A pele que habito

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domingo, 16 de outubro de 2011

Czeslaw Milosz e a mente cativa (ou criativa...)

* Vale destacar que ele me chegou às mãos por um ato falho, numa parteleira de livraria pequena li - A mente criativa, folheei um tempo para depois ler direito - A mente cativa e aí, como sempre, quando se tratam destas coisas meio esquisitas, fiquei curiosa...Daí em diante, só posso dizer que estou encantada por ele, lerei tudo que me chegar às mãos e escrever sobre ele me deixou com um incrível frio na barriga! Acaso? Nada é acaso nesta vida...Principalmente a vida!

Czeslaw Milosz viveu de 30 de junho de 1911 até 14 de agosto de 2004. Nasceu lituano, mas se criou como polonês. Sobreviveu aos dois maiores e piores regime totalitários de todos os tempos, o nazismo (vivendo no famoso gueto de Varsóvia) e o comunismo. Foi de cristão a ateu e de ateu a cristão, numa conversão muito parecida com a de C.S.Lewis, baseada principalmente na inteligência e numa observação perspicaz da realidade. Milosz era fluente em polonês, lituano, russo, inglês e francês.
De 1961 a 1998 foi professor de línguas eslavas e Literaturas na Universidade da Califórnia, Berkeley. Em 1978 recebeu o Neustadt International Prize de Literatura. Aposentou-se nesse mesmo ano, mas continuou a ensinar em Berkeley.

Em 1980 recebeu o Prêmio Nobel de Literatura. Desde que seus trabalhos tinham sido proibidos na Polônia pelo governo comunista, esta foi a primeira vez que muitos poloneses tomaram conhecimento dele. Quando a Cortina de Ferro caiu, Milosz foi capaz de retornar à Polônia, dividindo seu tempo entre sua casa em Berkeley e um apartamento em Cracóvia. Em 1989, ele recebeu nos EUA a Medalha Nacional das Artes e um doutorado honorário da Universidade de Harvard. Durante este período, na Polônia, seu trabalho foi silenciado pelo governo, censurado pelos meios de comunicação.

Seu livro de 1953 The Captive Mind (a mente cativa) é um estudo sobre como se comportam os intelectuais sob um regime repressivo e é considerado um clássico contra o totalitarismo. Milosz analisa a tirania de tais regimes, escravizando pessoas não só pela força, mas também pelas idéias e observa, entre outras coisas, que aqueles que se tornam dissidentes não eram necessariamente aqueles com as mentes mais fortes, mas sim aqueles com estômagos mais fracos: a mente pode racionalizar qualquer coisa, ele diz, mas o estômago pode levar muita coisa. Muito interessante também, são alguns dos paralelos traçados com o fundamentalismo religioso, especialmente o islâmico, tornando a obra ainda atual. O conteúdo do livro se relaciona ao de 1984, de George Orwell, e O Zero e o Infinito, de Arthur Koestler. Mas, ao contrário destes, é uma obra de não ficção. Milosz, ao contrário dos outros dois autores, viveu realmente sob os amargores de um sistema totalitário, na verdade dois – a Polônia nazista e a Polônia comunista. Escrito em Paris escandalizou muitos intelectuais europeus que flertavam com os ideais stalinistas da época. Através de toda a Guerra Fria, o livro foi citado por comentaristas conservadores. Outro livro dele com temática semelhante é “A tomada do poder”, onde disserta sobre as tentações e os perigos do totalitarismo.

”Mente Cativa compõe-se de uma série de ensaios encadeados nos quais Milosz analisa o que leva intelectuais a abrir mão da liberdade para se render a um regime que pensa por eles. O autor estuda o caso de quatro escritores que conhecera – e que acabaram se tornando servos voluntários da ditadura absoluta. Escrevendo antes da morte de Stalin, ele fala do totalitarismo ainda em seu esplendor, antes que o contraste entre as promessas megalomaníacas do governo e a miséria cotidiana de seus prisioneiros tivesse reduzido o bloco soviético a uma farsa habitada por cínicos profissionais. Se isso poderia aparentemente tornar obsoleta a obra, o fato é que, em dias como os nossos, nos quais intelectuais defendem acordos com teocracias islâmicas e tentam impor a unanimidade de uma pretensa linha justa, sua análise da atração que estes sentem pelas piores tiranias continua atual e necessária.” (Nelson Asher – poeta, tradutor e jornalista brasileiro)

