A pele que habito

A pele que habito

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Quando ir à igreja se torna uma neurose?

 

Foi consenso em vários autores do século XIX, talvez devido ao conservadorismo exagerado e hipócrita da Era Vitoriana (lembremos que foi nessa época, por exemplo, que muitos de nós ditos cristãos defendíamos a escravidão de seres humanos enquanto professávamos uma fé baseada em amor a Deus e ao próximo...) que a experiência religiosa em si era ilusória, neurótica e forma desonesta de manipulação de massas. Temos nessa lista nomes demonizados como Marx e Freud, até hoje muito criticados por bocas que, em geral, nunca os leram ou lerão na íntegra, quiçá nem leram ou lerão outros autores comentando a respeito de seus textos, exceto, talvez, alguns trechos empedernidos e mal escritos em explorações ideológicas selvagens - tão em voga na nossa atualidade líquida - de tantos autores mirins interessados em angariar votos para esse ou aquele candidato.

Tem sido novidade, portanto, em algumas áreas da Ciência, como na Psicologia, um reconhecimento da validade da experiência religiosa como atenuante de sintomas de Transtornos Mentais e, inclusive, como forma de fortalecimento emocional e de estabelecimento de relações comunitárias saudáveis e até curativas. Esse reconhecimento, como quase tudo na vida, não é só positivo, não! Graças à ele temos tido uma onda terrível de consteladores, tarólogos, astrólogos, nutrólogos, coachs, mentores, gurus (leia-se traficantes de drogas)  e ‘psicólogos’ cristãos  de araque (leia-se gente que cobra pra dar aconselhamento bíblico e boicotar tratamentos medicamentoso com as máximas “se você tiver fé o bastante, se você realmente abrir o coração”) prestando verdadeiros desserviços à saúde mental de pessoas, explorando fragilidades e, inclusive, ao final, afastando gente traumatizada de qualquer busca espiritual verdadeira pelo resto da vida. Dica: Se seu psicólogo ficar querendo te levar na religião dele, pule fora! Por outro lado, temos visto coisas muito proveitosas e curativas acontecerem no seio das comunidades religiosas, isso quando elas realmente o são. Afinal, ir à igreja, fazer parte de um coletivo que se reúne com base em valores saudáveis e sentir-se realmente parte desse coletivo, pode mesmo nos dar um sentido maior para a existência e, para muitos, oferecer um tipo de acolhimento e socialização, não raro, capaz de salvar suas vidas. (...nossas Oficinas Dorcas que o digam?)

Mas será sempre assim a experiência religiosa? Será sempre um lugar de saúde? O que torna nossa vida na igreja um descanso já nessa vida ou o que, ao contrário, pode fazer dessa vivência um verdadeiro inferno antecipado? Como saber se o que estou vivendo é o que deveria ser a verdadeira religião ou se estou alimentando mais ainda as neuroses que já trago, muitas vezes, do meu passado familiar, das feridas de outras relações, de fragilidades egóicas herdadas e/ou adquiridas? A igreja está me curando ou me adoecendo?

Pensando no viés cristão, que é o meu viés, o Salmo 122, para mim, traz algumas ideias bastante claras sobre o que seria a saúde espiritual comunitária, ou a experiência de se frequentar uma comunidade para o bem, não para o mal.

O verso 1 é conhecidíssimo, já vi até bordado em pano de prato e diz: “Alegrei-me quando me disseram: Vamos à casa do Senhor!” Parece-me muito claro aqui que a alegria precisa ser um sentimento fundamental a inspirar minha vida comunitário-eclesiástica. Preciso sentir prazer e contentamento quando me preparo para estar com meus irmãos em adoração, até porque, “...a alegria do Senhor é a nossa força” (ou nossa fortaleza,  numa tradução melhor), como diz em Neemias; o contentamento em Deus é exatamente aquilo que deve nutrir minha fé, minha vontade de estar na casa de Deus, minha motivação em viver essa vida com Cristo. Sem alegria ninguém está na igreja de forma saudável! Se meu coração fica pesado nos cultos e momentos de comunhão coletiva, se ao adentrar o recinto eclesiástico a tristeza entope meus canais de comunicação com Deus, com os outros e comigo mesma, o objetivo de minha permanência nesse lugar foi totalmente perdido e eu preciso ser tratada, ou essa comunidade precisa ser tratada, ou na pior das hipóteses esse não é o lugar onde eu deveria ser igreja.

