de crianças mimadas, cada vez mais comum hoje em dia encontrar tais reizinhos nas casas, e seus súditos em pânico: os próprios pais.

Será que foi a psicologia quem desautorizou as figuras paternas, discurso muito popular disseminado por aí? Não sei, estudo psicologia há muito tempo e nunca li em lugar nenhum que os pais não devem repreender, orientar e educar seus filhos, somos contra a violência e os excessos abusivos, mas sabemos que crianças sem limites bem definidos têm os mesmo sintomas de crianças abandonadas na rua, a grande maioria apresenta transtornos de conduta graves, que acabam por lhes garantir um futuro bastante tenebroso. E aí, lembro de uma figura célebre que conheci quando fazia estágio em um presídio: jovem muito bonito, loiro de olhos azuis no maior estilo James Dean, filho de gente rica e bem formada, estudante dos melhores colégios, com as melhores oportunidades e chefe de uma quadrilha perigosíssima, com um curriculum vitae bastante respeitado pelos gênios do crime, recebia visitas íntimas constantes de sua namoradinha modelete e tinha várias regalias dentro da penitenciária, diga-se de passagem, uma das mais confortáveis do país. Reizinho bandido mandão!


Estava almoçando esses dias com um amigo e discutíamos sobre nossos animaizinhos de estimação (eu com minhas gatas estrelas de cinema, ele e a esposa com sua cachorrinha francesa) e rimos muito comentando as agruras e delícias de cuidar deles e tentar adestrá-los de acordo com as melhores regras de sobrevivência entre espécies, depois dele me fazer lembrar do filme/livro “Marley e eu ” algumas vezes, estacamos no seguinte insight: Como deve ser difícil educar uma criança!


Ambos queremos ser pais um dia, mas fazendo um brainstorm rápido, contendo todas as horas sem dormir, vômitos, dores, malcriações e fases das crianças, todas as mudanças na vida do casal (como, por exemplo, o fato de sexo virar lenda por um bom tempo, gastos, alteração de ritmo de vida, etc...) e todas as transformações de identidade que ser pai/mãe envolvem, ficamos um pouco atônitos. Nada que uma carinha suja de mingau não minimizasse (pelo menos para mim que adoro crianças e amo bebês), mas sim, ficamos muito conscientes do enorme desafio que é ter um filho, dois ou três, quem sabe...


De tudo, ensinar valores e moldar o caráter parece ser o mais complexo em qualquer geração: tenho visto pais levando verdadeiras “lavadas” dos filhos em shoppings e super-mercados, tenho conhecido crianças absurdamente manipuladoras causando depressão clínica em suas mães super-permissivas, será que temos formado pequenos sociopatas em nosso seio? De início, culpo a relativização dos valores e costumes, se tudo pode ser tudo, como traçar caminhos para o indivíduo? Como ensinar a fazer escolhas, especialmente escolhas certas? Não dá para educar sem sair do muro, para ser bom educador temos que nos posicionar, temos que dizer pode e não pode, certo e errado, sim e não. Ser pai não significa ser sempre legal e popular para o filho, será que estamos prontos para não ser sempre amados e admirados? Nossa auto-estima fragilizada suportaria? Temos maturidade suficiente para isso? Ser bom pai é ser um bom adulto – conseqüente, sensato, responsável, altruísta, capaz de admitir erros e corrigi-los, é ter honra, dignidade e valores, compromisso com a verdade, é ser capaz de amar outra pessoa mais do que a si mesmo e, colocar o bem estar e segurança dessa pequena pessoa acima de si mesmo, ser bom pai é acreditar em Deus mesmo não acreditando, é plantar no presente sementes para o futuro - regar, podar - é se envolver, se comprometer com uma causa maior.


Tentamos mudar o mundo de fora para dentro, no passado achamos que grandes sistemas, grandes guerras, grandes ideologias coletivas poderiam transformar nossa sociedade em alguma espécie de mundo ideal, mas o caminho para um mundo real melhor é de dentro para fora, do indivíduo para o coletivo, do micro para o macro, da familia para a sociedade. Caminho muito mais complexo e mais demorado, também menos dramático, menos hedonista, menos consumista, menos imediatista, também sem tantas glórias e massacres - e por isso mesmo, caminho muito mais eficaz!

