A pele que habito

A pele que habito

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Meu divórcio não me define...




Nem como pessoa, nem como profissional...

Já faz muito tempo que penso em escrever sobre isso, mas acabei adiando, primeiro porque queria poder ver as coisas com um distanciamento saudável e porque não queria cair em nenhuma armadilha vitimista ou sentimentalista. Como já faz mais de dez anos desde que tudo isso aconteceu na minha vida e como meus pacientes crentes ainda são incomodados pelo preconceito que me persegue desde então, acho que está na hora de me posicionar a respeito. 

Faço isso pelos meus pacientes!

Não sei se vocês sabem, mas o divórcio é considerado a terceira coisa mais estressante que pode acontecer na vida de uma pessoa. Essa verdadeira catástrofe pessoal só perde para a perda de um filho (1ª coisa mais estressante que pode acontecer na vida de uma pessoa) ou a morte de um cônjuge verdadeiramente amado (sim existem muitos cônjuges que não são amados por aí...rs...). Quando você se divorcia, acorda de manhã e tenta olhar para o seu futuro e ele não existe mais. Tudo o que você sonhou e planejou para sua vida, todos os anos que investiu nisso, toda energia que colocou em transformar esses planos em realidade, foram despedaçados como um castelo de areia pela onda no mar. No meu caso, simplesmente perdi meu casamento, minha casa, meu bem sucedido consultório, a cidade que eu amava morar, toda a família do meu ex-marido que eu amava como se fosse minha e cada um dos sonhos e expectativas que eu tinha a respeito dessa união. Aos 28 anos eu me tornei um completo fracasso, para mim mesma e para o mundo. Decepcionei meus pais, sem querer os tornei vítimas de difamação pública, porque como meu pai é pastor nossa vida foi jogada na roda para críticas e julgamentos sem fim, as pessoas viravam as costas para eles em eventos e diziam crueldades para minha mãe, me acusavam de adúltera (o que eu não fui, caso alguém ainda pense isso e, mesmo que tivesse sido, isso não me impediria de restaurar minha vida e não me tornaria uma profissional desqualificada. Davi, homem segundo o coração de Deus, foi adúltero e assassino; Madalena foi prostituta), interesseira (sendo que abri mão de todos os direitos que eu pudesse ter de pensão ou qualquer coisa assim, já que eu fui prejudicada profissionalmente), imoral e todos os outros ‘is’ que as pessoas costumam colocar em cima de uma mulher que decide não se manter mais casada pelos motivos que só cabem a ela, ao ex-marido e a Deus saberem. (Pensando só na minha parte de responsabilidade nesse fracasso todo, só posso dizer que eu era muito imatura para casar, não estava pronta nem para escolher um marido, nem para manter um relacionamento dessa magnitude. Sei que isso não é desculpa para nada, minha mãe, por exemplo, se casou aos 17 anos e conseguiu ter sucesso, mas as pessoas são diferentes e eu nunca deveria ter casado cedo. Foi uma burrice enorme e eu paguei e pago cada centavo dessa má escolha até hoje.)

Nesse período, perdi quase todos os meus amigos, porque a maioria era de igreja e não souberam como lidar com aquilo que consideraram uma ‘grande queda’. Infelizmente, antes do divórcio eu era muito popular no meio eclesiástico, dava palestras e aulas em escola dominical, virei uma espécie de referência por conta da Psicologia, então quando a ‘merda’ toda ficou pública, despenquei de um pedestal e as pessoas que me amavam, amavam essa Danielli, não a outra que me tornei e que nem eu mesma reconhecia: frágil, sem respostas, magoada e ‘magoante’, caída e imperfeita. Algumas pessoas me ligaram, outras nem isso e o único pastor que me visitou, que eu considerava um amigo de infância, só veio para me dizer que eu nunca mais poderia me casar de novo. Algo que, por mais que eu fosse inteligente e informada o suficiente para saber que não tinha nenhum fundamento religioso e que só revelava o que o que eu já sabia, ou seja, que a igreja não está preparada para tratar assuntos de divórcio, exceto pelo viés sexual e punitivo, ainda assim me magoou profundamente, acentuou a culpa que eu já sentia e me fez ficar fechada para outros relacionamentos por uns 5 anos. Nesse período adoeci muito, inclusive emocionalmente, busquei apoio nos lugares errados, me senti rolando num tapete de espinhos, fiquei triste todos os dias e me enfiei de cabeça no trabalho porque foi a única forma que consegui para seguir com a minha vida.