O v.3 diz que “Jerusalém está construída como cidade fortemente estabelecida.” Compreendendo Jerusalém como uma cidade-metáfora para a própria comunidade espiritual, pode-se concluir que a igreja que contribui para a saúde de seus comungantes é aquela que nos dá um sentimento de constância e estabilidade, um lugar-seguro onde posso levar minha adoração, minhas necessidades espirituais e onde encontrarei solidez. Uma igreja que vive aos trancos e barrancos devido à suas contradições teológicas, neuroses e/ou defeitos de caráter de seus membros (sobretudo de seus líderes) mal resolvidos e adoecidos não traz aspecto de segurança para ninguém. É óbvio que não existem igrejas perfeitas nesse mundo mal, insano por natureza, mas igrejas cuja solidez estão na Palavra de Deus e cujos membros (sobretudo os líderes) realmente buscam desenvolver sua salvação não vivem de crises, elas passam por crises, mas se fortalecem, aprendem, melhoram e são transformadas, não permanecem no sangue parado de suas batalhas perdidas. Igrejas bem estabelecidas são boas em identificar problemas antes que se tornem destrutivos, não se acovardam diante dos desafios e não se omitem quando devem lutar para preservar a si mesmas em Deus, extirpar o mal pela raiz e manter o bem da comunidade.

 O v.5 diz que “Lá estão os tribunais de justiça, os tribunais da casa real de Davi.” Se lembrarmos que da Casa Real de Davi surgiram o homem considerado mais sábio de todos (Salomão, cuja sabedoria lhe foi dada pelo próprio Deus) e o Salvador do Mundo, Jesus Cristo, o Deus-homem perfeito, podemos concluir que, minimamente, uma igreja precisa ser um lugar onde se busca a Justiça e a Sabedoria do alto, onde todas as causas são julgadas de forma verdadeira, com seriedade e justiça, buscando-se fazer a vontade de Deus e corrigindo os erros com a disciplina coerente e isso para o benefício de todo o povo que ali congrega, nunca por motivações e interesses pessoais de uma liderança que, se insiste em gerir em causa própria, tem agido como joio e, sabendo quem é o Dono da Igreja, só pode estar cativa de algum transtorno mental ao fazer isso. Dura coisa é cair nas mãos do Deus vivo! #ficaadica

O salmo termina com uma grande ênfase na PAZ, na SEGURANÇA e no BEM COMUM, v.6 – Ore pela paz em Jerusalém; v.7 – Haja paz dentro de teus muros e segurança dentro das tuas cidadelas; v.8- Em favor de meus irmãos e amigos, direi: Paz seja com você!. v.9 – Em favor da casa do Senhor, nosso Deus buscarei o seu bem. Uma igreja sem paz, dividida, entregue à discórdias, fofocas e confusões, onde as pessoas se sentem perseguidas aos invés de protegidas, onde se tolera que se faça o mal com seus membros (lembrando que o cristão deve orar e fazer o bem até aos seus inimigos) e não se pune com justiça aqueles que destroem a paz e causam divisões (coisa esta, aliás, que Deus abomina), pode ser tudo: clube, partido político, hospício, boate, só não é igreja!

Sendo assim, em síntese, temos aqui os seguintes princípios básicos que definem o que é um lugar onde se pode ter uma experiência espiritual e comunitária saudável: além do aspecto óbvio de que deve ser um lugar onde a Palavra de Deus é pregada de forma zelosa, correta e verdadeira, a Igreja precisa trazer ALEGRIA, deve viver em CONSTÂNCIA, deve julgar com JUSTIÇA, deve ter e manter a PAZ e deve garantir o BEM COMUM! A alegria precisa ser para todos os que ali frequentam, não só para uma pequena parcela de privilegiados que faz tudo como acha melhor para eles e obriga os outros a servi-los; a constância precisa ser na Palavra, não de permanência no poder dos mesmos que se acham donos da igreja e não soltam o osso da liderança, mesmo quando explicitamente não têm sabedoria alguma para liderar;  a justiça nas causas deve ser total e imparcial, regida pelos valores da Palavra de Deus, que diz que ANTES IMPORTA AGRADAR A DEUS DO QUE AOS HOMENS, não para proteger amizades antigas ou ‘lugares ao sol’ de gente cuja neurose transformou cargos na igreja em um fim em si mesmo e nem em detrimento dos mais frágeis ou daqueles que não tem quem os defenda; a paz deve ser um valor e uma constante e todos precisam lutar para que ela se estabeleça e se mantenha e o bem é COMUM, ou seja de todos, não só de alguns.

