A pele que habito

A pele que habito

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Entre americanas e francesas, fique com as italianas...


                                                                                 "...a miséria amorosa é indissolúvel; é aguentar ou                                                                                      largar: administrar é impossível (o amor não é                                                                                          dialético ou reformista)."
                                                                                    Roland Barthes - Fragmentos de um discurso                                                                                                                        amoroso
           

          Cerca de dois anos atrás, sabe-se lá Deus por qual motivo, recebi um e-mail de uma página considerada ‘feminazi’, me conclamando ao ‘Lesbianismo Político’. Segundo suas promulgadoras, muito mais do uma questão de orientação sexual, isso seria uma espécie de processo de compreensão das diversas formas pelas quais as mulheres (no e-mail chamadas de irmãs) foram prejudicadas pelo sistema ‘hetero-patriarcal’, que iria aos poucos conscientizando suas adeptas da necessidade e do dever de buscar a libertação deste sistema opressivo, para a maioria através de uma reorientação dos afetos e da sexualidade, já que a sexualidade, nessa concepção, é uma construção social. De modo que, segundo essa linha, as mulheres podem e devem amar mulheres como resultado de seu feminismo.

            A frase mote do texto: “A opressão das mulheres é a única opressão onde os oprimidos são forçados a viverem intimamente com o opressor”, sem dúvida impactante, parece desconsiderar o fato de que mulheres heterossexuais, a menos que estejam em cárcere privado, geralmente se mantém numa relação íntima com um homem por livre vontade. Relacionamentos abusivos, DRs desgastantes, abandonos, términos, dramas e demais insalubridades amorosas, não são exclusividades desta ou daquela orientação sexual.

            Dando uma pesquisada para escrever este texto, descobri outro site (se alguém quiser o link, peça) que parece estar defendendo o ‘Lesbianismo Político’ das críticas das chamadas ‘lésbicas autênticas’ que, acertadamente, questionam o fato de que ninguém escolhe sua orientação sexual. Como opção, sugerem que as mulheres que não se sentem atraídas por mulheres sejam encorajadas a tornarem-se celibatárias, canalizando seu desejo sexual para uma construção social, algo muito superior e mais sofisticado. “Ser lésbica é uma construção social de intimidade, comunidade e cultura. Normalmente, inicialmente, é preciso uma expressão sexual, mas nem sempre isso dura por tanto tempo, para muitas lésbicas.” Dizem isso com base na premissa de que idosos não fazem sexo.
(Em que mundo essa gente vive? ...rs..)

            Lembro que respondi ao e-mail com uma única frase: Não considero a sexualidade uma questão política! Nunca me responderam. Aos que reduzem a discussão dizendo que ‘tudo é política’, só digo, bem freudianamente, que se tudo é política, nada é política.

             Lembro também de dar boas risadas, me imaginando nua na cama com algum cara, de óculos, com uma caderneta na mão, fazendo uma lista das posições politicamente aceitáveis, para ambos assinarem, antes da coisa começar. Ah, sim, porque no e-mail também tinha uma lista de posições sexuais consideradas opressoras - Até a inofensiva (e para alguns, improdutiva) posição missionária parece ter alto teor de repressão da expressividade feminina, talvez se o sujeito for muito pesado, né? Sei lá...

            De todas essas discussões sobre comportamento sexual dos últimos tempos, seja nos círculos privados, seja nos religiosos, nos culturais ou na mídia, o que mais me incomoda (tem se tornado real asco) é essa necessidade absurda de controlar o que o outro faz em suas escolhas íntimas. O tal do ‘você tem que fazer’ isso ou aquilo é o que de mais opressor herdamos de nosso suposto passado obscurantista. Como alguém pode sugerir que em prol de uma ‘liberdade sexual’, uma mulher que gosta de homens, deva se ‘conscientizar’ e abrir mão de sua natureza para destruir um sistema tido como opressor e realizar uma construção social mais adequada. (Alguém lembrou do 1984? Eu lembrei...) Qual é a diferença entre essa sugestão e uma reorientação sexual para gays? Em se tratando de sexo, NINGUÉM TEM QUE FAZER NADA que não queira, que não deseje, que não esteja em consonância com suas escolhas, vontades, necessidades, concepções e princípios. Exigir que o outro seja numa área de tamanha singularidade e intimidade, como é a nossa sexualidade, algo que ele não é e não quer ser, é  uma das atitude mais opressivas e repressivas da expressão individual que se tem notícia.