A obra de Milosz foi sempre distinguida pela abordagem intelectual e emotiva dos piores momentos históricos do século XX. Considerado um dos nomes mais importantes da literatura da Polônia, Czeslaw Milosz também era conhecido pelas suas declarações polêmicas. Em 1998, ano em que José Saramago foi distinguido com o prêmio Nobel da literatura, o poeta foi um dos poucos antigos premiados que assumiu não gostar da obra do escritor português. "É uma escrita da moda, cheia de humor, mas esse humor é plano. Confesso que não o suporto". (...pelo visto ele também não gostava de texto sem pontuação...rsrsrs....)

Milosz morreu em 2004 em sua casa em Cracóvia, aos 93 anos.

Milosz é homenageado em Israel Yad Vashem memorial ao Holocausto , como um dos " Justos entre as Nações ".



• Trechos de “Mente Cativa”:

“A liberdade de algo é significativa, mas não o suficiente. É muito menos do que a liberdade por algo.”

“- Não quero viver o suficiente para ver o comunismo instituído, provavelmente será muito enfadonho. Quando a grandiosa tarefa de reeducação for concluída e o odiado ‘ser metafísico’ no homem for completamente esmagado, o que restará?”

“A economia ocidental desperdiça talentos a um grau incrível; os poucos que são bem-sucedidos devem seu sucesso muitas vezes à pura sorte quanto à sua habilidade nata.”

“Muitos músicos, pintores e escritores que tiveram a oportunidade de fugir para o Ocidente não o fizeram, pois sentiram que era melhor compor, pintar ou escrever de uma forma ou de outra, do que ensinar ou trabalhar em uma fábrica, sem tempo ou energia sobressalente para aperfeiçoar suas verdadeiras vocações, Muitos dos que saíram do país retornaram a seus próprios países seguros dessa convicção.”

“O trabalho do pensamento humano deve suportar o teste da realidade nua e brutal. Se não o suporta de nada vale. Provavelmente apenas aquelas coisas que conseguem preservar sua validade diante dos olhos de um homem ameaçado pela morte instantânea valem a pena.”

“Entre os intelectuais que sobreviveram às atrocidades da guerra na europa oriental, ocorreu um fenômeno que podemos chamar de A ELIMINAÇÃO DE LUXOS EMOCIONAIS. Romances psicanalíticos os incitam a rir. Eles consideram a literatura de cunho erótico, ainda popular no Ocidente, lixo. Imitações de pinturas abstratas lhes são enfadonhas. Eles têm fome, mas querem pão, não entradas sofisticadas.”

“De modo contrário às previsões de Marx, foi necessária tamanha desgraça, para que o sistema conseguisse renascer na retrógrada Rússia e a revolução se tornasse um verdadeiro empreendimento dirigido por burocratas do centro, reforçado ainda pela força militar. Tal desgraça suscitou essas questões a um ponto em que os europeus, buscando mudar a ordem obsoleta de seus países, concordaram em se submeter a uma nação que nunca soube liderar a si mesma e, em toda a história, nunca presenciou prosperidade ou liberdade. Que destino terrível ter nascido em tal era!”

“Und Morgen die ganze Welt” cantavam os guardas da SS se movendo contra o pano de fundo negro da fumaça que saía dos crematórios de Auschwitz. O nazismo era a insanidade coletiva, contudo, as massas alemãs seguiram Hitler por razões psicológicas profundas. Uma grande crise econômica e social deu à luz o nazismo. A juventude da Alemanha naquela época se deparava com a decomposição e o caos da República de Weimar, a degradação de milhões de desempregados, as asquerosas aberrações da elite culta, a prostituição de suas irmãs e a luta do homem contra seu próximo por dinheiro. Quando a esperança do socialismo desapareceu, ele aceitou a outra filosofia da história que lhe foi oferecida, uma filosofia que era uma paródia da doutrina Lenin-stalinista.