Ok, então, podemos esperar da igreja que escolhemos: Alegria, Constância, Justiça, Paz e Bem Comum!!!!

O que não podemos esperar:

·         Não podemos esperar que a igreja em si mesma nos cure de nossa necessidade de autoafirmação: Se você vai à igreja esperando receber amor incondicional, aceitação plena, aplausos, reconhecimento humano, senso de valor e aprovação, você está garantindo sofrimento e seguir nessa busca tresloucada por amor nos lugares errados vai lhe adoecer, vai lhe machucar e ferir a outros, se você segue nesse caminho, está numa relação sadomasoquista perfeita! Quanta gente que foi rejeitado na escola, sofreu bulling na adolescência vai para a igreja para tentar ser o popular da patota, o fariseu do pedaço e humilhar aqueles que sabem, inclusive, ser muito melhor do que eles? Quanto gente vaidosa vai ser líder na igreja para ser adorado, se comparando a outros constantemente, tentando ocupar espaços de outros por pura inveja e oportunismo, pouco se lixando para o bem-estar da comunidade em si? Quanta gente de autoestima baixa fica aguardando migalhas dos ‘populares’, com atitude servis, esquecendo de sua honra em Cristo e de sua dignidade como filho de Deus só para poder ‘fazer parte’ de uma ‘elite’, que geralmente, está mais na carne do que o pessoal da Friboi. Galera vende a alma e se aliena até de Cristo só para poder fazer parte da moçada ostentação e se sentir um pouco menos nada nessa vidinha de bosta que levam!

·         Não podemos esperar que a igreja resolva nossa crise de identidade: Quantas pessoas assumem funções na igreja e se entregam de tal forma a esse serviço a ponto de tirar dessas funções todo sentido de sua existência, esquecendo-se de que esse sentido devia vir de seu relacionamento com Deus, não de um cargo ou atividade. Gente assim vive nervosa, belicosa, encrenqueira, disputando poder, cheio de inveja e de ciúmes, medindo performance, prejudicando gente mais talentosa, com medo de perder o papel cuja existência tem lhe dado uma ilusão de propósito. Gente assim crucificou Jesus, sabiam? Gente assim crucifica crente de verdade todos os dias!  Você nunca será nada fora de Cristo e o mais bizarro é que você pode passar uma vida sendo nada dentro da Casa de Deus sem sequer enxergá-lo – puro irmão mais velho do filho pródigo.

·         Não podemos esperar que a igreja sacie nossa sede de poder: Se você é tão vazio que sua função na comunidade é a de manipular pessoas a fazerem o que você quer, só porque seu orgulho te ordena a isso e te convence de que você é detentor de toda razão e conhecimento, seu narcisismo precisa de psiquiatra e urgente, antes que você machuque gente e se perca para a eternidade! #ficaadica

·         Não podemos esperar que a igreja sacie nossa sede por relacionamentos: Quantas pessoas permanecem na igreja se nutrindo de relações muitas vezes superficiais e ilusórias, gastando tempo e sentimento com pessoas que não as correspondem, exatamente porque suas relações reais e importantes são péssimas ou até inexistentes? Gente assim é um buraco negro a sugar qualquer sugestão de afeto que surja, esperando encontrar em outros pecadores carentes o amor pleno que só a relação com Deus pode dar? Não confunda igreja com Deus! Uma coisa nem sempre tem muito a ver com a outra! A igreja pode sim te dar relacionamentos, relacionamentos reais, com pessoas reais, tão carentes de amor quanto você mesmo. Essas relações serão tão mais satisfatórias quanto mais você e seus amigos beberem da água da vida que só Cristo pode dar. A partir daí amigos se tornam irmãos e a busca por Deus em comum se transforma em parceira e cumplicidade.

 

Última dica: Fuja de comunidades que te deixam mais doente! Uma comunidade cristã autêntica (e, portanto, saudável) é sim, um lugar de doentes, mas doentes procurando cura, não de doentes deixando outras pessoas doentes!