            Obviamente acho válida qualquer discussão que coloque em cheque abusos de toda ordem. Estupro é crime e tem sido uma forma covarde e aterrorizante de destruir a vida de mulheres, de crianças (e também de homens) desde que o mundo é mundo. Obviamente também, o assédio sexual em ambientes de trabalho existe desde que a mulherada foi para a roça e nem é prerrogativa do mundo artístico, já vi isso muito em mundo corporativo, vejo no mundo acadêmico, no mundo religioso e até em escola infantil. Mas na real? Vejo de todos os lados. Qual é a diferença entre o(a) chefe que usa de seu poder para intimidar, prometendo benefícios ou ameaçando prejuízos, em troca de favores sexuais,  e  a(o) subordinada(o) que oferece tais favores (muitas vezes de forma ostensiva e agressiva) com o objetivo de garantir benefícios ou afastar prejuízos? Quanta gente sem talento não está na telinha ou em cargos importantes (e bem remunerados) porque dormiu com esse ou aquele líder/ produtor/ diretor? Veja, aqui não defendo ninguém! Em minha opinião, o oportunismo é generalizado e sempre desprezível! Talvez eu já tenha perdido oportunidades profissionais por não ter topado sentar no colo de alguém, mas nunca saberei disso ao certo, porque pelo código de conduta pelo qual eu escolhi viver, essa possibilidade nem seria considerada! Escolhas, meus caros, nós somos as escolhas que fazemos.

            Gostei muito do texto das mulheres francesas! Acho a Catherine Deneuve um espanto em todos os aspectos e acho o texto bom, lúcido e realista. Acho também que só mulheres heterossexuais compreenderão aquele texto. Mulheres que gostam de homens e não pretendem namorar caras que de tão emasculados pelos manuais do politicamente correto, acabam mais parecidos com nossas melhores amigas que com nossos objetos de desejo. Sei que nossas melhores amigas são pessoais queridas, mas no mundo ‘hetero’ a gente não sonha levá-las para a cama. Acho também triste que tenhamos chegado ao ponto de ter que escrever e ler textos desse tipo. Nunca estivemos tão mal preparados para as relações amorosas! Galera critica tanto a era vitoriana, mas naquele tempo, pelo menos, você sabia o que esperar e como agir. Todos iam para o baile, se o sujeito estivesse interessado tomava a iniciativa de chamá-la para dançar, se você gostasse, aceitava outras danças e assim a coisa fluía. Hoje em dia, a complicação é tamanha, que você sequer sabe onde e quando será o baile, se o sujeito terá coragem para te chamar para dançar, ou se você terá que chamá-lo (o que é sempre um desalento), ou se ele entendeu que você gosta dele porque dançou de novo, na verdade ninguém sabe mais nem se dançar significa alguma coisa...rs...Perdemos demais quando paramos de cortejar e de aceitar ser cortejadas! Perdemos nossas referências, muitas possibilidades e nossa capacidade de autovalorização. Sem perder tempo falando de amor, essa palavra nunca antes tão incômoda, a verdade é que hoje a nossa etiqueta sexual se resume a ‘nudes’ no celular, pornografia e manuais técnicos de um sexo asséptico que jamais terão a beleza das 1001 noites ou o erotismo de um Kamasutra ou de um Cântico dos Cânticos. O sexo virou algo completamente estrangeiro, externo a nós mesmos e a qualquer vínculo com o outro. Ironicamente, e por causa disso, a era da ‘liberdade sexual’ vai se tornando a época mais assexual da humanidade.

Dica de ‘loba solitária, velha de guerra’:
Um orgasmo não vale o seu respeito próprio! Nunca valeu e nunca valerá.

            Uma das coisas que mais me aborrece nos argumentos do feminismo pós-moderno é a hipocrisia. Acho no mínimo irônico, mulheres se ofenderem com cantadas ruidosas, approach agressivo e insistência (e sim, às vezes inconveniência) deselegante, quando consideram muito adequado e liberado stalkear caras pela internet, insistir com eles até a exaustão, aparecer peladas na porta de um sujeito que nem está interessado e depois sair chamando o mesmo de gay, caso ele tenha conseguido presença de espírito suficiente para dizer não. Acho no mínimo irônico, conclamarem a irmandade feminina contra o patriarcado e depois dar em cima de homem casado, destruir família alheia, beijar namorado de amiga, pegar noivo da irmã, tudo em nome da ‘liberdade sexual’ e do ‘direito de ser feliz’. Acho no mínimo irônico, apelar para lei ‘Maria da Penha’ e querer o escalpo dos caras violentos, mas seguir voltando para o ‘cafajestão-filho-da-puta’, que mete a mão na cara sempre que pode e que tem o dom de fazer qualquer uma se sentir um lixo, só porque o cara é supostamente bom de cama e a autoestima da mulherada é baixa (Vá se tratar, nega!). Acho no mínimo irônico, criticar o comportamento (nada honorável) dos ‘galinhas’ que usam toda a energia possível na conquista e que depois não se dão ao trabalho sequer de dar um telefonema reconhecendo sua existência e se despedindo, mas ter nos seus contatos uma listinha de ‘manwhore[1]’ para aqueles momentos inquietantes do período fértil, pior ainda as que usam caras que declaradamente estão apaixonados por elas, estas verdadeiras megeras. Poderia ficar aqui trazendo à tona mil outras coisas que acho, no mínimo, irônicas, mas acho que já me fiz compreendida. O fato é que nossa vida sexual está mais banalizada que uma coçada de nariz e a pouca mística que sobrou dela, estamos gastando com discussões políticas vazias e movimentos ‘pseudo-feministas’.