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Escritora de vila

Dia desses, numa dessas minhas caminhadas sem rumo pelo bairro (eu adoro caminhar sem hora para voltar...), encontrei na avenida uma amiga de infância, já não nos víamos há anos e ela ficou surpresa de me ver por ali depois de saracotear de norte a sul por tanto tempo.

Começamos a rir lembrando de nossas brincadeiras, dos batismos de bonecas, concursos de miss, peças de teatro, escolinhas, chás da cinco, maquiagens, oficinas de costura, e todas essas coisas construtivas que as meninas fazem quando estão sozinhas entre si.

- E aí, continua escrevendo? – Perguntou ela com aquela esperança nostálgica de que alguém tenha realizado seus sonhos de criança, ela própria cantora frustrada com bela voz, filho na adolescência e carreira promissora como enfermeira padrão em um bom hospital.


Respondi sorrindo com minha timidez característica de toda vez que falo de mim, escrevo sim, mas do meu jeito quase anônimo. Ela riu muito, dizendo que isso era mesmo a minha cara, que era um desperdício, que eu escrevia tão bem, que devia investir e ganhar dinheiro com isso.


- Fora que como vai ter idéias nessa vila?


Nessa hora lembrei do Érico Veríssimo e da cidade de Cruz Alta/RS onde nasceu e viveu um bom tempo. Fiz questão de conhecer depois de ter lido toda a saga dos Rodrigo Cambará, confesso ter ficado um pouco perplexa diante dela, poeirenta, feiosa, meio sem graça mesmo, pensei muito sobre a questão da inspiração, do que nos faz ser criativos, do que nos dá imaginação. Recordo que sentei na pracinha meio capenga, fiquei parada esperando que algo acontecesse e segundos depois, as coisas realmente se revelaram, estava tudo ali: a igrejinha escura no centro da praça, palco de tantos casamentos, batizados e funerais, palco da revolução farroupilha,e de tantas outras brigas de lenços da política gaúcha, a velhinha beata de véu preto e sombrinha rendada dos tempos de moça em que havia se apaixonado pelo padre, o peão segurando o arreio do cavalo imponente que comandava a boiada, até o ricaço meio brega, de família tradicional que dava em cima das mocinhas pobres e tolas que trabalhavam na lojinha de quinquilharias do centro. Muitas histórias pra ouvir e pra contar. Tudo ali apenas esperando uma pena habilidosa!


Embora eu goste muito de viagens e reconheça seu potencial enriquecedor, ninguém precisa viajar pelo mundo (ou para fora dele) para ter imaginação; diz-se que Balzac tinha uma vida social ínfima, quase não ia a festas e trocava tudo para estar em casa escrevendo, Proust mal saiu do quarto durante toda sua vida, o que dizer de Jane Austen e das irmãs Brontë, filhas de pastor na era vitoriana? Aliás, filhas de pastor costumam ser muito talentosas, conheço várias poetizas, escritoras, musicistas. Talvez seja o ambiente um tanto metafísico em que somos criadas, sei lá...rs...


Ninguém precisa chafurdar nas drogas pra ser criativo, ou mesmo vestir máscaras na vida real para interpretar personagens, ninguém precisa se suicidar para se tornar um gênio, ou passar por overdoses para imortalizar sua música. A única coisa necessária é talento! Van Gogh podia ter cortado as duas orelhas, pés e mãos e se não fosse um grande pintor, não teria sido reconhecido como é hoje...


Gosto de ser escritora amadora de vila, gosto de ser simples e anônima, gosto de ter uma vida normal (ou quase), gosto de ser pequena e livre, gosto de ser reconhecida e admirada pelas pessoas que realmente me conhecem, gosto de escrever para quem eu amo (cartas, histórias, reflexões), para quem eu - pessoa - realmente importo.


Amo os grandes escritores, sou grata por eles terem se feito grandes, e amplamente divulgados, porque assim posso lê-los! Quanto a mim, meu real talento é cuidar, também cuido quando escrevo, cuido da alma, assim como quando atendo na clínica ou na loja. Prefiro tocar nas pessoas individualmente, toque sutil, profundo e para sempre, às vezes dura anos, às vezes minutos, mas sempre causam algum efeito, em geral, benéfico...rs...