Demorei anos para estabelecer novos planos e metas pessoais, para DESEJAR de novo alguma coisa, fiz novos amigos (embora eu tenha me tornado muito mais introspectiva e desconfiada do que já era, em todos os tipos de relacionamento), encontrei novos talentos e novos interesses em mim mesma, tive que me recriar e me redescobrir em todas as áreas, praticamente NASCER DE NOVO, inclusive espiritualmente, porque quando vc descobre que não basta fazer tudo certo e seguir todas as regras para que sua vida dê certo (algo amplamente ensinado na igreja, mesmo que não exista nenhum eco bíblico que apoie essa ideia - Vamos falar sobre Jó?), você fica infinitamente confuso e precisa ter muita persistência (ou teimosia) para discutir noites e noites com Deus sobre isso e conseguir manter sua fé!

O fato é que passei por tudo isso SOZINHA. Se não fosse pelo apoio dos meus pais, da minha família e das poucas pessoas que não são hipócritas ou infantis na fé, eu estaria complemente ISOLADA. A única resposta que recebi da igreja foi FOFOCA, DIFAMAÇÃO e uma espécie de ódio contido que hoje, depois de ler muito ‘A Letra Escarlate’ e me identificar com a  Hester Pryne, compreendo como uma dificuldade neurótica de lidar com o próprio pecado e com a própria imperfeição. Existe um prazer mórbido em eleger um bode expiatório e colocar sobre ele toda a culpa. Para muitos não é suficiente que a pessoa tenha que lidar com as consequências de seus erros, elas precisam ser pisoteadas, humilhadas, destruídas para que o ‘equilíbrio’ seja restabelecido.

Parece absurdo e até ridículo (eu, pelo menos, dou muita risada), mas mais de dez anos depois do meu divórcio e, por mais que tenha buscado ter uma vida discreta e pequena, ainda sou assunto de conversas em igrejas. O fato de eu ter namorado por quase 2 anos um cara muito mais novo também não ajudou muito na reconstrução da minha ‘persona moral’, eu admito...rs...

A despeito de tudo disso, honestamente, a única coisa que me incomoda nessa ‘fofocaiada’ toda é quando ela prejudica meu trabalho como psicoterapeuta. Para piorar, minha especialidade é psicoterapia de crianças e adolescentes, o que me torna, na ‘cabeça louca’ de alguns, uma espécie de corruptora de menores ou algo parecido, ainda que na minha vida pessoal REAL não exista absolutamente NADA que corrobore essa ideia.

Ironicamente - apesar das críticas infundadas a respeito da minha conduta moral e ética, feita na maioria, por psicólogos ‘cristãos’ (que esqueceram qualquer conduta ética aceitável, alguns sequer me conhecem, mas sabem tudo sobre como sou perniciosa...), muitos dos quais cobram para ler a Bíblia e orar com seus pacientes, função essa de pastor, que não tem nada a ver com Psicologia e que não deve ser cobrada (e desse tipo de psicólogo a igreja está cheia), ou pais de adolescentes que ao perceberem que os filhos estão crescendo e não são o retrato deles mesmos, acabam atribuindo a ‘Dani perigosa’, que criaram para não precisarem enxergar seus próprios erros, cada escolha que os filhos fazem e que não condiz com o que eles próprios escolheriam para os filhos, como se tais meninos não tivessem cérebro e o direito de serem eles mesmos, pessoas que obviamente não fazem ideia do que é uma psicoterapia e acham que fico dando aulas sobre ‘como ser rebelde’ a cada sessão - sigo recebendo pacientes das igrejas que me conhecem desde pequena, talvez exatamente porque ao não ser eu própria tão perfeita, talvez possa oferecer uma ESCUTA (e é disso que se trata uma psicoterapia) menos hipócrita e menos moralista. “Não julgueis...” E o papel do psicólogo NUNCA é o de juiz. #ficaadica