            Voltando ao título, recomendo as mulheres italianas por vários motivos, aqui vão alguns: Para começar elas seguem donas dos homens mais bonitos e mais paqueradores da Terra e seguem sem concorrência à altura...Quando digo donas, quero dizer ‘ donas’ mesmo. São donas da casa e da vida do marido e da família, sem melindres, omissões, concessões ou covardias. Minha nonna manda na família inteira até hoje, mesmo com 86 anos e do alto de seu 1,40 m. Mulher italiana não leva desaforo para casa e também não aceita ‘chifres’. Se o sujeito ‘pula a cerca’ vai ficar sozinho e com a conta bancária depenada (se ela além de italiana, for esperta.....) para aprender a cumprir votos e manter a braguilha fechada fora de casa. Se não gosta da abordagem de um sujeito na rua, mete logo um tapa na cara e sai andando, se gosta, assume e não se faz de rogada (com italiana não tem biquinho...). Italianas também tendem a ser lindas, criativas, engraçadas, talentosas, apaixonadas,, geralmente, sabem cozinhar e eu ia dizer que não costumam levar sexo para as urnas, mas lembrei da Cicciolina deputada...kkkkk...

            Lembro do meu nonno me dizendo, para horror da minha mãe,  lá pelos meus 7 ou 8 anos, que meninos podiam ser folgados e que se eu não gostasse de alguma coisa devia meter logo um soco ou um chute ‘naquele lugar’. O conselho me foi bastante útil aos 11 anos, quando na perua escolar, um idiota da sétima série começou a desenvolver o desagradável hábito de bolinar meninas. Eu era pequena, uma das primeiras da fila do recreio e jamais tinha sido sequer chamada na diretoria, mas quando a ocasião surgiu, simplesmente fechei o punho e lhe quebrei o nariz. Obviamente, se estivéssemos num outro lugar e sozinhos, eu podia ter levado a pior, ele era muito mais alto, era mais velho e mais forte, mas o fato é que nunca mais ele sequer ousou voltar a falar comigo na escola.

            Em ‘Psicologia Criminal’ existe uma linha de pesquisa chamada ‘Vitimologia’, nela se estuda entre outras coisas, o motivo pelo qual algumas pessoas são escolhidas para serem atacadas, enquanto outras, com o mesmo perfil, não são. Uma das respostas encontradas diz respeito a um tipo de ‘comportamento de vítima’ bastante específico e que tem a ver com uma percepção de si fragilizada, um jeito de andar e agir inseguro e receoso e uma expressão de confusão ou de estar perdido. Deste modo, me parece que muito mais importante do que destacar o quanto podemos ser agredidas (e de fato podemos), é o perceber o quanto somos capazes de nos defender. O verdadeiro ‘Girl Power’ tem muito mais a ver com desenvolver nossos potenciais e acreditar em nossas capacidades do que com diminuir ou criminalizar comportamentos masculinos.

            E, caso vocês não saibam, homens e mulheres podem de fato se descobrir, se apaixonar e se amar em ambientes de trabalho. Em alguns casos, exatamente por estar em um ambiente de trabalho. Uma vez um homem mais velho, casado há muito, me disse que o que faz duas pessoas se encantarem, e se manterem encantados um com o outro, são os projetos que criam e desenvolvem juntos. No fundo o que todos procuramos é o parceiro ideal de jornada! Tudo ficou tão raso e tão imediatista, tudo ficou tão desesperançado, que nos fazem acreditar que amor é questão de performance e de mercado, mas nada disso é verdade. Amor tem a ver com a possibilidade de criar vida (no sentido denotativo e no metafórico). E essa capacidade não aparece em qualquer relacionamento ou com qualquer pessoa. Tem gente, aliás, que só chega para destruir tudo o que é vivo dentro da gente.