No final, o que realmente importa é quem somos de verdade, aquele cara no espelho de antes de dormir, e o que fizemos por aqueles que atravessaram nosso caminho. Fico um pouco surpresa comigo mesma por ser jovem e ter consciência plena dessas coisas, por não me deslumbrar com as futilidades fúteis do dia-a-dia, dou todo o mérito aos meus pais e avós, pela sensatez de terem nos ensinado sobre seus próprios erros e acertos com tanta honestidade.
Pequena homenagem ao meu avô, o herói de guerra anônimo mais famoso que já conheci: Nossa vila te adora, Nono! Todo mundo comenta sobre você quando paro nas mercearias, bazares e docerias...

sábado, 12 de setembro de 2009

Reformando a vida, amando uma casa, vivendo o presente e preparando o futuro...

Estou em vias de começar a ajeitar minha casinha, construir meu consultório e arrumar as coisas do meu jeito. Isso para depois poder seguir em frente, ter mais tempo para estudar e investir nos sonhos que tive e tenho, suspendi por alguns anos e vou retomar!


Cada parte dessa reforma é um pedaço de mim que estou lavando, pintando, erguendo, modificando, repensando. Tudo é muito rico, mas exige um esforço brutal e ontem me peguei pensando que há muito tempo não descanso de verdade, preciso planejar isso também, assim que acabar a reforma, páro e descanso um pouco, sem ansiedade, sem stress, sem planos mirabolantes, pelo menos por um mês...


Ser adulto e ter coragem de fazer escolhas é sempre a maior das conquistas! E para fazer escolhas precisamos ser muito perspicazes conosco mesmos, devemos olhar para dentro e refletir o que realmente tem a ver com a gente nessa vida, falando de mim, afirmo que já lutei tanto em busca de tantas e variadas coisas e quando fui sincera comigo mesma, descobri que o que verdadeiramente preciso é tão mais simples do que imaginava: Sinceridade, bondade, gentileza, um pouco de humor e de ironia, muita luz, clima ameno, casa pequena e aconchegante como um abraço, pessoas curiosas e inteligentes,  pessoas boas e verdadeiras, pessoas simples e felizes, a companhia carinhosa das minhas gatinhas, flores de todas as cores, formatos e tamanhos, muitos perfumes e muitos sabores, lugares diversos  para conhecer, bons livros para ler, bons filmes pra assistir, um antigo e útil piano (sim, eu voltei para o piano) e muita música, um trabalho interessante por fazer, para trazer sustento e liberdade, um amor verdadeiro-corajoso-duradouro pelo qual se viver e Deus, muito de Deus na minha vida. O resto é pura purpurina!!!


Ando leve, aérea e um pouco frágil  nos últimos dias, deve ser inferno astral (dizem minhas amigas que acreditam em astrologia) por causa do aniversário chegando, mas acho que não (nem chorei dessa vez por mais um ano, decidi entrar na fila para adoção de crianças ano que vem, então acho que não choro nesse aniversário...rs...), acho que é só um período de transição, eles são sempre muito alongados e cansativos, mas sempre ricos de aprendizagem. Fico pensando de onde herdei esse otimismo teimoso, quase beirando à intransigência, sei lá, vai ver aprendi com o apóstolo Paulo (que apesar do temperamento insalubre, diz a tradição...) se dizia feliz em toda e qualquer situação!


Vou acreditar pela milézima vez na primavera que sempre consegue trazer o sol depois de um inverno cinza chuvoso, vou continuar sorrindo demais e criando pézinhos de galinha em volta dos olhos por conta disso, vou seguir envelhecendo (muito bem, obrigada...igual a minha mãe) bastante esperançosa, vivendo essa vida com coração de criança e alma de velha! Ainda bem, né?

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

A Mulher Esqueleto...

"...para começar a cura, pare de se iludir com a idéia de que um pequeno paliativo irá consertar uma perna quebrada. Seja franco frente às suas feridas, e assim terá uma imagem correta do remédio necessário. Não jogue no vazio o que for mais fácil ou estiver mais disponível. FAÇA QUESTÃO DO MEDICAMENTO ADEQUADO. Você o reconhecerá porque ele irá fortalecer sua vida, em vez de enfraquecê-la."
Clarisse Pinkola Estés

Dia desses me peguei surpreendida pela constância e intensidade com as quais nos apegamos a coisas verdadeiramente prejudiciais, apenas pelo conforto de um falso sentimento de segurança que coisas ruins, desde que velhas conhecidas, nos transmitem. Passamos dias, meses e anos chafurdando em auto-boicote com medo apenas de atravessar a porta e sair pela vida em busca de algo que nos faça BEM, nos condenando à uma vida miserável de mesmice e de correr atrás do próprio rabo, nos conformando com esse rápido alívio de quando desistimos de um novo desafio, de uma saída para algo novo e melhor, esse pequeno suspiro de - Ufa, escapei de mais uma, posso continuar criança para sempre!