Aqui talvez se torne necessário algum esclarecimento sobre o que de fato faz um psicólogo clínico. A primeira coisa é que por mais que um psicólogo seja cristão na sua vida pessoal, na prática clínica isso não existe! Por questão ética eu tenho que estar preparada para atender qualquer tipo de paciente: cristão, budista, ateu, hetero, gay, trans, homem, mulher, criança, adolescente, adulto, velho, deficiente e etc... Isso quer dizer poder dialogar dentro do universo de cada pessoa, tentar falar a língua dela, compreender o que é válido no universo do paciente e trabalhar esses conteúdos dentro dessa coerência, obviamente levando em conta e relacionando isso ao que seria correto no âmbito social em que o paciente está inserido (tipo o apóstolo Paulo que com os gregos falava como grego, como os romanos, como romano e etc)... e oferecer APOIO EMOCIONAL para as dores dessa existência, que variam de acordo com a realidade de vida de cada pessoa e oferecer também técnicas e ferramentas (não medicamentosas) para se lidar com os diversos Transtornos Mentais que existem. Psicólogo não é tábua da lei, não faz aconselhamento bíblico, psicólogo não apresenta modelos de moral e bons costumes, psicólogo não ‘faz cabeça’ de paciente, psicólogo não é pai e mãe, psicólogo não fica transformando o paciente numa cópia de si mesmo, não toma decisões pelo paciente ou o obriga a seguir suas opiniões. Se o seu psicólogo faz qualquer uma dessas coisas, ele é um picareta! Procure outro. E se eu quiser evangelizar viro missionária, se eu quiser pastorear viro pastora ou freira. Deu para compreender? Se meu paciente quiser falar de Bíblia, falo com ele de Bíblia, se quiser falar de PT, falo com ele de PT, se quiser falar da Agatha Christie, idem...

Dito isso, destaco que as pessoas que criticam meu trabalho não questionam minha formação e nem poderiam, porque é excelente e sou muito estudiosa; não questionam minha competência, porque sequer foram meus pacientes para saber como eu trabalho; ou minha inteligência, por motivos óbvios. Essas pessoas questionam minha vida pessoal e moral, ainda por cima sem base, porque sequer me conhecem intimamente ou são honestas o suficiente para conversarem comigo sobre suas dúvidas, questionam também as decisões pessoais de meus pacientes, porque talvez não correspondam ao seus próprios desejos, como se meus pacientes fossem pessoas acéfalas e incapazes de viver e de escolher a própria vida. Já me culparam por término de namoro, por escolha ‘profissional’ inadequada, até porque a pessoa decidiu fechar a porta do quarto na hora de dormir...E a trave no olho segue impedindo o crítico de enxergar o quanto ele mesmo precisa de terapia! Não é fácil ser psicoterapeuta. Nunca foi e nunca será, mas ESSA BATALHA É MINHA E EU NUNCA ABANDONO UMA ARENA SEM LUTAR!

Não, MEU DIVÓRCIO NÃO ME DEFINE COMO PESSOA E MUITO MENOS COMO PSICOTERAPEUTA!

Mulheres divorciadas também não são PUTAS só por serem divorciadas, embora eu compreenda 
( mas não saia recomendando isso por aí) porque muitas de nós acabem optando por sexo casual e nunca mais se envolvam emocionalmente na vida. O preço de um casamento fracassado é tão GRANDE para algumas, especialmente na igreja, especialmente se (mesmo que involuntariamente) você for uma pessoa pública, que torna quase inviável se arriscar num novo relacionamento.

