“A mulher é o único receptáculo que ainda nos resta, onde vazar o nosso
idealismo.” Goethe
Já há alguns meses sou brindada
todos os dias com notícias grotescas sobre a condição da mulher. Ou é uma
garota apanhando por querer aprender em países árabes, ou meninas sendo
estupradas por grupos de homens na Índia, ou esposas tendo seus rostos queimados
por ácido ou qualquer barbaridade do gênero ocorrendo em lugares que, verdade
seja dita, nós ocidentais consideramos praticamente selvagens. Hoje cedo li
sobre uma mãe que passou por todo tipo de abusos na China (a fantástica China
comunista de alguns), sendo inclusive aprisionada e enviada para “Reeducação”
por querer justiça para a filha de 11 anos que foi estuprada, sequestrada e
prostituída. Todos sabem das meninas do leste Europeu que são aliciadas e
enviadas para países estranhos e escravizadas sexualmente, meninas cuja própria
ONU já deixou de ajudar. Diante de tudo isso – escreverei um pouquinho (porque
o assunto exige livros, muitos, até...) sobre a suposta emancipação da mulher
no século XXI.
É verdade, no mundo “civilizado”
somos: engenheiras, astronautas, escritoras e tudo mais. Podemos dormir com
quem quisermos (e já dizia a Celine em “Antes do Amanhecer” que o feminismo foi
criado por homens para terem sexo fácil....rsrs...) e até fingir que adoramos o
Henry Miller – que ironicamente na vida pessoal era quase uma moça, no bom
sentido da expressão - se isso nos render uns dias na cama de algum
conquistador bonitão burro o suficiente para achar que queremos dele mais do
que alguma aventura. Algumas decidem nem se casar, podemos não ser mães e eventualmente
até abortar, ou ser mães solteiras se assim quisermos. Muitas se divorciam sem
serem chamadas de putas e algumas decidem livremente inclusive viver com e amar
mulheres. Trabalhamos e estudamos o mesmo tanto ou mais que os homens, já que
muitas ainda terão que assumir todas as tarefas domésticas sozinhas (afinal
segundo a lenda, lavar a louça e trocar fraldas fazem cair o pênis...rsrs..) -
isso embora ganhemos sempre menos que eles, sendo ainda preteridas em processos
seletivos caso ainda estejamos em idade reprodutiva, e muito embora nossas
vaginas continuem sendo disputadas como despojos por nossos chefes e
companheiros de trabalho (algumas inclusive ainda se fazendo valer delas para
galgar promoções e conquistar um lugar ao sol). Somos tão sedutoras e
independentes quantos as garotas do Sex and the
City, apesar de ainda sentirmos os olhos marejados quando pensamos em onde
andarão os Mr.Darcys da vida.
Emancipação à parte, estes dias tive
que disfarçar meu mal estar ao ouvir meu namorado falando, enquanto víamos um
filme, que para o que foi feito com a mulher não existe perdão. Afinal, o que
foi feito com a mulher? E que melhorias de fato conquistamos além de ficar
parecidas com homens para galgar algum lugar de respeito?
Sabemos o que nos foi contado, o que
lemos em livros, o que ouvimos de nossas avós e bisavós. Sabemos das antigas
religiões pagãs que cultuavam deusas, a fertilidade e a capacidade feminina de
gerar filhos. Sabemos de épocas em que o saber próprio da mulher era valorizado
e respeitado. Sabemos também que os homens em geral tem sede de poder, que
nunca conseguiram compreender de fato os mistérios femininos, nunca foram
capazes de absorver o conhecimento e a intuição embutidos em cada menina, moça,
mulher e velha e isso simplesmente porque não são e nem nunca serão mulheres.
Sabemos também que são mais fortes que as mulheres fisicamente.
