Foi
consenso em vários autores do século XIX, talvez devido ao conservadorismo
exagerado e hipócrita da Era Vitoriana (lembremos que foi nessa época, por
exemplo, que muitos de nós ditos cristãos defendíamos a escravidão de seres
humanos enquanto professávamos uma fé baseada em amor a Deus e ao próximo...)
que a experiência religiosa em si era ilusória, neurótica e forma desonesta de
manipulação de massas. Temos nessa lista nomes demonizados como Marx e Freud,
até hoje muito criticados por bocas que, em geral, nunca os leram ou lerão na
íntegra, quiçá nem leram ou lerão outros autores comentando a respeito de seus
textos, exceto, talvez, alguns trechos empedernidos e mal escritos em
explorações ideológicas selvagens - tão em voga na nossa atualidade líquida -
de tantos autores mirins interessados em angariar votos para esse ou aquele
candidato.
Tem sido
novidade, portanto, em algumas áreas da Ciência, como na Psicologia, um
reconhecimento da validade da experiência religiosa como atenuante de sintomas
de Transtornos Mentais e, inclusive, como forma de fortalecimento emocional e
de estabelecimento de relações comunitárias saudáveis e até curativas. Esse
reconhecimento, como quase tudo na vida, não é só positivo, não! Graças à ele
temos tido uma onda terrível de consteladores, tarólogos, astrólogos, nutrólogos,
coachs, mentores, gurus (leia-se traficantes de drogas) e ‘psicólogos’ cristãos de araque (leia-se gente que cobra pra dar
aconselhamento bíblico e boicotar tratamentos medicamentoso com as máximas “se
você tiver fé o bastante, se você realmente abrir o coração”) prestando verdadeiros
desserviços à saúde mental de pessoas, explorando fragilidades e, inclusive, ao
final, afastando gente traumatizada de qualquer busca espiritual verdadeira pelo
resto da vida. Dica: Se seu psicólogo ficar querendo te levar na religião dele,
pule fora! Por outro lado, temos visto coisas muito proveitosas e curativas
acontecerem no seio das comunidades religiosas, isso quando elas realmente o
são. Afinal, ir à igreja, fazer parte de um coletivo que se reúne com base em
valores saudáveis e sentir-se realmente parte desse coletivo, pode mesmo nos
dar um sentido maior para a existência e, para muitos, oferecer um tipo de
acolhimento e socialização, não raro, capaz de salvar suas vidas. (...nossas
Oficinas Dorcas que o digam?)
Mas será
sempre assim a experiência religiosa? Será sempre um lugar de saúde? O que
torna nossa vida na igreja um descanso já nessa vida ou o que, ao contrário,
pode fazer dessa vivência um verdadeiro inferno antecipado? Como saber se o que
estou vivendo é o que deveria ser a verdadeira religião ou se estou alimentando
mais ainda as neuroses que já trago, muitas vezes, do meu passado familiar, das
feridas de outras relações, de fragilidades egóicas herdadas e/ou adquiridas? A
igreja está me curando ou me adoecendo?
Pensando
no viés cristão, que é o meu viés, o Salmo 122, para mim, traz algumas ideias
bastante claras sobre o que seria a saúde espiritual comunitária, ou a
experiência de se frequentar uma comunidade para o bem, não para o mal.
O verso 1
é conhecidíssimo, já vi até bordado em pano de prato e diz: “Alegrei-me quando
me disseram: Vamos à casa do Senhor!” Parece-me muito claro aqui que a alegria
precisa ser um sentimento fundamental a inspirar minha vida comunitário-eclesiástica.
Preciso sentir prazer e contentamento quando me preparo para estar com meus
irmãos em adoração, até porque, “...a alegria do Senhor é a nossa força” (ou nossa
fortaleza, numa tradução melhor), como
diz em Neemias; o contentamento em Deus é exatamente aquilo que deve nutrir
minha fé, minha vontade de estar na casa de Deus, minha motivação em viver essa
vida com Cristo. Sem alegria ninguém está na igreja de forma saudável! Se meu
coração fica pesado nos cultos e momentos de comunhão coletiva, se ao adentrar
o recinto eclesiástico a tristeza entope meus canais de comunicação com Deus,
com os outros e comigo mesma, o objetivo de minha permanência nesse lugar foi
totalmente perdido e eu preciso ser tratada, ou essa comunidade precisa ser
tratada, ou na pior das hipóteses esse não é o lugar onde eu deveria ser
igreja.
