A inspiração
é a incógnita da equação,
A musa que
assola na hora oculta. As setas voam e não se
percebe o
impacto, nem se percebe que todo um elenco de catalisadores,
uns
independentes dos outros, reuniu-se de modo clandestino
para formar
um sistema singular, dissolvendo o indivíduo com as vibrações
de uma doença
incurável – ao mesmo tempo profana e divina.
O que se há
de fazer com os impulsos então gerados,
com essas
terminações nervosas que cintilam como um mapa iluminado
de
constelações desonestas?
As estrelas
pulsam.
A musa busca
ganhar vida.
Mas a mente é
também musa.
Busca ser
mais inteligente que seus gloriosos oponentes,
Reestruturar tais
forças de inspiração.
Um riacho de
cristal que súbito seca.
Um coisa de
beleza, exânime, conspurcada.
Por que o criador retorce o drama
todo?
A pena se ergue, guiada pela musa
estilhaçada.
Sem dissonância, ela registra,
não se percebe a harmonia,
sem dissonância ela continua,
Abel se dissolve em não mais que um pastor esquecido.
Patti Smith –
Devoção
Enquanto
o mundo espera a cura do mal
E
a loucura finge que tudo isso é normal
Eu
finjo ter paciência...
Lenine
– Paciência
Sou
uma pessoa de cafés.
Adoro
sentar e pedir o cappuccino ou o coado da vez,
ler ou conversar, daquelas conversar compridas, com alguém cuja voz gosto de
ouvir, cujo raciocínio gosto de acompanhar, cuja vida me desperta o mais
honesto e curioso interesse.
Sempre
fui assim.
Minha
mãe conta que já na primeira série, contando com apenas 6 anos, um dia demorei
a chegar em casa da escola (...e sim, eu voltava sozinha, morávamos
literalmente na frente da unidade escolar) e ela me encontrou sentada no bar ao
lado, tomando Fanta laranja com uma amiga, no maior dos papos, como se eu fosse
uma quarentona alegre, um pouco metida a intelectual e cheia de histórias para
contar, o que acabei, de fato, me tornando.
As
histórias me animam e me inspiram. Histórias inventadas ou vividas, histórias escritas
e histórias contadas. A vida das pessoas, suas pequenas e grandes façanhas na
rotina do dia-a-dia. Algumas pessoas nem sabem, mas tomam parte em um romance
digno do cânone literário, cada vez que levantam da cama, pela manhã e tocam os
mandos de desmandos da sua existência quase anônima. Somos todos personagens
nas histórias que a vida nos permite protagonizar.
A
espontaneidade, em minha pequena opinião, é um sinônimo de saúde mental.
Articulada àquilo que no século XVII ficou conhecido como discreción[1],
faria de um ser humano, se não feliz, ao menos bem mais satisfeito consigo
mesmo. Desse modo, que mais ambicionaremos na vida do que nos tornarmos a
melhor versão de nós mesmos que pudermos ser? Para tanto, abrir mão de certas
inibições vazias, de restrições alheias
sem sentido e de cobranças internas neuróticas seria condição sine qua non.
Vivemos
hoje uma situação de exceção que começou de forma tão rápida e avassaladora que
mal tivemos tempo de perceber onde fomos atingidos. De um dia para outro, nos
trancaram em casa, nos afastaram do trabalho in loco, nos privaram da maioria das nossas fontes de lazer e
também da grande maioria das pessoas que amamos ou com quem costumamos
conviver. Pouco somos capazes de apenas exercer nosso direito de ir e vir. De
repente não há mais igrejas, escolas, manicures, cinemas, shoppings, livrarias,
restaurantes e cafés. Mal conseguimos sair para caminhar em parques ou pelo
menos levar o cão para fazer suas necessidades na calçada. Gente que não lavava
a própria cueca há tempos, se vê tendo que faxinar a casa inteira para não se
contaminar com o Covid19[2]
da periferia, onde vive sua empregada doméstica. Mesmo com trabalhos online e
tarefas passíveis de um home office,
nos sobra mais tempo e nesse excesso de tempo e de pouco espaço, se ampliam os
silêncios, esse longos silêncios que nos abrem espaços mentais gigantescos,
everéticos[3]
para refletir e ouvir as vozes que teimamos em calar por décadas em nossas
bolhas existenciais movidas a excesso de trabalho, excesso de lazer, excesso de
relações superficiais, excesso de atividade de toda ordem. Excesso! Excesso que
nos esvazia.
