A pele que habito

A pele que habito

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Manifesto Femino

A mulher é o único receptáculo que ainda nos resta, onde vazar o nosso idealismo.” Goethe

            Já há alguns meses sou brindada todos os dias com notícias grotescas sobre a condição da mulher. Ou é uma garota apanhando por querer aprender em países árabes, ou meninas sendo estupradas por grupos de homens na Índia, ou esposas tendo seus rostos queimados por ácido ou qualquer barbaridade do gênero ocorrendo em lugares que, verdade seja dita, nós ocidentais consideramos praticamente selvagens. Hoje cedo li sobre uma mãe que passou por todo tipo de abusos na China (a fantástica China comunista de alguns), sendo inclusive aprisionada e enviada para “Reeducação” por querer justiça para a filha de 11 anos que foi estuprada, sequestrada e prostituída. Todos sabem das meninas do leste Europeu que são aliciadas e enviadas para países estranhos e escravizadas sexualmente, meninas cuja própria ONU já deixou de ajudar. Diante de tudo isso – escreverei um pouquinho (porque o assunto exige livros, muitos, até...) sobre a suposta emancipação da mulher no século XXI.
            É verdade, no mundo “civilizado” somos: engenheiras, astronautas, escritoras e tudo mais. Podemos dormir com quem quisermos (e já dizia a Celine em “Antes do Amanhecer” que o feminismo foi criado por homens para terem sexo fácil....rsrs...) e até fingir que adoramos o Henry Miller – que ironicamente na vida pessoal era quase uma moça, no bom sentido da expressão - se isso nos render uns dias na cama de algum conquistador bonitão burro o suficiente para achar que queremos dele mais do que alguma aventura. Algumas decidem nem se casar, podemos não ser mães e eventualmente até abortar, ou ser mães solteiras se assim quisermos. Muitas se divorciam sem serem chamadas de putas e algumas decidem livremente inclusive viver com e amar mulheres. Trabalhamos e estudamos o mesmo tanto ou mais que os homens, já que muitas ainda terão que assumir todas as tarefas domésticas sozinhas (afinal segundo a lenda, lavar a louça e trocar fraldas fazem cair o pênis...rsrs..) - isso embora ganhemos sempre menos que eles, sendo ainda preteridas em processos seletivos caso ainda estejamos em idade reprodutiva, e muito embora nossas vaginas continuem sendo disputadas como despojos por nossos chefes e companheiros de trabalho (algumas inclusive ainda se fazendo valer delas para galgar promoções e conquistar um lugar ao sol). Somos tão sedutoras e independentes quantos as garotas do Sex and the City, apesar de ainda sentirmos os olhos marejados quando pensamos em onde andarão os Mr.Darcys da vida.
            Emancipação à parte, estes dias tive que disfarçar meu mal estar ao ouvir meu namorado falando, enquanto víamos um filme, que para o que foi feito com a mulher não existe perdão. Afinal, o que foi feito com a mulher? E que melhorias de fato conquistamos além de ficar parecidas com homens para galgar algum lugar de respeito?
            Sabemos o que nos foi contado, o que lemos em livros, o que ouvimos de nossas avós e bisavós. Sabemos das antigas religiões pagãs que cultuavam deusas, a fertilidade e a capacidade feminina de gerar filhos. Sabemos de épocas em que o saber próprio da mulher era valorizado e respeitado. Sabemos também que os homens em geral tem sede de poder, que nunca conseguiram compreender de fato os mistérios femininos, nunca foram capazes de absorver o conhecimento e a intuição embutidos em cada menina, moça, mulher e velha e isso simplesmente porque não são e nem nunca serão mulheres. Sabemos também que são mais fortes que as mulheres fisicamente.
          Foram gerações de abusos, estupros, desrespeito e dominação. Fomos dominadas, hostilizadas, abusadas, brutalizadas, caladas, humilhadas, vendidas, compradas, desculturalizadas e condenadas à ignorância, desprezadas, ignoradas, queimadas, estripadas, mutiladas, torturadas, espancadas, FOMOS CALADAS...E verdade seja dita: em algumas épocas e culturas, se tivessem se tornado capazes de gerar seus próprios filhos sozinhos, talvez os homens tivessem nos aniquilado por completo. Estudando mais sobre a natureza da violência só se pode concluir que tudo isso foi gerado por uma única razão: MEDO. E quanto mais inseguro em sua própria masculinidade, maior o medo e maior a agressividade contra a mulher – o grande OUTRO do homem.
            Eva, Pandora, Medéia, Lilith e isso só para mencionar a antiguidade. Todas grandes ilustrações da grande paranóia masculina frente ao desconhecido. Paranóia essa que culminou nas fogueiras da inquisição e em milênios de injustiça. Tantas mulheres sem alma, sem essência, sem nome!
            A mulher lidou e lida com isso com a mesma gana de sobrevivente. Toma posse de sua resiliência (característica intrínseca ao gênero, afinal somos 9 vezes mais resistente a dor que o mais forte dos homens)  e faz o que é preciso: aceita emburrecer, transforma o corpo em oferenda e depois em mercadoria, aprende a mentir, enganar e fofocar, cede a todos os tipos de mesquinharias e intrigas - e como os felinos - aprende a competir e destruir suas semelhantes se isso significar sobreviver. Abre mão de sua individualidade, muda a cara, muda o corpo, muda o cabelo, muda até de preferência sexual se isso garantir que não será destruída, abandonada, preterida. Sua capacidade criativa virou cativa da necessidade e ela interpreta o tempo todo desde que isso lhe garanta algum afeto, algum alento, algum amor. A mulher se mascarou para não morrer, pagou com a não existência a possibilidade de existir. Até no mais liberal dos países a mulher é obrigada a seduzir primeiro, se quiser mostrar de fato seus reais méritos – bonecas consumíveis, quando não sexualmente, prestando outros serviços. Pergunta-se muito (e estupidamente) porque existe tão pouca obra artística de qualidade no mundo feminino e a resposta é óbvia: a mulher vem usando sua capacidade criativa para sobreviver desde que o mundo é mundo. Graças aos céus, com ela sobrevive também a humanidade, porque se não fosse pela teimosia da mulher em continuar por aqui, já estaríamos extintos há séculos.
            Nossa maior capacidade foi transformada em fragilidade: a empatia. Somos condenadas por amar demais, por nos importar demais, por sentir demais. No ocidente do século XXI mulher de sucesso é aquela que sente pouco, não pensa e se o fizer - faz como homem, dá para todo mundo e finge que gosta disso, aceita relação aberta ou para roubar marido de outra ou para não ficar sozinha (o grande pavor da mulher moderna), não é mãe, mas se for, finge que não curte muito para que não achem que perdeu o sex appeal  e, acima de qualquer coisa, sabe se vender bem – e isso em qualquer âmbito.
            Naturalmente houve e ainda há lugares, homens, momentos e mulheres exceção. Para cada exceção, zilhões do mesmo fenômeno. Para cada mulher que não cede frente às pressões do sistema, existe sua própria quota de desprezo, desvalorização, desamor, maus tratos, ameaças e rechaços.  O preço é altíssimo! Experimente acordar todo dia de manhã sabendo que não poderá dar um passo em falso ou saberão que você é APENAS mulher.
            Encerro essa breve reflexão com uma pergunta de mulher para mulher (e nem gosto da Marisa...rs...): - Até quando, meninas?