A pele que habito

A pele que habito

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

DIÁLOGO?

 

De acordo com a Wikipédia, a nova autoridade absoluta em conhecimento para a maioria da população, a definição de diálogo é essa:

 

Diálogo (em grego antigoδιάλογος diálogos[1]) é a conversação entre duas ou mais pessoas. Muitos acreditam erroneamente que "di" significaria "dois", e portanto a palavra se limitaria à conversa entre duas pessoas. No entanto, a palavra, que vem do grego, é formada pelo prefixo dia-, que significa "por intermédio de", e por logos, que significa "palavra". Ou seja, "por meio da palavra", designando "conversa" ou "conversação".[2] Embora se desenvolva a partir de pontos de vista diferentes, o verdadeiro diálogo supõe um clima de boa vontade e compreensão recíproca.[3] Como um gênero, os diálogos mais antigos remontam no Oriente Médio e Ásia ao ano de 1433 no Japão, disputas sumérias preservadas em cópias a partir do final do terceiro milênio a.C.[4]

 

Definição mais superficial, só se a gente perguntar para uma criança de 6 anos. Inclusive, se ela for inteligente, pode se sair com ideias mais úteis.

Essa palavra ‘conversação’ me remete a um filme antigo, dirigido por Francis Ford Copolla antes de eu nascer, que protagonizado por Gene Hackman, narra a história de uma espécie de detetive, contratado para espionar as conversas de um casal de amantes, lidando com um conflito ético em torno das consequências desse seu trabalho e com culpas passadas. O enredo do filme, feito no auge da Guerra Fria, se insere na lógica conspiratória que, na atualidade, novamente toma o horizonte do mundo, indicando que nada mais é o que parece, que as lutas de poder na verdade são sempre mais ocultas e mais misteriosas do que percebem as pessoas comuns, a desinformação definindo as relações, as sucessões no poder e pervertendo verdades fundamentais como a liberdade, a democracia, a justiça e até a condição humana. Vale a pena assistir ou re-assistir, já que nunca me pareceu tão atual.

Os jogos de poder que vemos todos os dias diante dos nossos olhos, recheados de intrigas e mentiras, de narrativas ilusórias ou mal interpretadas que têm a explícita intenção de nos distrair, a utilização espúria de uma mídia, na maior parte vendida, e a hipocrisia daqueles que pregam o diálogo (sempre unilateral, entre seus próprios pares, com a intenção nunca de gerar discussões verdadeiras, mas de retroalimentar essa ou aquela trama ideológica), unidos a uma população, na maioria muito ignorante (por opção, já que a preguiça e o vício em entretenimento vazio impera na vida de muitos, ou por condição, já que nada tem sido feito em prol de uma redução séria da desigualdade social e de uma distribuição justa de oportunidades), vêm construindo uma onda de caos social, político e existencial cuja consequência óbvia será a morte de todos os maiores e melhores ideais humanos e a instalação de algum tipo de governo autoritário, que seja de uma orientação mais à esquerda ou mais à direita, será o marco definitivo do extermínio da liberdade individual e do conceito que temos de indivíduo e de sujeito.

E ao incauto advirto: Não há, no Brasil, diferença prática entre radicais de esquerda e de direita. Aliás, não há diferença prática entre radicais de coisa alguma. O mote primeiro na vida de um radical é o desprezo e o desrespeito absoluto pela escolha do outro, quando difere da sua. Quando eu desprezo e desrespeito a escolha do outro, porque é diferente da minha, quando eu corto relações reais com ele, a ponto de não mais vê-lo como um outro ser humano, segue-se a um assassinato simbólico que, em muitos dos casos, acaba virando assassinato real. Haja visto os milhões de pessoas mortas na História por conta de divergências ideológicas.

Num contexto como este, onde ninguém é capaz de confiar em ninguém, onde ninguém se mostra confiável, onde cada palavra é arma de denúncia ou de puro convencimento, como compreender e exercer a ideia de diálogo? Como ter coragem para dizer o que se pensa e acredita? A quem levar nossas dúvidas?

Falemos agora do nosso microcosmo pessoal, trazendo o tema para a experiência prática de cada um, para nossas vidas pequenas e nosso rol de relações diretas:

Nunca antes tivemos pessoas menos aptas a ouvir e mais ansiosas por falar. Nunca antes tivemos mais mestres (sem conteúdo, mas sem crítica quanto a isso) e menos discípulos. Nunca antes tivemos mais pressa e caminhamos tão pouco. Nunca antes conhecemos tanta gente e fomos conhecidos por quase ninguém (de verdade).

Quanto amigos você já perdeu por dizer o que você realmente pensava e sentia?

Quantas pessoas você ‘cancelou’ por dizerem o que realmente pensavam ou diziam?

Quantas conversas vazias de significado, mas cheias de clichés ideológicos você já teve ou presenciou?

Você ainda sabe opinar sobre alguma coisa sem ler ‘manuais’ antes?

De quanto de sua identidade você teve que abrir mão para se inserir no chamado ‘coletivo’? Essa espécie de entidade soberana que tem definido desde o estilo do seu cabelo até quem você pode amar, em alguns casos até o gênero (ou falta de gênero) você deve assumir para não ser excluído.

Aliás, quanto de exclusão você teve que adotar na sua vida em prol da inclusão?

Quanto dinheiro você admite que se roube do país em prol de ‘causas sociais’?

Quanto de floresta você admite que se queime em prol do ‘crescimento econômico’?

Quanto de desumanização você admite em prol da luta por ‘direitos humanos’?

Quanto de Cultura e de Arte você admite destruir em prol dos ditos ‘valores A ou B’?

Quanto de conhecimento acadêmico ou de talento artístico você admite desqualificar em prol da defesa deste ou daquele Zé Mané do partido escolhido?

Quanto da sua família você admite perder em prol da defesa da opinião do fulano, ciclano ou beltrano que não te botou no mundo, não te criou e nem sabe que você existe?

Quanto de si mesmo você admite matar em prol do seu ‘coletivo’, ‘irmandade’, ‘turma’, ‘arraial’ou seja lá que nome você prefira dar?

Já fui muito criticada pela minha fé cristã.

