A pele que habito

A pele que habito

sexta-feira, 30 de julho de 2010

A igreja e o sexo

“ A prova de nossa obediência aos ensinamentos de Cristo é a conscientização de nosso fracasso em alcançar um ideal perfeito. O grau em que nos aproximamos dessa perfeição não pode ser visto; tudo o que podemos ver é a extensão do nosso afastamento. “ Leon Tolstoi


“ A qualidade da misericórdia não está deformada.
Cai como a mansa chuva do céu...
E o poder da terra vai então mostrar-se como o de Deus.
Quando a misericórdia tempera a justiça. “
Shakespeare, O mercador de Veneza



Já faz tempo vivo nesse estágio intermediário muito esquisito, na igreja (ou nas rodas mais fundamentalistas da igreja) sou vista e taxada como rebelde, radical, pica-fumo, questionadora demais, carnal demais, mundana demais...Por outro lado, no mundo dos não-cristãos, sou puritana, santinha, anjo na terra, alguém impecável, não contaminada, alguém que não pode se envolver com coisas desse mundo, alguém que não compreenderia o que rola com as outras pessoas!

Sinceramente, não há muito que se fazer a respeito porque nunca vou concordar com o falso moralismo eclesiástico nem com as inconseqüências da vida sem Deus, sendo assim, sigo tentando não me conformar, mas ao menos me adaptar para ter uma vida um pouco menos ardida, ser um pouco menos inconveniente em ambos os lados da coisa, já que transito pelos dois e acabo não pertencendo a nenhum, sou da igreja sim, mas da invisível, sou desse mundo sim, mas de um mundo que ainda está sendo construído, um outro mundo...um mundo melhor!

Semana passada, em uma das minhas cada vez mais raras visitas à escola dominical, me pego ouvindo pela milionésima vez que é necessário marcar um dia com os jovens para se falar sobre sexo antes do casamento. Confesso que meu estômago embrulhou, até quando vamos perder tempo com as neuroses de pais que não conseguem viver sem especular sobre a vida sexual de seus filhos? Alguém tem dúvidas de que num mundo perfeito todo mundo encontraria a alma gêmea aos 15 anos, se casaria com ela e seria feliz para sempre até os 120 anos? Sem frustrações, sem corações partidos, sem gravidez indesejada, sem dificuldades referentes ao desejo, orgasmo, ejaculação precoce, adultérios e tudo mais que pode envolver uma relação homem-mulher? Por Deus do Céu, o ideal sempre é algo a ser buscado, mas raramente é alcançado nesse mundo caído... Por que essa obsessão na vida sexual das pessoas? Não seria melhor gastarmos tempo em trabalhar o caráter de nossos adolescentes? Afinal, sexo antes do casamento é tão pecado quanto comer demais na janta, por que então não investimos em reeducação alimentar? rs

Naturalmente (e quem me conhece mais de perto sabe disso) condeno completamente a banalização do sexo, especialmente a pornografia (esse foco de abuso da imagem do corpo, em especial do corpo feminino, que transforma a relação sexual em uma grande mentira recheada de peitos de plástico, gemidos fingidos, situações impossíveis e de todo tipo de mau gosto relacionado ao ato) e as relações casuais (consentidas ou não, na maioria dos casos alguém sempre faz alguém de bobo e isso é muito ruim...), mas não entendo o que de tão absurdamente crucial pode advir de duas pessoas adultas que se amam e pensam mesmo em se comprometer decidirem se envolver a esse ponto.

Quem já teve alguma experiência com igrejas sabe que são instalados verdadeiros tribunais para averiguar tais casos, em algumas denominações moças que engravidam sequer podem casar-se na igreja, muitos casais têm uma experiência de exposição tão grande que nunca mais conseguem ter uma vida sexual sadia e prazerosa, mesmo depois de casados (isso é fato, caso comum nos consultórios de terapeutas de casais que atendem a esse público), a pergunta fica: - Por que tanta ênfase nisso?

Ando muito, muito farta de dedos em riste e poucas mãos acolhedoras, onde andará a misericórdia?

Nunca fui mesmo de me omitir! Já que a aula era de fórum aberto e eu a única psicóloga presente, foi solicitada minha opinião a respeito. Como sempre fui muito sincera, falei da minha preocupação com as doenças emocionais advindas desse tipo de ensinamento (na verdade o problema em si não é nem o ensinamento, mas sim a maneira como as coisas são conduzidas), falei também que em minha opinião educação sexual como todos os outros aspectos referentes a usos e costumes pessoais são assuntos para serem tratados em família e com pessoas de confiança e não numa assembléia de mais de 200 pessoas que mal conhecemos e que não tem o direito nem o dever de julgar a vida das outras pessoas, falei também que não conseguia compreender a razão pela qual esse tipo de assunto acaba tendo muito mais importância dentro da igreja do que as coisas básicas como nosso relacionamento com Deus, por exemplo. Notoriamente minha resposta deixou mais perguntas no ar, algumas pessoas me parabenizaram, outras apenas balançaram a cabeça negativamente como a dizer: - Essa não tem jeito mesmo...rs....

Ando muito farta de algumas coisas, entre elas esse tipo de perda de tempo com fofocas e especulação da vida alheia (sim porque esse tipo de assunto não passa de curiosidade mórbida e uma maneira dos santarrões de plantão se vingarem dos que estão fazendo o que eles gostariam de estar fazendo)! Tenho em mim essa nítida percepção de que se algumas coisas fossem administradas com mais amor e com menos punição teríamos muito maiores resultados.

Alguns adolescentes se envolvem precocemente com sexo (também com drogas) por carência afetiva (famílias sem amor e comunicação suficientes), por necessidade de auto-afirmação (os garotos que o digam, começam a sofrer pressão para perder a virgindade cada vez mais cedo hoje em dia, além de não estarem preparados emocionalmente, alguns não estão prontos nem fisicamente...), por insatisfação e falta de sentido na vida (adolescentes e jovens precisam de sonhos, desafios, ideais para alcançar ou cairão no vazio existencial que é uma grande armadilha) e por mera curiosidade. Por que não investir em informação responsável? Por que não investir na saúde e desenvolvimento das famílias para que elas possam gerar filhos mais maduros e mais felizes? Por que não investir na educação formal de nossas crianças para que existam mais prazeres na vida do que uma trepada? Criamos um bando de cabeças ocas e depois queremos colocar-lhes cabrestos...Mundo injusto esse, onde colocaremos nossa libido se não existe nada dentro de nós?

A igreja se ocupa de tentar limitar o acesso ao sexo desde a idade média, acesso esse que temos ao alcance das mãos, em nosso próprio corpo desde que nascemos, se ao invés disso fosse investido mais tempo e dedicação ao nosso acesso à alma o sexo jamais ocuparia mais lugar do que lhe é devido, ou seja, uma parte das nossas vidas e não ela toda!