“Quando finalmente a Polônia foi obrigada a passar da adoração restrita à Rússia à completa idolatria, ele não deixou ninguém ultrapassá-lo. Escreveu sobre o heroísmo dos soldados soviéticos, a gratidão que cada polonês deveria expressar à Rússia, sobre Lenin e a juventude Komsomol (União da Juventude Comunista). Aderiu à linha comunista sob todos os aspectos. Na qualidade de célebre autor, recebeu um visto para a União Soviética e passou algum tempo em Moscou, e dela enviou relatórios entusiásticos em forma de prosa e verso. Em um deles, anunciou que apenas um detalhe estragava a magnificência de Moscou: ela se parecia demais com Taormina; as pessoas desse lugar comiam laranjas em demasia e Delata não gostava dessa fruta.”



O que é Ketman?
O povo do Oriente muçulmano acredita que “aquele que estiver em posse da verdade não deve expor a si mesmo, seus parentes ou a sua reputação à cegueira, à estupidez, à perversidade daqueles sob os quais Deus sentiu prazer em submeter e manter no erro”. Devem, portanto, se manter calados a respeito de suas próprias convicções, na medida do possível.



“Quem quer que venha a ler as afirmações públicas feitas acerca dos quatro autores discutidos nos capítulos anteriores, poderá afirmar que eles vendiam sozinhos. A verdade é, contudo, mais complexa. Esses homens são, mais ou menos conscientemente, vítimas de uma situação histórica. A consciência não os ajuda a cumprir com suas obrigações; pelo contrário, ela os forja. Na melhor das hipóteses, a consciência oferece-lhes os deleites do Ketman como consolo. Nunca antes houve tamanha servidão por meio da consciência como no século 20.”



“O materialismo dialético, ao estilo russo, nada mais é que a ciência popularizada do século 19 elevada à segunda potência. Seus componentes emocionais e didáticos são tão fortes que eles mudam todas as proporções. Apesar de o método ser científico em suas origens, quando aplicado às disciplinas humanas, freqüentemente as transforma em histórias edificantes adaptadas às necessidades do momento. Mas não há escapatória, uma vez que o homem entre nessas pontes convenientes. Séculos de história humana, com suas milhares e milhares de questões minuciosas, são reduzidos a algumas, a maior parte termos generalizados. Sem dúvida, o indivíduo aproxima-se mais da verdade ao ver a história como a expressão da luta de classes em vez de uma série de questões privadas entre reis e nobres. Contudo, precisamente porque tal análise da história se aproxima mas da verdade, ela é mais perigosa. Dá a ilusão do conhecimento pleno; fornece respostas a todas as perguntas, perguntas meramente andavam em círculos repetindo poucas fórmulas. Além disso, as disciplinas humanas se conectam com as ciências naturais graças à perspectiva materialista (como nas teorias da “matéria eterna”), daí vemos o círculo se fechar perfeita e logicamente. Então, Stalin torna-se o momento crucial da evolução da vida em nosso planeta.”


- Alguns poemas (da internet pq ainda não li outras coisas dele):

DÁDIVA

Um dia tão feliz.
A névoa baixou cedo, eu trabalhava no jardim.
Os colibris se demoravam sobre a flor de
[ madressilva.
Não havia coisa na terra que eu quisesse
[ possuir.
Não conhecia ninguém que valesse a pena
[ invejar.
O que aconteceu de mau, esqueci.
Não tinha vergonha ao pensar que fui quem sou.
Não sentia no corpo nenhuma dor.
Me endireitando, vi o mar azul e velas.

(Berkeley, 1971)



História da Literatura Polonesa
Lá, onde as gaivotas dormindo em névoas nadam sobre
superfícies tranquilas,
e além, onde navios sobem e descem.
A notícia a esse respeito corre sob a luz da montanha,
Mostrando o poeta à mesa,
No quarto frio, numa cidade pouco conhecida,
Quando o relógio bate na torre.
Seu lar está nos espinhos dos pinheiros, no balido da corça,
Na explosão das estrelas dentro do punho.
O relógio não lhe mede o poema. Ribomba
Como a idade do mar na profundeza da concha
Que jamais silencia. Dura. E o seu sussurro
Que imita os homens é forte.

Feliz o povo que possui poetas
E em seus tormentos não caminha calado.
Apenas os oradores não gostam dos poetas “