Recebo reprimendas tanto dos de fora, que não aceitam minha escolha e questionam até minha inteligência por causa dela, jamais admitindo que muitas vezes a falta de inteligência pode ser deles, por não conhecerem nada sobre cristianismo, exceto o que suas cartilhas ideológicas os ensinaram. Recebo reprimendas também de alguns de dentro que muitas vezes me consideram aberta demais justamente ao diálogo e ao convívio com pessoas de outras opiniões.

O grande fato, porém, é que no cristianismo você só tem um Senhor, um Ser Soberano, perfeito e realmente superior a você em tudo, infalível, de suprema sabedoria e cujo maior propósito é seguir te aperfeiçoando a ponto de criar em você uma imagem perfeita dEle mesmo – Amor puro, Verdade plena, Justiça perfeita, Conhecimento infinito. Alguém cuja mensagem é de perdão e de aceitação absolutas, de comunhão plena com meu ser individual e que deseja de mim a melhor versão de Danielli possível, se relacionando com o sujeito que existe em mim, não o negando. Essa relação de espiritualidade me torna mais apta ao diálogo com outras pessoas, não menos, exatamente porque diante da perfeição dEle me vejo tão imperfeita e tão ignorante quanto qualquer um de meus conterrâneos, de modo que me torno capaz, verdadeiramente, de ouvi-los, de considerar suas necessidades e anseios, de realmente me envolver com elas.

Obviamente, como tudo nesse mundo, o cristianismo também tem se tornado bala de canhão, meio para fins espúrios, tela de alienação, caminho para a perdição, inclusive para a alma (vide escândalos de pedofilia, flordelis, catedral do Divino, as Cruzadas, as lutas entre católicos e protestantes e tantas aberrações pela História...). Isso sempre acontece quando a luta pelo poder, a doutrinação ideológica e a corrupção humana (muitas vezes camuflados em discursos convincentes) se sobrepõe à experiência individual (e no caso, espiritual) real. Tenho visto inúmeros amigos meus cristãos se perdendo ao querer transformar o Reino de Deus num reino desse mundo, matando e morrendo por valores ditos cristãos e sendo presas fáceis de qualquer um que erga uma bandeira ‘cristã’, caindo em todo tipo de falácias que só visam criar celeiros de eleitores, cegados para as práticas espúrias (e cada vez mais explícitas) dos políticos...Em tempo, já vi ‘esquerdista’ e ‘direitista’ em missa e em culto, pedindo votos e jurando apoio à igrejas ( apoio que geralmente se traduz em pastor/líder de bolso cheio e banco novo no templo). #ficaadica

 

Diálogo significa ouvir e falar, falar e ouvir, ouvir e falar, falar e ouvir.

Ouvir com paciência, atenção e prudência. Ouvir com um compromisso real de compreender o ponto de vista do outro e, inclusive, refletir no quanto ele tem razão. Ser capaz de admitir a fragilidade de seus próprios argumentos, lembrando que nenhuma opinião é destituída de fragilidades, por isso o diálogo é importante, porque juntos sempre somos mais fortes e podemos construir ideias mais plenas e eficazes.

Falar com propriedade daquilo que realmente se sabe, estudar antes de opinar seriamente, ler tudo o que se sabe sobre aquele assunto, levar a sério sua própria palavra, respeitar a si mesmo colocando-se com convicção sobre coisas sobre as quais realmente se refletiu. Não banalize suas opiniões. Você é o que você pensa!

Diálogo é exercício de respeito e exige muita PACIÊNCIA!

Nesse mundo de aceleração, nade contra a corrente, siga devagar, respeite seu ritmo. A pressa nos faz cometer erros, fazer as coisas malfeitas, ter atitudes precipitadas, fazer escolhas ruins e defender opiniões pouco estruturadas. A rapidez nos obriga a comprar causas que não são nossas, a pressão nos coloca em lugares difíceis de sair. Nunca aceite uma única versão das histórias, dos fatos, das coisas – aprenda a ler tudo sobre tudo.

Acima de tudo, cure seus traumas psicológicos, sua carência afetiva e seu complexo de inferioridade antes de se entregar a relacionamentos, a causas, a seitas, a ideias. Essas coisas definem mais suas crenças e lutas do que você imagina.

 

Lute, resista, espere!

Não se perca!

 

 “...tudo pede um pouco mais de calma...” Lenine

 

 

 

quinta-feira, 30 de julho de 2020

Poluição e Morte do Homem de Francis Schaeffer + uma conversa interessante sobre a questão ambiental

Eis aí o programa que gravamos com a IP Jaó, tratando do livro citado e com a participação de uma desembargadora que trata de Direito Ambiental e o biólogo que descobriu a espécie em extinção citada..

https://www.facebook.com/ipbjao/videos/1216561055353733


Espero que tirem um tempinho para curtir esse vídeo. Foi muito legal participar dele!

quarta-feira, 29 de julho de 2020

Perdas Desnecessárias




“If they say
Who cares if one more light goes out?
In the sky of a million stars
It flickers, flickers
Who cares when someone’s time runs out?
If a moment is all we are
Or quicker, quicker
Who cares if one more light goes out?
Well, I do.”[1]
Linkin Park in: One More Light


“Vivo por homens e mulheres
de outras idades, de outros lugares, com outras falas.
Por infantes e velhinhos trêmulos.
Gente do mar e da terra,
Suada, salgada, hirsuta.
Gente da névoa, apenas murmurada.
(...)
Faro do planeta e do firmamento
bússola enamorada de eternidade,
um sentimento lancinante de horizontes,
um poder de abraçar, de envolver
as coisas sofredoras,
e levá-las nos ombros, como os anhos e as cruzes.”
Cecília Meireles


“É a imagem na mente que nos une aos tesouros perdidos, mas é a perda que dá forma à imagem.”
Colette