Bastante cômica essa decisão de perpetuar nossas covardias, se pensarmos que viver nas mesmas dores de uma doença emocional crônica é muito mais doloroso do que tentar ser feliz de alguma forma. Passei um longo tempo em hibernação afetiva: me protegendo de novas feridas, cicatrizando as antigas, fugindo de coisas que temia me fazerem mal, tudo isso para descobrir, ou melhor, para admitir, que nunca sofri tanto na vida do que nesse período em que supostamente estava me preservando!

Sabemos do que precisamos para ser feliz e mais completos! Muitas vezes está diante de nós, basta o esforço de estender a mão e pegar, aquele algo que nos fará ser o melhor nós mesmos que poderíamos ser...

Quando olhamos para esse algo, que alguns chamam de alma-gêmea e eu chamo apenas de: parceiro certo de viagem (seja uma pessoa, um trabalho, um sonho...), um medo estranho nos acomete, sabemos que nossa vida nunca mais será a mesma! A primeira reação é fugir, colocar na balança tudo o que teremos que abrir mão para seguir esse algo, ficamos apavorados porque não conhecemos o resultado disso, apostamos em nossas falhas, damos todas as desculpas esfarrapadas possíveis, tememos perder nossa liberdade, nossa autonomia, nossa integridade, nossos valores e, na verdade, ao abrir mão desse algo, nos condenamos à uma meia-vida perene, à uma angústia profunda que nos incomodará pelo resto da vida.

Clarice Pinkola, em sua obra "Mulheres que correm com os lobos", compara nosso encontro com o amor com um encontro com "A Mulher Esqueleto", segue o conto e alguns trechos da autora, uma psicóloga Junguiana e também contadora de histórias:
Anna olhou o próprio reflexo pelo retrovisor pela enézima vez. De onde saíra essa pequena ruga entre as sobrancelhas? Notou o taxista observando sua expressão no espelho e desviou o olhar, meio embaraçada, ela precisava apenas acalmar-se, tudo daria certo, tudo ficaria bem no final...

Tentando mudar o foco de seus pensamentos, acabou perplexa e outra vez sentada sobre uma montanha de sonhos falidos, em vão tentando afastar a sombra de seus fracassos, resgatar a esperança na vida e em si mesma, vasculhar seu interior e sua história em busca do que REALMENTE lhe dava prazer e sentido na vida.

Sempre soube que amava ler e escrever, aprender e ensinar! Adorava descobrir o potencial das pessoas e ajudá-las a encontrar o caminho até ele. Sempre tão boa nisso, por que não conseguia simplesmente fazer o mesmo por si mesma? Até que ponto sua autoconfiança fora atingida por todas as confusões que se sucederam? Como se perdera a ponto de não conseguir mais, sequer se reconhecer? Releu tantas vezes seus diários mais antigos e, em tudo que lia, era como se não tivesse vivido aquela vida ali relatada. Sentia-se um mero simulacro, uma persona mal arranjada, um personagem secundário na própria vida.

Conhecer as pessoas de perto tinha sido no passado sua grande motivação, gostava de olhar para elas e entrar por aquela brecha pequena que nem todos conseguem notar. Adorava perceber o detalhe específico que tornava cada pessoa única! Não sabia viver sem esse contato, sem essa relação de troca profunda e secreta. Decidiu então que fosse qual fosse o preço disso, e ainda que houvesse perdido tanto de sua sensibilidade, de sua percepção, seguiria estudando, ensinando e aprendendo sobre as pessoas! Desejava também ter mais tempo dentro da vida, tempo para cuidar de sua casa, para tratar de si mesma, para fazer novos amigos e esquecer os antigos, tempo para ler mais, para ouvir mais, para sentir mais, para crescer mais...