“Eras
um poema/ cujas palavras/cresciam dentre mistérios e lágrimas/ * / Serás
silêncio, / tempo sem rastro, / de esquecimentos atravessado.” Cecília Meireles
“Sempre,
nunca, palavras absolutas que não podemos compreender, sendo como somos:
pequenas criaturas presas em nosso breve tempo.” Rosa Montero
Está
seco.
Seco
como só acontece no segundo semestre de cada ano, mas mais seco do que de
costume. Olhos ardem, narizes se ressentem, lábios trincam como se fizesse um
frio glacial, usamos tubos e mais tubos de hidratantes variados, nenhum
cumprindo muito o que promete.
No
ar o cheiro de fumaça é triste. Triste porque sabemos que vem das queimadas, a
maioria intencional. Árvores morrem, animais morrem e nossa alma morre,
sabedora da condição nefasta da alma humana. Maldito materialismo!
No
contexto temos eleições para prefeito. Sempre mais do mesmo? Não, pode piorar,
temos bufões como Pablo Marçal arrotando vitória com seu mar de desinformação.
Diante dele até os Datena da vida se tornam opções atraentes. Para combatê-los no
pleito temos um esquerdo-macho e uma guria de Maria-Chiquinhas. Isso só para
falar de São Paulo capital, mas, como sempre digo, eu não voto, só justifico e
me sinto cada vez mais justificada por não votar.
No
âmbito cultural geral, vez ou outra, bem outra, surge alguma surpresa
interessante, uma Rosa Montero da vez que acalenta nosso coração sedento das
boas letras, dos assuntos interessantes, das discussões férteis...No mais é só
poeira, poeira dessa fumaça podre das queimadas mentais! A Arte agoniza com as
matas e eiras.
Sobra
o Artesanato e meus dedos buscam nas linhas e nas cores um acalento feminino
perdido na raiva das minhas ancestrais diante de seus homens tiranos e
sociedades castradoras. Vamos nos redescobrir algum dia? Poderemos ser homens e
mulheres serenos, acalmados em nossas sedes de poder?
Rosa
Montero diz que “A tristeza aguda é uma alienação. Você se cala e se fecha.” E
assim como Fernando Pessoa e Oscar Wilde, ela defende o caráter redentivo da
beleza. Será que parei de escrever por que fiquei triste demais? Triste de uma
tristeza tão íntima e tão profunda que sequer me permito tocar nela no nível da
minha vida do dia-a-dia? É fato que perdi meu pai e meu filho com apenas um mês
de diferença entre essas mortes. É fato também que perdi minha cidade, que
depois da pandemia nunca mais será a mesma, assim como nada será o mesmo. É
fato também que fomos vítimas de uma loucura coletiva da qual acho melhor nem
mencionar para não constranger ainda mais aqueles que tiveram a sorte de se
recuperar dela. Foram tantas dores acumuladas, tantas dores de amores.
Compreendo meu mecanismo de defesa adjacente. As palavras secaram em meus
dedos, mas não no meu coração.
Setembro
abre como esse versículo na folhinha: “Eu sou a flor que nasce na planície de
Sarom, o lírio que cresce no vale.” (Cantares 2;1) E enquanto escrevo isso,
ouço o barulho da boca do fogão sendo acesa, logo o cheio de café inunda a
cozinha e sei que meu marido, que viveu todo esse turbilhão comigo, está
fazendo café. Café, essa bebida forte e aromática, sempre tão vívida e tão
vivificadora. O amor constante e fiel cura!
Anteontem
mesmo vi um Ipê Branco florido. Eles são sempre sublimes. O Ipê Amarelo é
energia pura, aquela cor vibrante alegra qualquer coração. O Ipê Roxo é puro
romance, seus tons de lilás a púrpura lembram tardes aleatórias de vestidos
brancos leves, fitas de cetim no cabelo, doces com chantilly e beijinhos
roubados. O Ipê Branco, porém, é pura magnificência; é um mar de pureza e
transcendência, uma chuva de neve quente e sedosa, um alô do infinito, um
portal para Deus.
Assim
que eu o vi o fotografei. As fotos nunca ficam tão bonitas quando o Ipê vivo na
nossa frente. No ato pensei em escrever esse texto, falar sobre a efemeridade
da vida e da beleza e em como é exatamente esse caráter frágil que as torna tão
fortes. Será isso o feminino? Será que precisei sofrer as dores mais pungentes
para me purificar de toda sucata ideológica que eu carregava? Será que vou
conseguir compartilhar isso com outras pessoas?
Cheguei
a pensar que era o clima que não me deixava escrever, ou a correria de nossa rotina cheia de
atividades e coisas importantes para fazer, achei até que meus dois surtos de
COVID tinham afetado meu cérebro e minha memória, ainda acho um pouco isso.
Seria a meia-idade? A Rosa Montero teve um bloqueio criativo de quatro anos por
causa de uma história que encruou e ficou entupindo seus canais criativos.
Sabe-se lá que mecanismo misterioso é esse que faz nossos dedos correrem pelo
teclado de um computador ou de uma máquina de escrever, ou mesmo nos obriga a
pegar numa caneta e encher com ela folhas e folhas antes brancas. A dor
verdadeira nos cala, não nos faz escrever. A dor que nos faz escrever não é a
nossa, é a dos outros. O Poeta é um fingidor.
O Ipê floresce e em poucos dias está novamente
nu em talo. Passa a maior parte do ano feio, apenas na promessa de sua beleza
fulgaz. Ainda assim nós o esperamos ansiosos, muito pela beleza perturbadora de
suas copas amplas e generosas e de suas flores magníficas e delicadas, mas
também porque sua floração anuncia o final do período de estiagem, depois dela,
a floração, dia menos dia e a chuva chega. Chuva econômica e melindrosa é fato,
como é econômico e melindroso o afeto da maioria da goianada, mas ainda assim é
chuva. Chuva com a qual o cerrado faz festa, acostumado como está com pouca
água! Aprenderei eu a ser como o cerrado e fazer da pouca chuva uma grande
tromba d’água? Leia-se inspiração.
Entro
nessa terceira página de texto com o coração aos pulos, estou escrevendo, meu
Deus! Estou escrevendo! Texto curto, mas sincero! Coisa boa essa sensação de
pensar e dizer, de ter coisas dentro de mim para aparecer! Não morri como escritora,
não estou velha demais para nada nessa vida! Palavras ainda são palavras!
Minhas linhas de bordado verbais! Com elas eu teço um mundo! Desculpem o mar de
exclamações, mas é sempre rica de riso a restauração!
Chore
não, Ipê imortal em sua mortalidade! O fim da seca se aproxima.
Lindo o seu texto, Dani! Parabéns por voltar a escrever! Eu já estava com saudade... Não pare mais, por favor, pois seus textos me ajudam a alimentar minha alma com doçura e esperança
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