A pele que habito

A pele que habito

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Layla M., igreja primitiva e sobre como a pandemia tem revelado conceitos equivocados em boa parte do Brasil dito cristão...



            Nesses dias, por ocasião de minhas pesquisas incansáveis por conteúdo para minhas aulas, acabei me deparando com um filme do Netflix chamado Layla M., que conta a jornada de uma jovem muçulmana, nascida em Amsterdã, que mesmo desobedecendo explicita e ironicamente ao pai, se volta para o radicalismo islâmico, indo parar no Oriente Médio envolvida com um grupo radical e violento. Interessada no tema devido à leitura da biografia Eu sou Malala, que tenho feito com meus nonos anos, fui me dando conta durante o filme, cada vez mais apavorada, que aquele comportamento sectário, radical, irrefletido, passional e resistente a qualquer discurso de bom senso, pode ser encontrado no ocidente, mais especificamente aqui no Brasil, cada vez que se abre uma rede social ou se assiste ao noticiário.

            Layla começa seu envolvimento fatal com as alas mais jihadistas do Islã a partir da insatisfação e da indignação com o racismo e com a violência sofrida pelos muçulmanos em várias comunidades. Como é de praxe, todo comportamento radical nasce de uma causa justa ou de uma reivindicação legítima, para a qual o movimento promete ser a mão da vingança. Vingança essa que nada mais é do que repetir o comportamento do agressor na mesma moeda ou de forma ainda pior. Sob a desculpa do clamor do sangue dos mártires, se mata, se estupra, se tortura, se guerreia e, inclusive, se põe fim à própria vida, crendo nas promessas de Alá para a vida eterna.
Na nossa realidade, a luta justa contra a corrupção sistêmica e desenfreada do governo brasileiro e agressões feitas a um modo de vida, chamado de cristão e aparentemente coerente com o adotado pela maior parte dos brasileiros, deu origem ao retorno (ou tentativa de) a um comportamento político truculento, pouco humanista, vinculado a uma elite econômica pouco intelectualizada (ou intelectualizada de forma fragmentada e manipulativa por interesseiros), que mal compreende o projeto de governo que pretende instalar e que é cegamente manipulada por ideias tresloucadas de pessoas que sequer vivem no Brasil, que sabem pouco ou nada sobre a realidade do brasileiro e que é tão incapaz e imatura, que não consegue fazer uma autocrítica saudável que lhe permita rever posicionamentos. Aliás, esse comportamento é exatamente igual ao do governo petista que tal elite aprecia tanto criticar (ou linchar) virtualmente. Como dizia minha avó, acaba que no fim “são todos farinha do mesmo saco”.
A pandemia tem lançado luz a tantas coisas que, em alguns momentos, fico quase que ofuscada por tanta luz. É difícil abrir os olhos e encarar a realidade a céu aberto. Nada como uma crise para revelar craques e inúteis, nada como uma guerra para revelar valentes e covardes. Nada como um estado de exceção para revelar os verdadeiros valores das pessoas. E foi aqui que comecei a notar que o cristianismo de muitos não tem nada de cristão, nada de Bíblia, nada de Jesus Cristo.
Muitos que vão à igreja todos os domingos e leram a Bíblia de cabo a rabo, estão agora como Layla citando textos fora de contexto e clamando por fazer justiça com as próprias mãos. Muitos que sabem o salmo 23 de cor, agora querem expor a si mesmos e aos que amam a um vírus mortal porque, simplesmente, não creem que é Deus quem lhes dá o pão.[1] Muitos que repetem diariamente a oração do Pai Nosso, se recusam a sacrificar-se por seus irmãos, mesmo dizendo adorar um Cristo que morreu na cruz para lhes dar Vida Eterna. Gente que quer o retorno do AI5, da Ditadura Militar e das armas em riste, mesmo sabendo que Jesus dizia para amarmos os nossos inimigos, orarmos pelos que nos perseguem e darmos a outra face. Gente que sabe que o Reino de Deus não é poder mundano, mas sonha com estado católico ou coisa que o valha. Gente que diz que Deus é o Senhor do Tempo, mas quer um retorno à Idade Média. Gente que pede por coisas cujas consequências seriam nefastas, mas sequer tem conhecimento suficiente para perceber isso, ainda que sigam arrotando sabedoria Teológica, Filosófica e Psicológica, tudo naturalmente adquirido de forma autodidata, na interpretação do guru Fulano de Tal, que sempre tem razão, mesmo não sendo capaz de manter a razão de si mesmo.
Fico pesando na Igreja Primitiva, nos cristãos que iam para o Coliseu servir de comida para leões ou que queimavam como velas humanas pelas ruas de Roma - cristãos que sabiam que não era o papel deles reagir, que a dor momentânea não era comparável ao gozo do porvir e que sua recompensa não estava nesse mundo, que não é nosso, mas jaz do maligno. O que foi feito da fé desses homens e mulheres? O que foi feito da mensagem do Evangelho que transtornou o mundo? O que foi feito da esperança do cristão? Nós abrimos mão de tudo isso, como os judeus adorando o bezerro de ouro, ao vender nossa alma e nossa consciência à esses políticos escrotos que nos convencem com meia dúzia de frases de discursos populistas - e temos feito isso há décadas.