     Judith Viorst afirma em seu livro “Perdas Necessárias” (1986) que, apesar de relacionarmos a ideia de perda, em geral, muito mais à morte das pessoas que amamos, tal experiência é muito mais abrangente, envolvendo tudo aquilo que nos é tirado ou do que abrimos mão, seja pelo fato de sermos abandonados ou de abandonar; pelas mudanças que escolhemos fazer ou que nos acontecem; por tudo que deixamos para trás pelas vicissitudes da vida ou por escolha. Tais perdas não se resumem a separações ou partidas, sejam elas temporárias ou definitivas, mas também dizem respeito a perda consciente ou inconsciente de “sonhos românticos, expectativas impossíveis, ilusões de liberdade e poder, ilusões de segurança – e a perda do nosso próprio eu jovem, o que se julgava para sempre imune às rugas, invulnerável e imortal.” (p.14)

     A autora destaca ainda que existem coisas às quais precisamos desistir para poder crescer – “a estrada do desenvolvimento humano é pavimentada com renúncia”. Passamos a vida desistindo de coisas e pessoas, que amamos muito, inclusive, para poder simplesmente crescer. Para alcançar o máximo de nosso potencial precisamos enfrentar a dor de admitir tudo o que jamais seremos e o que jamais teremos. “Investimentos emotivos nos fazem vulneráveis a perdas. E às vezes, por mais inteligentes que sejamos, temos de perder.”
Perder para ganhar. Perdas absolutamente necessárias.

A vida, porém, segue sendo paradoxal por evidência.

     Ao mesmo tempo em que nos encarrega de perdas essenciais, nos carrega  com perdas fortuitas, desnecessárias. Perdas que não nos fazem crescer, não nos ajudam a evoluir, antes nos atrasam, nos ferem, nos diminuem, nos mutilam. Perdas que, se conseguirmos ao menos subsistir a elas, seguiremos numa longa jornada (às vezes infinita) de tentativas de superação. Perdas não-naturais, brutais, consequências de péssimas escolhas, nossas ou de outros, destinadas a comprometer nosso caminho, prejudicar nossas trajetórias. Perdas às quais só sobrevivemos pela misericórdia divina e pela fé no “todas as coisas cooperam para o bem...”.

     Esse texto é para falar sobre essas perdas. Sobre como elas estão dominando nossos dias, na conjuntura atual e sobre como não sabemos lidar com elas.

     Eu poderia começar contando sobre como foi quase ter perdido minha mãe para o COVID 19. Poderia relatar o desespero de se viajar 12 horas de carro, dirigindo e recebendo notícias cada vez piores pelo celular, lutando para calar a vozinha sinistra que sussurrava em meus ouvidos: “Eles estão te escondendo o pior porque vocês estão na estrada”. Poderia dizer sobre a angústia de ter alguém que você ama muito doente e internado e não poder acompanhá-lo, sequer visitá-lo, ficando restrito a um boletim médico por dia que não tinha nem um horário certo para ser enviado. Poderia falar dos dias em que ela permaneceu na UTI, entubada, dependendo de um respirador para sobreviver e de como seus pulmões e coração entraram em sofrimento. Poderia falar do nível de debilidade a que seu corpo chegou e como a sensação de impotência que nos acometeu foi avassaladora.

     Poderia também explicar que minha mãe não é somente a minha mãe, mas é uma das pessoas mais dignas, decentes, leais, amáveis e gentis que eu conheço. De como a morte dela afetaria centenas de pessoas, entre familiares, amigos, colegas de trabalho, alunos e conhecidos. Isso a tal ponto de pessoas até em outros países, como os EUA, a Espanha e a Índia se reunirem para orar por ela.

     Mas eu não preciso falar sobre nada isso, não preciso porque minha mãe sobreviveu ao COVID 19. Eu não a perdi. Fui capaz de cuidar dela em casa por algum tempo, de vê-la se fortalecer e desabrochar a cada dia, como um passarinho machucado que vai se recuperando. Consigo ligar para ela todos os dias, contar da minha vida e ouvir sobre a dela, posso pedir oração e conselhos, posso me alegrar com o seu restabelecimento e ser grata a Deus.

     Posso, porém, relatar a perda de outras pessoas, como a daquela mãe-esposa-irmã-amiga cujo funeral presenciei recentemente. Posso descrever a perplexidade de sua família diante de uma morte totalmente inesperada, que aconteceu em poucas horas, principalmente porque não havia UTIs disponíveis, nem mesmo no sistema particular. Posso testificar da dor de sua filha, chorando diante de um caixão lacrado, sem ter a chance sequer de se despedir de uma forma adequada, minimamente satisfatória, de alguém que no dia anterior estava viva e sadia. Posso tratar do coração partido de seu marido, fragilizado por um sentimento atroz de abandono e da tristeza desoladora de seus parentes e amigos. Posso dizer da confusão de um pastor, que sem encontrar nada a dizer, acaba caindo no lugar comum do texto de Jó, “o Senhor deu, o Senhor tirou”, recitado em voz trêmula e embargada e sem muita convicção. (Você saberia o que dizer em tal funeral?) Posso destacar a brutalidade de não se poder receber sequer um abraço ou um aperto de mão consolador, num momento desses, e da crueza da descida do caixão, feita de forma desajeitada pelos coveiros, com suas roupas de astronauta, compartilhando conosco o uso dessas máscaras medonhas, que tornam tudo ainda mais inverossímil. Posso dizer das lágrimas que me encheram os olhos diante daquela filha sofredora, que poucos dias antes poderia ter sido eu.

     Ou posso também mostrar o caso de uma ex-aluna, cuja ceifa colheu não só seu pai, mas também seu avô, sua madrinha, quase leva seu esposo e ainda tenta levar sua mãe. Como lidar? O que dizer? Como confortar?

     Também posso, quero e devo falar sobre a perda de Empatia e Sensibilidade que nos cerca, de como está virando banalidade ouvir que mais de mil pessoas morreram de COVID 19 hoje no Brasil. Posso falar de como os cristãos perderam a habilidade de “chorar com os que choram” e usam textos bíblicos à revelia como a tentar exorcizar a tristeza legítima daqueles que tem sofrido perdas irreparáveis e, sim, desnecessárias, causadas por uma gestão de crise esdrúxula e que visa utilizar o caos social como estratégia de manutenção do poder. Até quando iremos deslegitimar o direito das pessoas, inclusive o dos cristãos, de chorar seus mortos e de ficar perplexos diante das adversidades em nome de um triunfalismo hipócrita que, na verdade, visa ocultar interesses e idolatrias político-ideológicas? Deus nos envia, sim, o Consolador; Deus é sim soberano e Deus também é justiça. Haverá prestação de contas por todas essas vítimas da ganância, da cobiça e do vício pelo poder. Eu creio e aguardo esse dia!

