A pele que habito

A pele que habito

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Mario Benedetti

Sábado, 13 de julho

Ela está ao meu lado, adormecida. Estou escrevendo numa folha solta, esta noite transcrevo para a caderneta. São quatro da tarde, o final da sesta. Comecei a pensar numa comparação e terminei em outra. Está aqui ao meu lado, o corpo dela. Lá fora faz frio, mas aqui a temperatura é agradável, mais para quente. O corpo dela está quase descoberto, a manta e o lençol deslizaram para um lado. Quis comparar o corpo dela com minhas lembranças do corpo de Isabel. Evidentemente, eram outros tempos. Isabel não era magra, seus seios tinham volume, e por isso caíam um pouco. Seu umbigo era fundo, grande, escuro de margens grossas. Seus quadris eram o melhor, o que mais me atraía; tenho uma memória táctil dos seus quadris. Seus ombros eram cheios, de um branco rosado. Suas pernas estavam ameaçadas por um futuro de varizes, mas ainda eram bonitas, bem torneadas. Este corpo que está ao meu lado não tem nenhum traço em comum com aquele. Avellaneda é magrinha, seu busto me inspira um pouquinho de piedade, seus ombros estão cheios de sardas, seu umbigo é infantil e pequeno, seus quadris também são o melhor (ou será que os quadris sempre me comovem?), suas pernas são delgadas, mas bem feitinhas. No entanto, aquele corpo me atraiu, e este me atrai. Isabel tinha, em sua nudez, uma força inspiradora, eu a contemplava e imediatamente todo meu ser era sexo, não havia como pensar em outra coisa. Avellaneda tem em sua nudez, uma modéstia sincera, simpática e indefesa, um desamparo que é comovedor. Ela me atrai profundamente, mas, aqui, o sexo é só uma parte da sugestão, do chamamento. A nudez de Isabel era uma nudez total, mais pura talvez. O corpo de Avellaneda é uma nudez com atitude. Para amar Isabel, bastava sentir-se atraído pelo seu corpo. Para amar Avellaneda, é necessário amar o nu mais a atitude, já que esta é pelo menos metade do seu atrativo. Ter Isabel entre os braços significava abraçar um corpo sensível a todas as reações físicas e capaz também de todos os estímulos lícitos. Ter em meus braços a concreta magreza de Avellaneda significa amar além disso seu sorriso, seu olhar, seu jeito de falar, o repertório de sua ternura, suas reticências em entregar-se por completo e as desculpas pelas reticências...Pobre Isabel. Agora me dou conta de que falava com ela muito pouco. Às vezes não achava assunto de que falar...Já eram bastante eloqüentes nossas noites. Isso era o amor? Não tenho certeza...Mas eu não me iludo. Tenho bem presente que estou hoje com 49 anos e quem quando Isabel morreu, eu estava com 28. Não tenho a menor dúvida de que, se Isabel aparecesse agora, a mesma de 1935...uma Isabel de cabelos negros, de olhos buscadores, de quadris tangíveis, de pernas perfeitas, não tenho a menor dúvida de que eu diria:”Que lástima” e iria procurar Avellaneda.