Sobre
bombeiros e afins...
Para mim foi ontem à noite.
Víamos um filme meio ruim na TV, ainda
tendo dúvidas sobre o que comer e sobre que livro ler a seguir, quando sirenes
altíssimas começaram a soar, percorrendo as redondezas. Pensamos que se tratava
de algum incêndio no shopping aqui ao lado, segundo soube, um dos
porta-retratos da cidade. Nós e muitos outros saímos nas varandas para ver o
que estava acontecendo e, ao olhar para baixo, vimos três caminhões do corpo de
bombeiros parados no meio da rua, bem embaixo das nossas janelas. Através de um
autofalante, com voz firme e bem articulada, um deles nos notificava,
novamente, da necessidade premente de FICARMOS EM CASA, de cumprirmos a
quarentena, que aquilo tudo era para o nosso bem, que não havia exageros, que
era MUITO sério e importante que ficássemos em casa.
A única palavra que tenho encontrado para
definir meu sentimento geral diante da ‘surrealidade’ que vivemos nesse período
é APARVALHAMENTO. Cheguei a consultar o google para lembrar se ela existe –
Existe sim.
aparvalhamento
substantivo masculino
1.
ato ou efeito de aparvalhar(-se); aparvoamento.
Origem
⊙ ETIM aparvalhar + -mento
aparvalhar
verbo
1.
1.
transitivo direto e pronominal
tornar(-se) parvo; embasbacar(-se), apalermar(-se).
2.
2.
transitivo direto e pronominal
tornar(-se) atrapalhado; desnortear(-se), desorientar(-se).
Origem
⊙ ETIM a- + parvo + -alho + -ar
Semelhantes
aparvar
aparvoar
Sinto que tenho um troço
se avolumando no meu peito, às vezes fica tão grande que meus olhos se irritam
e se enchem de lágrimas. Tenho reduzido o tempo de ouvir jornais na TV, tenho
evitado certas redes sociais. Cada foto ou notícia sobre a Itália é uma faca no
meu peito. A saudade da minha família aperta e tudo fica pior quando você se dá
conta de que não, não é só pegar um avião, porque você não pode mais pegar
aviões! E ainda nem chegamos ao epicentro da crise – temos ao menos mais uma
semana de espera pela frente.
Ouvir os bombeiros aqui
ontem me emocionou bastante, soube que estiveram em toda a cidade, alguns, como
eu, os ouviram ontem, outros hoje, alguns ainda os ouvirão. O tom da voz
daquele homem no autofalante era muito grave, muito comprometido, muito
preocupado – preocupado com estranhos, como nós, mas também com conhecidos,
como nós, porque todo homem se reconhece em sua vulnerabilidade diante dos
percalços dessa vida efêmera, bela e horrível.
Tenho me encantado demais
com o esforço dos professores e dos líderes religiosos ao vencer barreiras,
superar possíveis inibições, abrir mão de preconceitos e se arriscar nos canais
de Youtube da vida, tentando ensinar, confortar, levar palavras de motivação,
consolo e incentivo, tornando-se vozes em meio ao silêncio, tentando tocar as
pessoas, ainda que sem toques.
Hoje também soube de uma
amiga enfermeira que trabalha no centro de doenças infecciosas daqui e que está
recebendo os casos confirmados ou não de COVID 19 – é a frente de batalha. Ouvi
sua voz no telefone com imensa admiração. Gente que tem coragem e assume seu
posto na hora em que é necessário.
Hoje também atendi minha
primeira paciente de voluntariado de quarentena e a realidade das pessoas
parece tão mais real do que as nossas.
Hoje também li muito,
fiquei bastante tempo acariciando meus gatos, passei tempo divertido e
encantador com o marido lindo que Deus me deu, descobri que minha primeira
plantinha está crescendo como nunca e que, em seu vaso, um ramo de hortelã brotou
de forma imprevista, mas muito bem-vinda.
Hoje também pedi para minha mãe a receita de seu bolinho de frango maravilhoso, conversei com amigos que há muito eu não vejo e fui contatada por um aluno de uma escola na qual lecionei em 2017, que me escreveu para dizer que fiz falta quando deixei de ser sua professora.
Hoje também comi banana quente com canela como minha avó Khadija me fazia e orei mais uma vez pela minha avó Bruna e minha sogra, ambas octagenárias e, portanto, grupo de risco.
Hoje também pedi para minha mãe a receita de seu bolinho de frango maravilhoso, conversei com amigos que há muito eu não vejo e fui contatada por um aluno de uma escola na qual lecionei em 2017, que me escreveu para dizer que fiz falta quando deixei de ser sua professora.
Hoje também comi banana quente com canela como minha avó Khadija me fazia e orei mais uma vez pela minha avó Bruna e minha sogra, ambas octagenárias e, portanto, grupo de risco.
Hoje pensei que Deus tem
um jeito sutil, elegante e poderoso de nos acompanhar, em especial nas
crises e agradeci a Ele por cada sinal de vida contido em nosso apartamento,
que parece uma cápsula de afeto, um refúgio secreto, um bunker seguro, só porque
Ele está aqui conosco o tempo inteiro, colorindo cada segundo com suas cores
etéreas e resistentes, mas leves, frescas, como a brisa de um fim de tarde de
fim de verão, começo de outono.
O pior ainda está por
vir. Vamos passar por coisas que nunca imaginamos possíveis nessa nossa vida de
criança mimada, filhos dos filhos dos baby-boomers que somos, mas talvez, só
talvez, sejamos capazes de sair dessa baita mediocridade que nos aprisiona e
deixemos algum legado melhor que um monte de celulares para a próxima geração.
A palavra da vez é
SOLIDARIEDADE. Se você ainda não encontrou um jeito de ser útil nessa crise,
ENCONTRE JÁ. Pode ser sua última oportunidade!
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