Posso falar da perda de Humanidade daqueles que justificam as mortes dessas pessoas - mortas por falta de cuidado, por falta de equipamentos, por falta de investimento adequado de verbas, por falta de bom senso, por falta de humildade – atribuindo-as à vontade de Deus; sem perceber que acreditar nisso equivale a dizer, por exemplo, que os mais de 20 milhões de pessoas mortas só na Segunda Guerra Mundial, desse número 6 milhões de judeus, assassinados como ratos pelos nazistas, morreram porque “Deus quis”. Até quando culparemos Deus pelas consequências de nossas péssimas escolhas e de nosso caráter sórdido?

Posso falar da perda do sentimento de Fraternidade daqueles que gastam seus dias discutindo inutilidades em redes sociais, defendendo medicamentos que sequer sabem, de fato, se funcionam, apenas para vestir a camisa desse ou daquele viés político. Agindo com irresponsabilidade, prometendo falsas curas e falsas blindagens virais, colocando pessoas mais simples em risco e enriquecendo farmacêuticos, sem sequer se dar ao trabalho de consultar um médico especialista para saber do que se trata. Posso falar da realidade de se estar dentro de um hospital, conversando com médicos que, realmente, estão tratando pessoas com COVID 19 e ouvir da boca deles que tudo isso é pura ignorância e desserviço à saúde pública.

Posso discutir sobre a letargia e da perda de Vitalidade que vem se apossando de nossos corações e mentes, inevitavelmente afetados pelo tamanho dessa tragédia, que, mesmo diante de um mecanismo de negação, segue a empobrecer nosso aparelho mental, dia a dia, enfraquecendo nossa produtividade, nossa criatividade, nosso ânimo e nossa alegria. Como disse recentemente um psiquiatra na TV, “ninguém que possua um sistema límbico é capaz de sair ileso da morte de milhares de pessoas; a não ser que seja um psicopata.” Até mesmo o sorriso social e o abraço de conforto nos está vetado. Tudo isso só pode reduzir nossa capacidade de vínculo e daí ao enlouquecimento é um pulo...

Só visitar as redes sociais para encontrar evidências da insanidade coletiva; vai desde a notícia de que a China usa célula de feto abortado para fazer vacinas (devemos essa ao movimento Pró-Vida e ao movimento Anti-vacina), até o ping-pong dos pró x contra cloroquina.

Minha tentativa de sobrevivência nesses tempos sombrios tem sido investir no mix: Fé + Silêncio + Arte + Natureza. Recomendo. Não estou eufórica, mas tampouco deprimida; não estou otimista, mas também não fico pessimista; não entrei em desespero, mas não vivo em falsos triunfos; não atribuo as consequências dos meus erros ao destino ou `a vontade divina, mas também não me culpo por coisas que não me dizem respeito. Se eu conseguir chegar ao final dessa pandemia viva, sabendo quem sou, o que faço e a quem pertenço, já estarei infinitamente grata. Que Deus tenha piedade de nós!
    
    
    
    






[1] Se eles dizem:
Quem se importa se mais uma luz se apagar?
Num céu de um milhão de estrelas.
Que cintila, cintila...
Quem se importa quando o tempo de alguém se acaba?
Se um momento é tudo o que somos.
Somos tão rápidos, tão rápidos...
Quem se importa se mais uma luz se apagar?
Bem, eu me importo.

quinta-feira, 21 de maio de 2020

Ainda sobre "Nada Ortodoxa"...Agora com mais tempo...




       Não existe paralelo possível para falarmos de testemunho cristão, ainda mais reformado, utilizando o radicalismo judaico ou qualquer outro radicalismo, seja ele de ordem religiosa ou política. O radicalismo se traduz em prática restritiva da percepção e da reflexão e caracteriza o comportamento sectário nocivo que temos visto por todo lado, em especial nos dias de hoje.

Se nos consideramos cristãos verdadeiros, sabemos que a verdade liberta, não aprisiona. Se sua versão de cristianismo o torna mais insensível e menos crítico da realidade em que vive a humanidade, sua versão não é a de Cristo, extremamente crítico diante do que observava, como bem se vê nos Evangelhos.

Atenção! Para compreender a argumentação abaixo é necessário que você de fato tenha assistido a série inteira e conheça os fatos da narrativa plenamente! Então, se ainda não viu, pare de ler, assista e depois volte. Deixe seu comentário abaixo, se quiser, comentando o que achou de tudo. (tentarei dar poucos spoilers)

A série relata a história real de Deborah Feldman, que foi criada numa comunidade ortodoxa judaica em Nova York. A história se desenvolve, principalmente, a partir do momento em que ela é considerada apta para o casamento, no caso dela, antes dos 20 anos.

Todos os arranjos são feitos e o casamento é compreendido e acontece da forma mais tradicional possível, dentro das concepções dessa comunidade. Vemos uma cerimônia cujos ritos e símbolos, TODOS, demonstram a servidão feminina diante do homem e da comunidade.

Deborah precisa se banhar na sinagoga para se tornar kosher. Descobre que por 14 dias a partir da menstruação será considerada impura para dormir na mesma cama do marido e em cena icônica, seus cabelos são raspados, em obediência a lei judaica, na qual para uma mulher casada, exibir os cabelos em público é indecente, exatamente como na cultura mulçumana, muito embora nesta, ao menos, a mulher tenha o consolo de poder manter seu cabelo, ainda que sobre o véu.

Como bem destaca Camille Paglia, em seu livro brilhante “Personas Sexuais”, o hábito de raspar os cabelos da mulher para o casamento, remonta à cultura espartana, que não só raspava os cabelos das mulheres no dia das núpcias, mas também as vestia de soldado, na tentativa óbvia de reproduzir a aparência de um homem espartano, já que nas culturas gregas de antigamente, o homossexualismo e o homoerotismo prevalecia. Também são raspados os cabelos das freiras no ato da entrega ao hábito, como prova de renúncia a qualquer vaidade posterior. Raspados também foram os cabelos das mulheres acusadas de bruxaria pela Inquisição, das vítimas dos campos de concentração, das mulheres francesas que serviram de prostitutas para os alemães durante a SGM. Raspar os cabelos das mulheres à força é, de forma global, um ritual de humilhação, em várias culturas, talvez menor, apenas, que a circuncisão feminina, ainda praticada em países mulçumanos na África.