            Sophia Loren, uma italiana estelar, relata em sua autobiografia ‘Ontem, hoje e amanhã’ que conheceu o amor de sua vida, Carlo Ponti, aos 17 anos, quando este tinha 39 anos e ainda era casado, logo não disponível. Carlo era muito mais baixo que ela e não muito bonito, mas era um homem talentosíssimo, inteligente, interessante, protetor e carismático. Trabalharam juntos por muito tempo, ele se tornou seu mentor e melhor amigo e depois de muitos anos de uma carreira brilhante, muitos sucessos compartilhados e numa realidade de vida mais propícia, ambos admitiram o óbvio e se casaram.
Não importa para onde olhe - os olhos dos meus filhos, as fotos espalhadas pela casa, as mil coisas acumuladas no curso de nossa vida - posso vê-lo diante de mim, sorridente e seguro. Mesmo agora que não está mais aqui, ele mora nos meus pensamentos e inspira meus projetos. Minha história - pessoal, profissional e, sobretudo, familiar - gira em torno do meu encontro com Carlo. Desde aquele momento, foi sempre um longo, longuíssimo começo que vivemos juntos, sem nos separarmos jamais.” (p.53)


            Encerro com a reflexão filosófica de Camille Paglia, essa mulher que não é propriamente italiana, embora seu sobrenome entregue alguma ascendência, numa citação mais longa e um pouquinho mais complexa, mas que revela uma percepção brilhante e inspiradora sobre nossas diferenças sexuais:

O homem é sexualmente compartimentado. Genitalmente, está condenado a um perpétuo modelo de linearidade, foco, mira e pontaria. Tem de aprender a mirar, a urina e a ejaculação acabam num emporcalhamento infantil de si mesmo ou do ambiente. O erotismo da mulher é difundido por todo o corpo. Seu desejo de carícias preliminares continua sendo uma área de má comunicação entre os sexos. A concentração genital do homem é uma redução, mas também uma intensificação. Ele é vítima de indomáveis altos e baixos. A sexualidade masculina é inerentemente maníaco-depressiva. O estrogênio tranquiliza, o androgênio excita. Os homens vivem em constante estado de ansiedade sexual, pisando nas brasas de seus hormônios. No sexo, como na vida, são impelidos para mais adiante - adiante do ego, adiante corpo. Essa regra se aplica até no ventre. Todo feto torna-se fêmea se não estiver mergulhado em hormônio masculino, produzido por um sinal dos testículos. Antes do nascimento, portanto, o macho já está adiante da fêmea. Mas estar adiante é estar exilado do centro da vida. Os homens sabem que são exilados sexuais. Vagam pela terra em busca de satisfação. Não há nada nesse movimento angustiado que a mulher possa invejar.
A metáfora genital do homem é concentração e projeção. A natureza dá-lhe concentração para ajuda-lo a vencer seu medo. O homem aborda a mulher em explosões de espasmódica concentração. Isso lhe dá a ilusão de controle temporário dos mistérios arquetípicos que o produziram. Dá-lhe a coragem de voltar. O sexo é metafísico para o homem de um modo que não é para a mulher. As mulheres não têm problemas a resolver pelo sexo. No físico e no psicológico, são serenamente auto-suficientes. Talvez prefiram realizar, mas não precisam. Não são empurradas para mais adiante por seus corpos refratários. Mas os homens estão em desequilíbrio. Têm de buscar, perseguir, cortejar ou tomar. Pombos no gramado, infelizmente...(...) Nenhuma mulher tem de provar-se mulher do modo cruel como o homem tem de provar-se homem. Ele tem de atuar, senão o espetáculo não continua. A convenção social é irrelevante. Um fracasso é um fracasso. De qualquer modo, e ironicamente, o êxito sexual sempre acaba em frouxidão. Toda projeção masculina é transitória, e tem de ser renovada ansiosamente, eternamente. Os homens entram em triunfo, mas saem em decrepitude.” (Personas Sexuais - p.29 e 30)

            Em outro momento, Camille recomenda que sejamos mais maternais e mais misericordiosas com nossos homens, acho que dependendo do homem, ela tem muita razão. Meu psicoterapeuta, homem de 76 anos, uns 30 só de clínica, casado e já avô, diz que as mulheres são mais evoluídas em tudo. Talvez nem todas sejam, mas as que são, pelo bem da humanidade, precisam urgentemente começar a agir como tal.




[1] Gíria não muito bonita para aquele ‘amiguinho’ disponível para sexo sem compromisso.

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