O v.3 diz
que “Jerusalém está construída como cidade fortemente estabelecida.”
Compreendendo Jerusalém como uma cidade-metáfora para a própria comunidade espiritual,
pode-se concluir que a igreja que contribui para a saúde de seus comungantes é
aquela que nos dá um sentimento de constância e estabilidade, um lugar-seguro
onde posso levar minha adoração, minhas necessidades espirituais e onde encontrarei
solidez. Uma igreja que vive aos trancos e barrancos devido à suas contradições
teológicas, neuroses e/ou defeitos de caráter de seus membros (sobretudo de
seus líderes) mal resolvidos e adoecidos não traz aspecto de segurança para ninguém.
É óbvio que não existem igrejas perfeitas nesse mundo mal, insano por natureza,
mas igrejas cuja solidez estão na Palavra de Deus e cujos membros (sobretudo os
líderes) realmente buscam desenvolver sua salvação não vivem de crises, elas
passam por crises, mas se fortalecem, aprendem, melhoram e são transformadas,
não permanecem no sangue parado de suas batalhas perdidas. Igrejas bem
estabelecidas são boas em identificar problemas antes que se tornem
destrutivos, não se acovardam diante dos desafios e não se omitem quando devem
lutar para preservar a si mesmas em Deus, extirpar o mal pela raiz e manter o bem da comunidade.
O v.5 diz que “Lá estão os tribunais de
justiça, os tribunais da casa real de Davi.” Se lembrarmos que da Casa Real de
Davi surgiram o homem considerado mais sábio de todos (Salomão, cuja sabedoria lhe
foi dada pelo próprio Deus) e o Salvador do Mundo, Jesus Cristo, o Deus-homem
perfeito, podemos concluir que, minimamente, uma igreja precisa ser um lugar
onde se busca a Justiça e a Sabedoria do alto, onde todas as causas são
julgadas de forma verdadeira, com seriedade e justiça, buscando-se fazer a
vontade de Deus e corrigindo os erros com a disciplina coerente e isso para o
benefício de todo o povo que ali congrega, nunca por motivações e interesses
pessoais de uma liderança que, se insiste em gerir em causa própria, tem agido
como joio e, sabendo quem é o Dono da Igreja, só pode estar cativa de algum
transtorno mental ao fazer isso. Dura coisa é cair nas mãos do Deus vivo!
#ficaadica
O salmo
termina com uma grande ênfase na PAZ, na SEGURANÇA e no BEM COMUM, v.6 – Ore
pela paz em Jerusalém; v.7 – Haja paz dentro de teus muros e segurança dentro
das tuas cidadelas; v.8- Em favor de meus irmãos e amigos, direi: Paz seja com
você!. v.9 – Em favor da casa do Senhor, nosso Deus buscarei o seu bem. Uma
igreja sem paz, dividida, entregue à discórdias, fofocas e confusões, onde as pessoas se sentem perseguidas aos invés de protegidas,
onde se tolera que se faça o mal com seus membros (lembrando que o cristão deve
orar e fazer o bem até aos seus inimigos) e não se pune com justiça aqueles que
destroem a paz e causam divisões (coisa esta, aliás, que Deus abomina), pode
ser tudo: clube, partido político, hospício, boate, só não é igreja!
Sendo assim, em síntese, temos aqui os seguintes princípios básicos que definem o que é um lugar onde se pode ter uma experiência espiritual e comunitária saudável: além do aspecto óbvio de que deve ser um lugar onde a Palavra de Deus é pregada de forma zelosa, correta e verdadeira, a Igreja precisa trazer ALEGRIA, deve viver em CONSTÂNCIA, deve julgar com JUSTIÇA, deve ter e manter a PAZ e deve garantir o BEM COMUM! A alegria precisa ser para todos os que ali frequentam, não só para uma pequena parcela de privilegiados que faz tudo como acha melhor para eles e obriga os outros a servi-los; a constância precisa ser na Palavra, não de permanência no poder dos mesmos que se acham donos da igreja e não soltam o osso da liderança, mesmo quando explicitamente não têm sabedoria alguma para liderar; a justiça nas causas deve ser total e imparcial, regida pelos valores da Palavra de Deus, que diz que ANTES IMPORTA AGRADAR A DEUS DO QUE AOS HOMENS, não para proteger amizades antigas ou ‘lugares ao sol’ de gente cuja neurose transformou cargos na igreja em um fim em si mesmo e nem em detrimento dos mais frágeis ou daqueles que não tem quem os defenda; a paz deve ser um valor e uma constante e todos precisam lutar para que ela se estabeleça e se mantenha e o bem é COMUM, ou seja de todos, não só de alguns.