Durante o casamento, Deborah também tem seus braços algemados numa fita que é controlada, primeiro pelo rabino, depois por seu pai e ao final pelo marido. A cena fica particularmente pesada quando seu pai, bêbado, cai no chão, demonstrando-se que para aquela comunidade, mesmo um homem incapaz tinha, por direito, a liderança sobre uma mulher.

O marido de Deborah é um menino bom, mas ironicamente dominado pela mãe e sem voz diante do peso das tradições que lhe impõe ações referentes ao papel que ocupa. Sendo ambos totalmente ignorantes (TOTALMENTE MESMO) a respeito do que se trata a vida sexual de um casal, acabam por ter problemas seríssimos nessa área. Não existe em nenhum momento a possibilidade de uma consulta médica que pudesse ajudá-los, não podem recorrer a nenhum tipo de ajuda de fora da comunidade. Deborah vê sua intimidade exposta e o casamento fracassando – toda a razão de sua existência sendo colocada a deriva. A gota d’água acontece quando o marido, influenciado pela família, decide pedir o divórcio porque eles não conseguem resolver a questão sexual entre eles e, portanto, ela não engravida.

Qualquer tentativa de justificar o que acontece nessa história pelo viés dos hábitos culturais é desmascarada pelo fato de que, qualquer ser humano inteligente tem a capacidade de julgar se um hábito cultural (político e/ou religioso) é saudável ou não para a existência de um indivíduo ou de uma comunidade. Como bem argumenta C.S.Lewis em várias de suas obras, tudo aqui é efêmero e temporário; hábitos culturais não são eternos, mas nós somos eternos e devemos viver segundo padrões eternos. Onde os padrões eternos que temos aprendido, dentro do cristianismo, apregoam a manutenção da ignorância e a opressão do próximo?

Justificar um ato equivocado por ser rito cultural significaria dizer que tais ritos são sagrados e não são. Coisas como sacrificar crianças deficientes, escravizar pessoas de outras raças e culturas, abortar o segundo filho, invadir a propriedade alheia visando o aumento de nossos territórios, assassinar ou aprisionar homossexuais por conta de sua escolha de vida, apedrejar mulheres adúlteras até a morte em praças públicas, tudo isso são hábitos culturais que tem sido revistos e considerados imorais. Só para dar alguns exemplos. Nenhum hábito cultural ou religioso justifica o abuso. NENHUM.

Deborah se vê, então, inútil, abandonada e sem esperança. Nessa comunidade, que tomou para si a função de impedir outra manifestação da ira divina, através da obediência ao Talmude (cuja leitura é proibida para mulheres, como a série mostra) e de substituir, através de sua prole, todas as almas perdidas no holocausto judeu da SGM, uma mulher que não tem filhos não serve para absolutamente nada. Sem formação ou profissão com a qual se sustentar, a jovem recorre à única coisa que sabe que tem, embora para isso seja obrigada a subverter-se, já que esse talento era considerado indecente para uma mulher: a música.

Tendo recebido de sua mãe, já conhecedora das agruras que a filha poderia enfrentar se as coisas não dessem rigorosamente certo (e tudo nessa comunidade é de um rigor obsessivo), documentação para sua imigração para a Alemanha, Deborah vai embora, não porque queria viver uma vida dissoluta, nem mesmo por um grande sonho de ser musicista, mas porque se vê prestes a ser repudiada pelo marido e porque considera (algo que ela diz em outra cena importante) que Deus exige algo dela que ela não tem capacidade para ofertar, ou seja, a total anulação de si mesma, a negação de sua capacidade de pensar, de questionar, de refletir e todas as suas habilidades pessoais, inclusive seu dom para a música.

Aqui cabe mais um questionamento específico: Se acreditamos que é Deus quem nos faz, célula a célula, característica a característica, obviamente é dEle quem recebemos nossos dons e talentos. Qual seria a lógica desse Deus, que deu a Moisés as tábuas da Lei (onde não existem muitas das regulamentações rabínicas posteriores), conceder o dom da música (ou qualquer outro) a uma mulher, se isso não seria apropriado ou se Ele consideraria até indecente? Deus errou quando deu esse dom a uma fêmea? Ele estava distraído? Outro questionamento: Por que existiria a possibilidade do prazer durante a relação sexual se isso não é decente ou apropriado? E aqui me lembro de uma cena do filme “Como água para Chocolate”, inspirado em romance homônimo, da Laura Esquivel, onde o marido católico fundamentalista, antes de se deitar com a mulher, devidamente vestida com fatídico camisolão aberto na frente, ajoelha e reza pedindo a Deus que não tenha prazer durante aquele ato. Ah, os fundamentalismos e suas consequências na vida íntima das pessoas!
          
          Outro ponto da história que prova que o fundamentalismo religioso e sectário não é portador de uma experiência de fé verdadeira se traduz pelo fato de que a crença de seus adeptos não sobrevive ao mínimo questionamento. Basta ao crente questionar um ponto daquilo que lhe é ensinado e tudo desaba, como um castelo de cartas. Isso é nítido no comportamento do primo que vai com o marido procurar por Deborah na Alemanha e na opção de vida de própria Débora, ou de sua mãe, que ao se desvencilharem das amarras da comunidade optam por estilos de vida muito diferentes do que aquilo que o judaísmo ortodoxo radical apregoava (Como culpá-las?). A fé verdadeira não se abala porque o crente observa comportamentos e hábitos equivocados em sua comunidade, antes a essência real desta fé se fortalece e o crente se empenha por fazer as correções necessárias no intuito de se voltar para aquilo que é Eterno. A maior demonstração dessa verdade na História é a Reforma Protestante e está em nosso moto estabelecido. Uma igreja que não é capaz de criticar a si mesma, à luz da Verdade do Evangelho, não é Igreja de Cristo. Uma religião que não é capaz de corrigir seus equívocos em prol de valores Eternos, não é a Religião Verdadeira.