Foram gerações de abusos, estupros,
desrespeito e dominação. Fomos dominadas, hostilizadas, abusadas, brutalizadas,
caladas, humilhadas, vendidas, compradas, desculturalizadas e condenadas à
ignorância, desprezadas, ignoradas, queimadas, estripadas, mutiladas,
torturadas, espancadas, FOMOS CALADAS...E verdade seja dita: em algumas épocas e
culturas, se tivessem se tornado capazes de gerar seus próprios filhos sozinhos,
talvez os homens tivessem nos aniquilado por completo. Estudando mais sobre a natureza
da violência só se pode concluir que tudo isso foi gerado por uma única razão:
MEDO. E quanto mais inseguro em sua própria masculinidade, maior o medo e maior
a agressividade contra a mulher – o grande OUTRO do homem.
Eva, Pandora, Medéia, Lilith e isso
só para mencionar a antiguidade. Todas grandes ilustrações da grande paranóia
masculina frente ao desconhecido. Paranóia essa que culminou nas fogueiras da
inquisição e em milênios de injustiça. Tantas mulheres sem alma, sem essência,
sem nome!
A mulher lidou e lida com isso com a
mesma gana de sobrevivente. Toma posse de sua resiliência (característica
intrínseca ao gênero, afinal somos 9 vezes mais resistente a dor que o mais
forte dos homens) e faz o que é preciso:
aceita emburrecer, transforma o corpo em oferenda e depois em mercadoria,
aprende a mentir, enganar e fofocar, cede a todos os tipos de mesquinharias e
intrigas - e como os felinos - aprende a competir e destruir suas semelhantes
se isso significar sobreviver. Abre mão de sua individualidade, muda a cara,
muda o corpo, muda o cabelo, muda até de preferência sexual se isso garantir
que não será destruída, abandonada, preterida. Sua capacidade criativa virou
cativa da necessidade e ela interpreta o tempo todo desde que isso lhe garanta
algum afeto, algum alento, algum amor. A mulher se mascarou para não morrer,
pagou com a não existência a possibilidade de existir. Até no mais liberal dos
países a mulher é obrigada a seduzir primeiro, se quiser mostrar de fato seus
reais méritos – bonecas consumíveis, quando não sexualmente, prestando outros
serviços. Pergunta-se muito (e estupidamente) porque existe tão pouca obra
artística de qualidade no mundo feminino e a resposta é óbvia: a mulher vem usando
sua capacidade criativa para sobreviver desde que o mundo é mundo. Graças aos
céus, com ela sobrevive também a humanidade, porque se não fosse pela teimosia
da mulher em continuar por aqui, já estaríamos extintos há séculos.
Nossa maior capacidade foi
transformada em fragilidade: a empatia. Somos condenadas por amar demais, por
nos importar demais, por sentir demais. No ocidente do século XXI mulher de
sucesso é aquela que sente pouco, não pensa e se o fizer - faz como homem, dá
para todo mundo e finge que gosta disso, aceita relação aberta ou para roubar
marido de outra ou para não ficar sozinha (o grande pavor da mulher moderna),
não é mãe, mas se for, finge que não curte muito para que não achem que perdeu
o sex appeal e, acima de qualquer coisa, sabe se vender bem
– e isso em qualquer âmbito.
Naturalmente houve e ainda há
lugares, homens, momentos e mulheres exceção. Para cada exceção, zilhões do
mesmo fenômeno. Para cada mulher que não cede frente às pressões do sistema,
existe sua própria quota de desprezo, desvalorização, desamor, maus tratos,
ameaças e rechaços. O preço é altíssimo!
Experimente acordar todo dia de manhã sabendo que não poderá dar um passo em
falso ou saberão que você é APENAS mulher.
Encerro essa breve reflexão com uma
pergunta de mulher para mulher (e nem gosto da Marisa...rs...): - Até quando,
meninas?
Excelente Dani, o feminino por uma Mulher.
ResponderExcluirThanks, dear...É por e para mulheres como você que escrevo. Beijos!
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