Ok,
então, podemos esperar da igreja que escolhemos: Alegria, Constância, Justiça,
Paz e Bem Comum!!!!
O que não
podemos esperar:
·
Não podemos esperar que a igreja em si mesma nos cure
de nossa necessidade de autoafirmação: Se você vai à igreja esperando
receber amor incondicional, aceitação plena, aplausos, reconhecimento humano,
senso de valor e aprovação, você está garantindo sofrimento e seguir nessa
busca tresloucada por amor nos lugares errados vai lhe adoecer, vai lhe machucar
e ferir a outros, se você segue nesse caminho, está numa relação sadomasoquista
perfeita! Quanta gente que foi rejeitado na escola, sofreu bulling na adolescência vai para a igreja para tentar ser o popular
da patota, o fariseu do pedaço e humilhar aqueles que sabem, inclusive, ser
muito melhor do que eles? Quanto gente vaidosa vai ser líder na igreja para ser
adorado, se comparando a outros constantemente, tentando ocupar espaços de outros
por pura inveja e oportunismo, pouco se lixando para o bem-estar da comunidade
em si? Quanta gente de autoestima baixa fica aguardando migalhas dos ‘populares’,
com atitude servis, esquecendo de sua honra em Cristo e de sua dignidade como
filho de Deus só para poder ‘fazer parte’ de uma ‘elite’, que geralmente, está mais na carne do que o pessoal da Friboi. Galera vende a alma e se aliena até de Cristo só para
poder fazer parte da moçada ostentação e se sentir um pouco menos nada nessa
vidinha de bosta que levam!
·
Não podemos esperar que a igreja resolva nossa
crise de identidade: Quantas pessoas assumem funções na igreja e se
entregam de tal forma a esse serviço a ponto de tirar dessas funções todo
sentido de sua existência, esquecendo-se de que esse sentido devia vir de seu
relacionamento com Deus, não de um cargo ou atividade. Gente assim vive nervosa,
belicosa, encrenqueira, disputando poder, cheio de inveja e de ciúmes, medindo
performance, prejudicando gente mais talentosa, com medo de perder o papel cuja
existência tem lhe dado uma ilusão de propósito. Gente assim crucificou Jesus,
sabiam? Gente assim crucifica crente de verdade todos os dias! Você nunca será nada fora de Cristo e o mais
bizarro é que você pode passar uma vida sendo nada dentro da Casa de Deus sem
sequer enxergá-lo – puro irmão mais velho do filho pródigo.
·
Não podemos esperar que a igreja sacie nossa
sede de poder: Se você é tão vazio que sua função na comunidade é a de manipular
pessoas a fazerem o que você quer, só porque seu orgulho te ordena a isso e te
convence de que você é detentor de toda razão e conhecimento, seu narcisismo
precisa de psiquiatra e urgente, antes que você machuque gente e se perca para
a eternidade! #ficaadica
·
Não podemos esperar que a igreja sacie nossa sede
por relacionamentos: Quantas pessoas permanecem na igreja se nutrindo de
relações muitas vezes superficiais e ilusórias, gastando tempo e sentimento com
pessoas que não as correspondem, exatamente porque suas relações reais e
importantes são péssimas ou até inexistentes? Gente assim é um buraco negro a
sugar qualquer sugestão de afeto que surja, esperando encontrar em outros
pecadores carentes o amor pleno que só a relação com Deus pode dar? Não
confunda igreja com Deus! Uma coisa nem sempre tem muito a ver com a outra! A
igreja pode sim te dar relacionamentos, relacionamentos reais, com pessoas
reais, tão carentes de amor quanto você mesmo. Essas relações serão tão mais
satisfatórias quanto mais você e seus amigos beberem da água da vida que só
Cristo pode dar. A partir daí amigos se tornam irmãos e a busca por Deus em
comum se transforma em parceira e cumplicidade.
Última dica: Fuja de comunidades que
te deixam mais doente! Uma comunidade cristã autêntica (e, portanto, saudável) é
sim, um lugar de doentes, mas doentes procurando cura, não de doentes deixando
outras pessoas doentes!