A série também nos faz refletir sobre a necessidade der sermos autênticos e verdadeiros em nossa relação com Deus e com as outras pessoas, sobretudo as que amamos. Lembro que quando mais jovem, em meio às típicas crises existenciais da adolescência e da primeira juventude, tentando descobrir quem eu era e o que Deus queria de mim, ouvi de minha psicoterapeuta, uma mulher de Deus em todos os aspectos, com excelente formação, inclusive teológica, Roseli Künrich, a seguinte frase: - Deus quer que você seja a melhor Danielli possível! Não existe a possibilidade de uma verdadeira comunhão com Deus quando insistimos em apresentar a Deus as máscaras que nossas formas religiosas consideram aceitáveis, por mais que possam ficar bonitas em público ou facilitem nossas vidas em comunidade. Deus deseja homens e mulheres que O adorem em Espírito e em Verdade. #ficaadica



quarta-feira, 6 de maio de 2020

Agora também estou no Youtube...

Aqui falo um pouco dos motivos que devem nos levar a ler Literatura:




E aqui explico a proposta do canal "Leituras da Dani":


quinta-feira, 23 de abril de 2020

Layla M., igreja primitiva e sobre como a pandemia tem revelado conceitos equivocados em boa parte do Brasil dito cristão...



            Nesses dias, por ocasião de minhas pesquisas incansáveis por conteúdo para minhas aulas, acabei me deparando com um filme do Netflix chamado Layla M., que conta a jornada de uma jovem muçulmana, nascida em Amsterdã, que mesmo desobedecendo explicita e ironicamente ao pai, se volta para o radicalismo islâmico, indo parar no Oriente Médio envolvida com um grupo radical e violento. Interessada no tema devido à leitura da biografia Eu sou Malala, que tenho feito com meus nonos anos, fui me dando conta durante o filme, cada vez mais apavorada, que aquele comportamento sectário, radical, irrefletido, passional e resistente a qualquer discurso de bom senso, pode ser encontrado no ocidente, mais especificamente aqui no Brasil, cada vez que se abre uma rede social ou se assiste ao noticiário.

