A pele que habito

A pele que habito

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Cabelo curto e sonhos despedaçados...

Cortei o cabelo e foi como se me livrasse de vinte quilos. Ficou bonito e leve, sinto o vento deslizando amigo em meu pescoço, quando me olho no espelho sinto vontade outra vez que me maquiar e de usar brincos novos, colocar outros tipos de roupa e vestir sapato de salto alto de vez em quando. Sei lá, há muito de terapêutico em um simples corte de cabelo, sou eu mesma como há tanto tempo não conseguia ser, me sinto livre, sincera, aberta...


Tantas coisas na vida são tão mais complicadas do que deveriam ser, demorei tanto para fazer algo que eu desejava mesmo e já fazia tanto tempo, criei tantos dilemas em cima de algo tão pequeno...Que outras coisas venho complicando demais?

Dormi mal essa noite como durmo em quase todas, talvez o calor tenha ajudado dessa vez, mas era algo mais, algo denso, quase palpável ao meu redor, não era sufocante, apenas um pouco pesado demais, como quando estamos em carro cheio, dá para ficar, mas você quer que acabe logo! Percebi que nunca terei a segurança que preciso nas outras pessoas, nas minhas relações, no meu trabalho ou em qualquer coisa dessa vida fluida que vivemos... podemos e devemos ser responsáveis, mas todos nós somos imperfeitos, inseguros e carentes, de modo que, devemos fazer o melhor, mas nenhum de nós pode oferecer garantia completa, seja no que for!

Dar-se conta disso é abrir mão da nossa tentativa vã e infantil de ser independentes. TODOS PRECISAMOS DE ALGUÉM! Seja para segurar nossa mão quando estamos tristes, seja para compartilhar risadas nos momentos felizes roubados dessa nossa existência de luta. Até das minhas gatinhas eu preciso, o que seria de mim sem aquela meiguice peluda, acariciando meu rosto de manhã (5h40 pontualmente) e que me faz acordar feliz e bem humorada todos os dias?

Diz o C.S. Lewis que nossa vida aqui é só uma ante-sala, que os momentos alegres e doces que temos aqui servem apenas para nos deixar com saudades do lar que nos aguarda em outra dimensão, diz também que eles nunca serão freqüentes o suficiente para nos fazer confundir esse lugar com o nosso lugar. Fico pensando que se aqui já temos tantas coisas lindas para admirar e desfrutar, como será então esse nosso lugar? Esse que nos espera um dia?

Um coração pode ser despedaçado tantas vezes e de tantas maneiras, a ponto de não ter mais sequer forma,  e ainda assim, por motivos difíceis de compreender, o mesmo coração se enche de esperança cada vez que um bebê novo nasce ou que alguém descobre que ama alguém. Não há fim da linha para quem acredita na vida! Parece pieguice, parece ingenuidade, mas é o que eu sinto, mesmo quando dói...E eu sei que isso não vem de mim, vem de algo maior, algo que enxerga as coisas como um todo e não em partes.

Lembro do dia em que briguei com minha terapeuta por não agüentar mais ser esse pára-raios emocional que sou, daí ela riu com aquele seu humor tão especial e disse que se não podemos nos livrar de uma coisa, podemos fazer uso dela, e foi quando comecei a afiar minha ferramenta, a aprender a usá-la sem me ferir, ainda não sou tão boa na segunda parte...rs...mas gosto muito mais da primeira!

Sensibilidade, ela nos machuca mais quando olhamos só para o nosso umbigo, na medida em que olhamos mais para o outro ela facilita as coisas, serve como lubrificante, aquece as relações, aproxima, ajuda a descobrirmos o remédio certo. Só dá para usar com certa segurança quando decidimos parar de buscar a felicidade e passar a buscar um motivo maior para as nossas vidas! Cada vez que ouço alguém dizer que tem o direito de ser feliz me dá um arrepio, desse mato vai sair um monte de decisões equivocadas e pessoas feridas. Quando vamos parar de enxergar as pessoas como objetos para nosso uso-fruto? Se não víssemos as pessoas como passatempo, como distração, como algo feito para nos agradar, ou mesmo como algo utilitário, para alcançar nossos fins (nem sempre muito nobres), então nunca nos entediaríamos delas! Pessoas são sujeitos do verbo, nunca objetos...Quando as conhecemos, quando entramos na vida delas e permitimos que elas entrem nas nossas, estamos estabelecendo uma relação entre universos inteiros de sentimentos, pensamentos, valores e realidades. Ninguém existe para a satisfação de ninguém! Para informação, uma das crises mais comuns em consultórios, no que diz respeito às crianças, é o fato dos pais não aceitarem que seus filhos não são o que eles sonharam que fossem, uma injustiça desmedida para os pequenos, muita culpa e frustração para os grandes. Em uma palavra: EGOÍSMO!

Sonho com tardes cor-de-laranja, piqueniques e olhares de paz, sonho com sorrisos sinceros e toques para serem lembrados no "para sempre", sonho com cheiro de shampoo johnsons em cabecinhas bagunceiras e saudáveis, sonho com casa quentinha, comida gostosa e árvores de natal enfeitadas, sonho com família estruturada, marido amoroso, filhos e netos crescendo e virando boa gente, sonho com envelhecer de mãos dadas com alguém também envelhecendo. Sonhos que não sei se vou realizar!  Sonho porém com algo maior e certeiro, algo que já tenho aqui em parte e que um dia terei e verei face-a-face...Tendo isso, nada mais importa, sonhos despedaçados machucam, mas não matam.