Em tempo, É SIM PIOR PARA MULHERES. Tenho amigos psicólogos e psiquiatras cristãos HOMENS divorciados e que não sofrem a menor dificuldade ou julgamento moral em seu trabalho. Meu pai acha que é porque já se casaram novamente e isso meio que restauraria certa aura de credibilidade, uma vez que a sociedade parece impor o casamento como meio de contenção moral (como se não existisse adultério), talvez seja, talvez seja também porque a sociedade ainda tenha muito mais facilidade para perdoar um homem que se divorcia do que uma mulher que se divorcia, ainda mais na igreja. Só observar a forma como as lideranças, de forma geral, costumam instar muito mais a mulher traída a perdoar o marido adúltero do que o contrário.

Fica a minha pergunta pessoal: Sou obrigada a me casar para ser respeitada moralmente e como profissional? E se eu nunca encontrar uma pessoa que realmente me inspire a isso? Além de terminar meus dias sozinha e de não ter filhos (algo que já nem almejo mais), ainda tenho que lidar com o julgamento das pessoas e o repúdio social? Será que mereço toda essa carga de injúria, simplesmente porque meu casamento não deu certo? Simplesmente ME RECUSO A SER VÍTIMA da imaturidade e da maldade de alguns. Vou sim continuar atendendo e fazendo meu melhor pelos ‘crentes’ que me procurarem e, modéstia às favas, eu sou uma BAITA PSICOTERAPEUTA, daquelas que sobraram poucas nesse país cuja formação acadêmica virou uma catástrofe. Quem se importar mais com minha competência do que com meu estado civil só terá a ganhar!

Muitos me criticam por ir pouco à igreja.
E se eu disser que tenho ido pouco para não perder a fé?
E se eu disser que não aguento mais chegar à igreja e ouvir da boca do professor (a) da Escola Dominical que a filha do presbítero tal ‘machucou’ a igreja toda porque engravidou antes de casar, por exemplo?

O fato é, e aqui serei bem sincera, que não tenho, nesse momento, estrutura emocional e espiritual (ou saco mesmo) para tolerar a imensa gama de neurose que identifico dentro da igreja o tempo todo, talvez um dia eu volte a ter, sei que posso ajudar e muito nisso, embora seja uma batalha constante e insalubre. Ainda acho que apesar de tudo, a igreja ainda é o melhor lugar desse mundo para se estar, tenho pedido a Deus constantemente que me mostre um lugar para congregar, mas ainda não achei esse lugar e tendo em vista minhas opiniões teológicas, um tanto polêmicas, acho que só um milagre para me fazer ser acolhida outra vez em algum lugar.

ISSO NÃO SIGNIFICA QUE EU SEJA UMA PESSOA IMORAL, QUE PREGUE A IMORALIDADE EM MEU CONSULTÓRIO, QUE NÃO TENHA A MÍNIMA NOÇÃO DE RESPEITO E HIERARQUIA, QUE ORIENTE MEUS PACIENTES ADOLESCENTES A SAÍREM POR AÍ ARRISCANDO A VIDA DELES E ABANDONANDO TODA EDUCAÇÃO QUE RECEBERAM EM CASA, OU QUE ORIENTE PESSOAS CASADAS A LARGAREM SEUS CASAMENTOS, OU QUE INSTRUA TODO MUNDO A FAZER SEXO DE FORMA IRRESPONSÁVEL E ETC, ETC, ETC...Qualquer acusação nesse sentido é pura intriga da oposição, inveja da concorrência e, talvez, um desejo reprimido de ser como eu, para alguns fracassada, para outros apenas lúcida e viva!

Na verdade, inclusive, sou até bastante conservadora...

Para ser um bom psicoterapeuta, além de inteligência, sensibilidade e empatia, você precisa ter MUITA, MAS MUITA alegria de viver, apesar de todas as dificuldades, de todas as incertezas e de todas as frustrações dessa vida.

Se você é um poço de ‘religiosismo’, vitimismo, criticismo, moralismo, pessimismo, derrotismo e inveja, faça um favor a si mesmo e guarde sua nuvem negra só para você mesmo! Não coloque isso na vida de outras pessoas. Você não passa de um homem ou mulher do subsolo (vá ler Dostoievski)!