            Layla começa seu envolvimento fatal com as alas mais jihadistas do Islã a partir da insatisfação e da indignação com o racismo e com a violência sofrida pelos muçulmanos em várias comunidades. Como é de praxe, todo comportamento radical nasce de uma causa justa ou de uma reivindicação legítima, para a qual o movimento promete ser a mão da vingança. Vingança essa que nada mais é do que repetir o comportamento do agressor na mesma moeda ou de forma ainda pior. Sob a desculpa do clamor do sangue dos mártires, se mata, se estupra, se tortura, se guerreia e, inclusive, se põe fim à própria vida, crendo nas promessas de Alá para a vida eterna.
Na nossa realidade, a luta justa contra a corrupção sistêmica e desenfreada do governo brasileiro e agressões feitas a um modo de vida, chamado de cristão e aparentemente coerente com o adotado pela maior parte dos brasileiros, deu origem ao retorno (ou tentativa de) a um comportamento político truculento, pouco humanista, vinculado a uma elite econômica pouco intelectualizada (ou intelectualizada de forma fragmentada e manipulativa por interesseiros), que mal compreende o projeto de governo que pretende instalar e que é cegamente manipulada por ideias tresloucadas de pessoas que sequer vivem no Brasil, que sabem pouco ou nada sobre a realidade do brasileiro e que é tão incapaz e imatura, que não consegue fazer uma autocrítica saudável que lhe permita rever posicionamentos. Aliás, esse comportamento é exatamente igual ao do governo petista que tal elite aprecia tanto criticar (ou linchar) virtualmente. Como dizia minha avó, acaba que no fim “são todos farinha do mesmo saco”.
A pandemia tem lançado luz a tantas coisas que, em alguns momentos, fico quase que ofuscada por tanta luz. É difícil abrir os olhos e encarar a realidade a céu aberto. Nada como uma crise para revelar craques e inúteis, nada como uma guerra para revelar valentes e covardes. Nada como um estado de exceção para revelar os verdadeiros valores das pessoas. E foi aqui que comecei a notar que o cristianismo de muitos não tem nada de cristão, nada de Bíblia, nada de Jesus Cristo.
Muitos que vão à igreja todos os domingos e leram a Bíblia de cabo a rabo, estão agora como Layla citando textos fora de contexto e clamando por fazer justiça com as próprias mãos. Muitos que sabem o salmo 23 de cor, agora querem expor a si mesmos e aos que amam a um vírus mortal porque, simplesmente, não creem que é Deus quem lhes dá o pão.[1] Muitos que repetem diariamente a oração do Pai Nosso, se recusam a sacrificar-se por seus irmãos, mesmo dizendo adorar um Cristo que morreu na cruz para lhes dar Vida Eterna. Gente que quer o retorno do AI5, da Ditadura Militar e das armas em riste, mesmo sabendo que Jesus dizia para amarmos os nossos inimigos, orarmos pelos que nos perseguem e darmos a outra face. Gente que sabe que o Reino de Deus não é poder mundano, mas sonha com estado católico ou coisa que o valha. Gente que diz que Deus é o Senhor do Tempo, mas quer um retorno à Idade Média. Gente que pede por coisas cujas consequências seriam nefastas, mas sequer tem conhecimento suficiente para perceber isso, ainda que sigam arrotando sabedoria Teológica, Filosófica e Psicológica, tudo naturalmente adquirido de forma autodidata, na interpretação do guru Fulano de Tal, que sempre tem razão, mesmo não sendo capaz de manter a razão de si mesmo.
Fico pesando na Igreja Primitiva, nos cristãos que iam para o Coliseu servir de comida para leões ou que queimavam como velas humanas pelas ruas de Roma - cristãos que sabiam que não era o papel deles reagir, que a dor momentânea não era comparável ao gozo do porvir e que sua recompensa não estava nesse mundo, que não é nosso, mas jaz do maligno. O que foi feito da fé desses homens e mulheres? O que foi feito da mensagem do Evangelho que transtornou o mundo? O que foi feito da esperança do cristão? Nós abrimos mão de tudo isso, como os judeus adorando o bezerro de ouro, ao vender nossa alma e nossa consciência à esses políticos escrotos que nos convencem com meia dúzia de frases de discursos populistas - e temos feito isso há décadas.
Meu amigo, saia do Velho testamento, pelo amor de Deus!!!!
Layla parte para o Oriente Médio, ciente do que lhe aguardava como uma mulher muçulmana, mas cheia de fé de que com ela seria diferente, que o marido via seu potencial, que ia lhe deixar desenvolver seus talentos e ter uma voz. Afinal, ela servia a Alá, abandonou a família, a escola, o sonho de ser médica pela causa de seu povo. Queria encher o Islã de guerreiros, ser a mãe de muitos filhos. Foi só quando se viu prisioneira na própria casa, vendo o marido ser enviado como homem-bomba, é que compreendeu o tamanho da enrascada em que tinha se enfiado.
No Brasil, alguns só se darão conta do que causaram a si mesmos, quando começarem a ver parentes e amigos morrendo de COVID 19, porque a política falou mais alto que a saúde pública; ou quando ninguém mais for livre para pensar, sentir, dizer, ou ser, como acontece em todos os governos ditatoriais, sejam de esquerda ou de direita (como se aqui no Brasil existisse, de fato isso de ideologias partidárias, como se tudo não existisse para nos ludibriar e nos roubar, como se tudo não fosse estratégia de manipulação, cada vez mais explícita e mais simples, porque o povo está cada vez mais burro...) e vivermos lamentando a morte de uma democracia que nossos compatriotas lutaram tanto para conseguir; ou quando se der conta de que para este ou aquele governo, o único commodity é o seu voto – isso enquanto ainda existirem eleições, ou enquanto elas não forem burladas, como já acontece em outras pseudo-democracias da América Latina.
Assim como Layla sonhava com um Islã que não existia e isso é bastante notório quando a personagem chega ao Oriente Médio, numa verdadeira favela de pedra e tenta iludir a si mesma, achando que vai construir um lar, muitos cristãos deixaram de esperar a Volta de Cristo e o Reino dos Céus para apostar num messias terreno, num país perfeito, numa sociedade sem falhas, numa vida plena de prosperidade e justiça e, em prol dessa fantasia, venderam a alma aos falsos mestres e abriram mão de todos os seus valores. Para esses recomendo a leitura de A Revolução dos Bichos, de George Orwell, vocês verão que a cegueira que os afeta hoje os faz ovelhas, cães e cavalos de porcos que nunca deixarão de lhes explorar e usar, mas que seguirão sempre nutrindo seu imaginário de promessas de paz e prosperidade. Afinal, “Napoleão tem sempre razão”...
A dificuldade de Layla em confiar e ouvir seus pais, seu irmão, sua amiga de infância, em prol de estranhos que do nada viram sua família, é constantemente verificada nos guetos ideológicos que nos rodeiam e que vemos todos os dias nas trades de Twitter ou nas lines do Facebook. São sempre os mesmos, curtindo e comentando postagens, retroalimentando o sistema, encurralando suas vítimas em excessos de um afeto vazio e entorpecedor. Ideias são repetidas como mantras, gerando uma atmosfera hipnótica capaz de levar um sujeito decente e pai de família a obstruir a entrada de ambulâncias em hospitais, a criar teorias da conspiração mais esdrúxulas e ficar postando nas redes para confundir pessoas, a defender a eficácia de um medicamento sem testagens (e que agora os americanos provaram que inclusive mata mais depressa os pacientes afetados), a iludir seus discípulos com uma resistência falsa ao isolamento, impulsionando muitos a ir para as ruas, correndo risco de vida e assim vai...
Layla quase matou, muitos brasileiros estão matando de fato...Matando a si mesmos e aos outros. Tudo por causa do canto da sereia sectária, da falta de fé, da necessidade de ser parte de algo, da sede de poder...Não há valentia em colocar os outros em risco por causa do seu comportamento! Romper o isolamento não é um problema seu, ou a reivindicação de um direito, mas sim fruto do seu egoísmo de quem não entendeu nada do que é cristianismo, mas quer usá-lo em prol dos seus próprios interesses torpes – Para estes, só digo uma coisa: Deus é o meu Vingador! Haverá acerto de contas.



[1] E aqui fica uma observação, todas as pessoas que eu vejo esbravejando contra a quarentena são pessoas que dependem do trabalho de outras pessoas para manter a conta bancária fora do vermelho. Gente que poderia sim ficar 2 ou 3 meses sem renda, talvez acabariam um pouco endividados, mas não falidos. Gente que vai colocar funcionário para trabalhar e ficar em casa se protegendo do vírus. Gente que de cristão não tem nada. #ficaadica #estamosdeolho

quarta-feira, 25 de março de 2020

Abstinência...




A inspiração é a incógnita da equação,
A musa que assola na hora oculta. As setas voam e não se
percebe o impacto, nem se percebe que todo um elenco de catalisadores,
uns independentes dos outros, reuniu-se de modo clandestino
para formar um sistema singular, dissolvendo o indivíduo com as vibrações
de uma doença incurável – ao mesmo tempo profana e divina.
O que se há de fazer com os impulsos então gerados,
com essas terminações nervosas que cintilam como um mapa iluminado
de constelações desonestas?
As estrelas pulsam.
A musa busca ganhar vida.
Mas a mente é também musa.
Busca ser mais inteligente que seus gloriosos oponentes,
Reestruturar tais forças de inspiração.
Um riacho de cristal que súbito seca.
Um coisa de beleza, exânime, conspurcada.
Por que o criador retorce o drama todo?
   A pena se ergue, guiada pela musa estilhaçada.
Sem dissonância, ela registra, não se percebe a harmonia,
sem dissonância ela continua, Abel se dissolve em não mais que um pastor esquecido.
Patti Smith – Devoção



Enquanto o mundo espera a cura do mal
E a loucura finge que tudo isso é normal
Eu finjo ter paciência...
Lenine – Paciência


Sou uma pessoa de cafés.