Meu amigo, saia do Velho testamento, pelo amor de Deus!!!!
Layla parte para o Oriente Médio, ciente do que lhe aguardava como uma mulher muçulmana, mas cheia de fé de que com ela seria diferente, que o marido via seu potencial, que ia lhe deixar desenvolver seus talentos e ter uma voz. Afinal, ela servia a Alá, abandonou a família, a escola, o sonho de ser médica pela causa de seu povo. Queria encher o Islã de guerreiros, ser a mãe de muitos filhos. Foi só quando se viu prisioneira na própria casa, vendo o marido ser enviado como homem-bomba, é que compreendeu o tamanho da enrascada em que tinha se enfiado.
No Brasil, alguns só se darão conta do que causaram a si mesmos, quando começarem a ver parentes e amigos morrendo de COVID 19, porque a política falou mais alto que a saúde pública; ou quando ninguém mais for livre para pensar, sentir, dizer, ou ser, como acontece em todos os governos ditatoriais, sejam de esquerda ou de direita (como se aqui no Brasil existisse, de fato isso de ideologias partidárias, como se tudo não existisse para nos ludibriar e nos roubar, como se tudo não fosse estratégia de manipulação, cada vez mais explícita e mais simples, porque o povo está cada vez mais burro...) e vivermos lamentando a morte de uma democracia que nossos compatriotas lutaram tanto para conseguir; ou quando se der conta de que para este ou aquele governo, o único commodity é o seu voto – isso enquanto ainda existirem eleições, ou enquanto elas não forem burladas, como já acontece em outras pseudo-democracias da América Latina.
Assim como Layla sonhava com um Islã que não existia e isso é bastante notório quando a personagem chega ao Oriente Médio, numa verdadeira favela de pedra e tenta iludir a si mesma, achando que vai construir um lar, muitos cristãos deixaram de esperar a Volta de Cristo e o Reino dos Céus para apostar num messias terreno, num país perfeito, numa sociedade sem falhas, numa vida plena de prosperidade e justiça e, em prol dessa fantasia, venderam a alma aos falsos mestres e abriram mão de todos os seus valores. Para esses recomendo a leitura de A Revolução dos Bichos, de George Orwell, vocês verão que a cegueira que os afeta hoje os faz ovelhas, cães e cavalos de porcos que nunca deixarão de lhes explorar e usar, mas que seguirão sempre nutrindo seu imaginário de promessas de paz e prosperidade. Afinal, “Napoleão tem sempre razão”...
A dificuldade de Layla em confiar e ouvir seus pais, seu irmão, sua amiga de infância, em prol de estranhos que do nada viram sua família, é constantemente verificada nos guetos ideológicos que nos rodeiam e que vemos todos os dias nas trades de Twitter ou nas lines do Facebook. São sempre os mesmos, curtindo e comentando postagens, retroalimentando o sistema, encurralando suas vítimas em excessos de um afeto vazio e entorpecedor. Ideias são repetidas como mantras, gerando uma atmosfera hipnótica capaz de levar um sujeito decente e pai de família a obstruir a entrada de ambulâncias em hospitais, a criar teorias da conspiração mais esdrúxulas e ficar postando nas redes para confundir pessoas, a defender a eficácia de um medicamento sem testagens (e que agora os americanos provaram que inclusive mata mais depressa os pacientes afetados), a iludir seus discípulos com uma resistência falsa ao isolamento, impulsionando muitos a ir para as ruas, correndo risco de vida e assim vai...
Layla quase matou, muitos brasileiros estão matando de fato...Matando a si mesmos e aos outros. Tudo por causa do canto da sereia sectária, da falta de fé, da necessidade de ser parte de algo, da sede de poder...Não há valentia em colocar os outros em risco por causa do seu comportamento! Romper o isolamento não é um problema seu, ou a reivindicação de um direito, mas sim fruto do seu egoísmo de quem não entendeu nada do que é cristianismo, mas quer usá-lo em prol dos seus próprios interesses torpes – Para estes, só digo uma coisa: Deus é o meu Vingador! Haverá acerto de contas.



[1] E aqui fica uma observação, todas as pessoas que eu vejo esbravejando contra a quarentena são pessoas que dependem do trabalho de outras pessoas para manter a conta bancária fora do vermelho. Gente que poderia sim ficar 2 ou 3 meses sem renda, talvez acabariam um pouco endividados, mas não falidos. Gente que vai colocar funcionário para trabalhar e ficar em casa se protegendo do vírus. Gente que de cristão não tem nada. #ficaadica #estamosdeolho