Desde
o final do meu doutorado, sentia que a voz que me levava a escrever, ou estava exaurida
ou silenciada. Nada me fazia sentar e dizer, ainda que minha cabeça continuasse
acelerada e as ideias seguissem pululando. Parecia que nenhum assunto, nenhum
pensamento, nenhum sentimento meu mais merecia ser tocado, articulado, registrado.
Encerrei com diários, com cartas, com textos de blog, com poemas, com contos,
com ensaios, com qualquer palavra escrita que pudesse ter algum significado
para mim ou para outros. Enfiei a cabeça na areia e assumi que um novo constrangimento
interno ou um mero desgaste fatal tinham extinguido minha pequena chama e que
eu não teria mais nada meu para compartilhar pela via das palavras.
Bastou
uma semana em casa e a rolha saltou.
Bastaram
algumas horas a mais, alguns silêncios a mais, a oportunidade de ler alguns
livros a mais, de conversar via online com algumas pessoas a mais com quem eu
não falava há muito e toda avalanche de estudos, rigores e mudanças que ameaçaram
me mutilar dissolveram. Ainda posso escrever, ainda tenho sobre o que falar,
ainda penso, ainda desejo, ainda me alegro no simples compartilhar.
O
dicionário online diz que abstinência significa o ato de abster-se, de
privar-se do uso de algo ou, apenas, conter-se.
Tenho
descoberto nesses dias, na prática, que a abstinência de qualquer coisa que nos
ocupe o tempo, a vida e a existência a tal ponto de nos impedir de viver uma
vida viva, autêntica, expressiva, verdadeira, é um ato de legítima defesa.
É
necessário que aproveitemos essa GIGANTE oportunidade para ressignificarmos as
nossas vidas, para redescobrir (ou descobrir, pela primeira vez) o que
realmente nos importa, o sentido de nossa existência, a substância inequívoca
da nossa essência.
Precisamos aproveitar essa parada obrigatória para reavaliar nossos valores: individuais e coletivos, pessoais e familiares, particulares e gerais. Precisamos aprender com essa desaceleração imposta a organizar e aproveitar melhor o nosso tempo. Precisamos valorizar, com essa ausência involuntária, a presença daqueles que nos são caros e indispensáveis. Precisamos mergulhar, graças a essa introspecção inevitável, no nosso mais íntimo e redescobrir os lugares secretos onde podemos encontrar o Sagrado, o Espírito de Deus, o centro de toda razão da nossa espiritualidade. Precisamos aproveitar! A quarentena não durará para sempre e essa pode ser nossa última oportunidade de encontrarmos a nós mesmos em meio aos desencontros desse mundo, em meio à falta de sentido dessa geração.
Precisamos aproveitar essa parada obrigatória para reavaliar nossos valores: individuais e coletivos, pessoais e familiares, particulares e gerais. Precisamos aprender com essa desaceleração imposta a organizar e aproveitar melhor o nosso tempo. Precisamos valorizar, com essa ausência involuntária, a presença daqueles que nos são caros e indispensáveis. Precisamos mergulhar, graças a essa introspecção inevitável, no nosso mais íntimo e redescobrir os lugares secretos onde podemos encontrar o Sagrado, o Espírito de Deus, o centro de toda razão da nossa espiritualidade. Precisamos aproveitar! A quarentena não durará para sempre e essa pode ser nossa última oportunidade de encontrarmos a nós mesmos em meio aos desencontros desse mundo, em meio à falta de sentido dessa geração.
Precisamos...Precisamos...
Essa
necessidade me instiga tanto e de tal forma, que chego a sentir a urgência na
pele, nas vísceras, nos dedos..
[1] Ou
a arte de ‘ler’ um ambiente e um contexto e saber como se portar dentro dele,
sem abrir mão de suas intenções, mas sem ofender as ‘regras’ sociais ali
vigentes.
[2] Ou
o vírus que paradoxalmente nos obriga a fazer contato, exatamente ao não
fazê-lo.
[3] Palavra
inventada para definir coisas tão grandes e desafiadoras quanto subir ou
Everest ou fazer um doutorado.