Adoro sentar e pedir o cappuccino ou o coado da vez, ler ou conversar, daquelas conversar compridas, com alguém cuja voz gosto de ouvir, cujo raciocínio gosto de acompanhar, cuja vida me desperta o mais honesto e curioso interesse.

Sempre fui assim.

Minha mãe conta que já na primeira série, contando com apenas 6 anos, um dia demorei a chegar em casa da escola (...e sim, eu voltava sozinha, morávamos literalmente na frente da unidade escolar) e ela me encontrou sentada no bar ao lado, tomando Fanta laranja com uma amiga, no maior dos papos, como se eu fosse uma quarentona alegre, um pouco metida a intelectual e cheia de histórias para contar, o que acabei, de fato, me tornando.

As histórias me animam e me inspiram. Histórias inventadas ou vividas, histórias escritas e histórias contadas. A vida das pessoas, suas pequenas e grandes façanhas na rotina do dia-a-dia. Algumas pessoas nem sabem, mas tomam parte em um romance digno do cânone literário, cada vez que levantam da cama, pela manhã e tocam os mandos de desmandos da sua existência quase anônima. Somos todos personagens nas histórias que a vida nos permite protagonizar.

A espontaneidade, em minha pequena opinião, é um sinônimo de saúde mental. Articulada àquilo que no século XVII ficou conhecido como discreción[1], faria de um ser humano, se não feliz, ao menos bem mais satisfeito consigo mesmo. Desse modo, que mais ambicionaremos na vida do que nos tornarmos a melhor versão de nós mesmos que pudermos ser? Para tanto, abrir mão de certas inibições vazias, de restrições alheias  sem sentido e de cobranças internas neuróticas seria condição sine qua non.

Vivemos hoje uma situação de exceção que começou de forma tão rápida e avassaladora que mal tivemos tempo de perceber onde fomos atingidos. De um dia para outro, nos trancaram em casa, nos afastaram do trabalho in loco, nos privaram da maioria das nossas fontes de lazer e também da grande maioria das pessoas que amamos ou com quem costumamos conviver. Pouco somos capazes de apenas exercer nosso direito de ir e vir. De repente não há mais igrejas, escolas, manicures, cinemas, shoppings, livrarias, restaurantes e cafés. Mal conseguimos sair para caminhar em parques ou pelo menos levar o cão para fazer suas necessidades na calçada. Gente que não lavava a própria cueca há tempos, se vê tendo que faxinar a casa inteira para não se contaminar com o Covid19[2] da periferia, onde vive sua empregada doméstica. Mesmo com trabalhos online e tarefas passíveis de um home office, nos sobra mais tempo e nesse excesso de tempo e de pouco espaço, se ampliam os silêncios, esse longos silêncios que nos abrem espaços mentais gigantescos, everéticos[3] para refletir e ouvir as vozes que teimamos em calar por décadas em nossas bolhas existenciais movidas a excesso de trabalho, excesso de lazer, excesso de relações superficiais, excesso de atividade de toda ordem. Excesso! Excesso que nos esvazia.

Desde o final do meu doutorado, sentia que a voz que me levava a escrever, ou estava exaurida ou silenciada. Nada me fazia sentar e dizer, ainda que minha cabeça continuasse acelerada e as ideias seguissem pululando. Parecia que nenhum assunto, nenhum pensamento, nenhum sentimento meu mais merecia ser tocado, articulado, registrado. Encerrei com diários, com cartas, com textos de blog, com poemas, com contos, com ensaios, com qualquer palavra escrita que pudesse ter algum significado para mim ou para outros. Enfiei a cabeça na areia e assumi que um novo constrangimento interno ou um mero desgaste fatal tinham extinguido minha pequena chama e que eu não teria mais nada meu para compartilhar pela via das palavras.
Bastou uma semana em casa e a rolha saltou.

Bastaram algumas horas a mais, alguns silêncios a mais, a oportunidade de ler alguns livros a mais, de conversar via online com algumas pessoas a mais com quem eu não falava há muito e toda avalanche de estudos, rigores e mudanças que ameaçaram me mutilar dissolveram. Ainda posso escrever, ainda tenho sobre o que falar, ainda penso, ainda desejo, ainda me alegro no simples compartilhar.

O dicionário online diz que abstinência significa o ato de abster-se, de privar-se do uso de algo ou, apenas, conter-se.

Tenho descoberto nesses dias, na prática, que a abstinência de qualquer coisa que nos ocupe o tempo, a vida e a existência a tal ponto de nos impedir de viver uma vida viva, autêntica, expressiva, verdadeira, é um ato de legítima defesa.

É necessário que aproveitemos essa GIGANTE oportunidade para ressignificarmos as nossas vidas, para redescobrir (ou descobrir, pela primeira vez) o que realmente nos importa, o sentido de nossa existência, a substância inequívoca da nossa essência. 

Precisamos aproveitar essa parada obrigatória para reavaliar nossos valores: individuais e coletivos, pessoais e familiares, particulares e gerais. Precisamos aprender com essa desaceleração imposta a organizar e aproveitar melhor o nosso tempo. Precisamos valorizar, com essa ausência involuntária, a presença daqueles que nos são caros e indispensáveis. Precisamos mergulhar, graças a essa introspecção inevitável, no nosso mais íntimo e redescobrir os lugares secretos onde podemos encontrar o Sagrado, o Espírito de Deus, o centro de toda razão da nossa espiritualidade. Precisamos aproveitar! A quarentena não durará para sempre e essa pode ser nossa última oportunidade de encontrarmos a nós mesmos em meio aos desencontros desse mundo, em meio à falta de sentido dessa geração.

Precisamos...Precisamos...

Essa necessidade me instiga tanto e de tal forma, que chego a sentir a urgência na pele, nas vísceras, nos dedos..






[1] Ou a arte de ‘ler’ um ambiente e um contexto e saber como se portar dentro dele, sem abrir mão de suas intenções, mas sem ofender as ‘regras’ sociais ali vigentes.
[2] Ou o vírus que paradoxalmente nos obriga a fazer contato, exatamente ao não fazê-lo.
[3] Palavra inventada para definir coisas tão grandes e desafiadoras quanto subir ou Everest ou fazer um doutorado.